terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

poesia


amanhecer

bocejar de porta,                    janela

palavra            de esbofeteada rapidez

silêncio capsoluto

alvorada em Michelangelo
com suas devidas sombras

necessidade sentada de nuvens

soar de água pelos canos

acordar de mãe, manhã

revelação

encanto

concedidos desde o princípio

( do livro Amoral Poética, lançamento dia 4 de abril, Editora Multifoco, Selo Vale em Poesia.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Reflexões ao amanhecer

a grama  ática
é verde
assim como a
semente do
saber
já a
palavra
compõe-se em
arco-íris


          - Graça Carpes -




domingo, 26 de fevereiro de 2012

A confusão



Ele viu, nas Cinzas, a denúncia de sua confusão. Errou o feriado. 


Era Carnaval, mas ele viveu quatro longas sextas-feiras santas.


(crédito da foto: Luís Fernando Amâncio)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Palavras...




As palavras podem ser bonitas
Mas bonito é o sentimento por trás delas
As palavras podem até encantar
Mas encantador é o que elogiamos com elas

As palavras podem até chora
Mas nunca na dimensão exata da dor
As palavras podem até amar
Mas nunca na imensidão do amor

As palavras podem até abraçar
Mas sem nunca ter o calor
As palavras podem até beijar
Mas sem nunca ter dos lábios, o sabor

As palavras não podem falar tudo
Mas tudo pