segunda-feira, 29 de junho de 2009

Quaresma

na quadragésima hora
as badaladas avisaram
que chegavas
cobri teus olhos

panos arroxeados
sombras e flores
te escondiam da ressurreição
em que tateavas

dedos longos que escapavam
deslindando pele e sonho
tuas asas de anjo torto
a me adivinhar!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Classificados

V
23/02/04
para Oledir Cruz


* Vendo fazenda com cem cabeças de gado leiteiro, sede própria e dez homens para abate.
* Procuro um motivo para procurar.
* Racista frustrado compra pele branca para ter sua ideologia edificada.
* Bicicleta sem pedal procura ciclista sem pé para um passeio descompromissado.
* Vendo esperma de rã. Rua 5, bairro 6, quadra 7.
* Poeta desempregado se oferece para trabalhar de mecânico hidráulico.
* Compro ovos de ornitorrinco.
* Patrícia Fossa Escura oferece seus serviços: sexo virtual e masturbações telepáticas – sujeito à consulta de crédito.
* Vendo ovos de ornitorrinco.
* Ofereço-me para jantar em sua residência. Falo baixo, tenho modos, sei manusear os talheres. Lavo os pratos. Todos.
* Canibal vegetariano procura psicólogo – de preferência gordo.
* Sósia de Marx se oferece para trabalhar de Papai Noel.
* Compro esperma de rã. Rua 7, bairro 6, quadra 5.
* Obra composta por lexicógrafo promete esclarecer dúvidas, duvidas?
* Vendo um rim em bom estado de conservação ou troco pela quitação de um carnê nas casas Bahia.
* Vendo por um bom preço, em ótimo estado, um ano de uso, documentos em dia, linda cor. Tratar na casa ao lado.
* Vendo pandeiro, cavaco e timba ou troco por guitarra elétrica, bateria e baixo.
* Futuro suicida compra revólver de grosso ou médio calibre para se proteger dos assaltos constantes na vizinhança.
* Vendo, pela metade do preço, esse espaço.
* Caríssima Neguinha, eu te imploro, volte para mim! Eu não sei o que fazer sem você, eu já tentei de tudo... pelo amor de Deus, volte para o seu Pretim!
* Fã desesperado do Jota Quest procura com extrema urgência um especialista otorrino.
* Espírito malévolo, recentemente desencarnado, procura médium (de preferência Kardecista) para esclarecimentos metafísicos.
* Vendo, ótimo preço, fita cassete virgem, ainda na embalagem.
* A solução dos seus problemas: vendemos Deus. Suaves prestações. Satisfação garantida! Todos Domingos, na Igreja mais próxima de sua casa!





(do livro Memórias à Beira de um Estopim)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma pausa na literatura



Não é fácil perder alguém em um acidente de carro. Os familiares e amigos que ficam não tem o tempo necessário para elaborar a iminência da perda, quando, por exemplo, a pessoa querida é acometida de uma doença que a enfraquece pouco a pouco.
Já vivi essa situação três vezes: tive dois primos que se foram em acidentes de carro; ambos estavam sozinhos e aparentemente foram vencidos pelo sono.
No caso de Marcela, uma psicóloga brilhante, colega de faculdade, foi diferente. No dia das mães de 2004, ela saiu cedo de casa para comprar flores para a mãe. Na ponte Costa e Silva - aqui em Brasília - quando estava a cerca de 50 km/h, foi atingida por um idiota que voltava de uma festa a fantasia.
Ah, antes que me esqueça: o imbecil estava a mais de 120 km/h em um lugar cuja velocidade máxima permitida é de 60.
O assassino sobreviveu ao acidente e ainda responde ao crime. Marcela morreu na hora.
Quatro meses depois, a mãe dela não aguentou a perda e usou um coquetel de remédios para ir de encontro a filha...
As fotos aí de cima foram tiradas no balão que dá acesso ao aeroporto de Brasília. Faz parte de uma campanha do governo para conscientizar a população através do choque. O carro não é de "mentirinha", pessoas morreram nele justamente por causa da combinação álcool-trânsito.
Para problemas radicais, alternativas de solução radicais. Seria também interessante que o governo colocasse tais instalações na frente de escolas infantis e faculdades, boates, bares da moda, etc...

domingo, 14 de junho de 2009

Súplica ao meu assassino

Cala-me suavemente.

Cessa o estertor violento
de minha verve lírica
em vísceras alheias,
vertendo, de tua boca lacerada,
o sumo que alimenta
o meu sentir intensamente.

Deita-me languidamente,
entre versos brancos
e a tessitura vaporosa
de silêncios enternecidos.
E acomoda em meus contornos
tua alma sinuosa

Deixa-me repousar
às margens da vertigem.
E antes que se dissipe
o êxtase de minhas veias,
e eu pereça lentamente
no torpor da tua ausência
mata-me

delicadamente.

Iriene Borges

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Correspondente de guerra

Era uma madrugada de primavera. Eu não sabia exatamente qual dia porque não saia de casa desde que vim para cá. Ouvi os primeiros tiros. A violência assustou a vizinhança, gritou e acendeu a luz.

Confuso, tive vontade de ir até a janela, para ver se conseguia alguma imagem do combate, mas tive medo de ser alvejado por alguma bala perdida. Ciente dos riscos, engatinhei até a janela e, decepcionado, vi o cenário fantasma de toda madrugada. Também vi as poucas luzes nos prédios em volta apagando-se aos poucos, enquanto acostumavam-se com os tiros, cada vez mais escassos. Percebi que o risco que eu corria era relativamente baixo.

A partir deste instante, meu medo era invisível - o que tornava a convivência com ele muito mais fácil. Aliviado, apaguei a última luz e dormi.


segunda-feira, 8 de junho de 2009

Panorama


No tempo que assistia o mundo
dependurada nos pés de ameixa

Eu rodopiava canções bonitas em companhia do meu amado e saboreava maças do amor nas festas juninas e tinha um estoque de bilhetes apaixonados...

Contudo,
o tempo nada deixa

Onde estão as paisagens
que eu ria do arvoredo?

Pra ser só, me sobrou coragem
desisti do uso do amor placebo

domingo, 7 de junho de 2009

(...)


A morte me assombra o sono
Deveras, ainda vivo em sonho.
No peito entreaberto
Mal cabe o coração palpitante.
A alma, em frangalhos,
Se vê partida por mil adagas
E, em desespero,
choro em um quarto escuro.

Pobre poeta!
Por que te envenenas em versos?
Quais os objetos de suas conjecturas?
Que olhos? Que boca? Que sorrisos?
Há na distância das noites estelares
O brilho que se apaga nas horas escuras?
Há na ausência que lhe move
O tato a tocar de leve em nuvens?

Pobre poeta!
Por que não mergulhas no Ganges,
No Sena, no Reno, no Tietê, no Piracicaba?
Se joga do alto da ponte
Submerge nas águas turvas
E some, consome esses versos
Leva embora estes sonhos que te sufocam.
Por que se perder em amores vãos
Se tens mais a viver para ti?
Exorciza em teu pobre peito
O que o tempo, inexpressivo,
Não pode apagar.
Arranca-lhe o coração
E joga às aves de rapina
Que te espreitam ao longe.

Pobre poeta!
Escolhestes o lado errado da estrada!
Escolhestes o pior dos desertos!
Enquanto buscares na poesia o teu consolo
Terás apenas o desfavor dos versos
Que se amontoam em escombros.
Ruínas que se erguem vertiginosamente
Em teu peito enfurecido.
Logrará, contigo, pobre destino
E, talvez, um dia, tuas próprias mãos
Consigam limpar o sangue
Que jorra em torrentes
Nestas pautas encardidas.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

estátua mutilada

Rabisquei muitas vezes
até ter de volta as palavras
por vezes e vezes tentei
obter o vislumbre das rosas

em minhas mãos
só o ardume do cheiro
que verte do tédio

sofri co'vazio de não ter
respostas

Sôfrega entre sombras
rumei inquieta

Sou estátua mutilada
que grita, improvisa
porém, não inanimada,
meu risco é certo,
viver é o melhor dos mistérios

Caroline Schneider

terça-feira, 2 de junho de 2009

Poesia

Vesti minha pressa
E olhei a vida correndo pela janela
Emoldurada de pernas e olhos
Se afastando pela esquina
Enquanto formava em minha boca
Uma palavra morta

Despi-me de nexo
E alcancei a porta que se abria
Amodorrada de cansaço e ferrolhos
Me aprisionando como imã
Enquanto lembrava em tua face
Um poema em prosa

Na esquina de minh´alma
Agarrei o porvir com unhas e dentes
Com gana de louco
Os olhos nas órbitas
A eclodir

E assim
Vestido de raio
Nu de mim

Me perdi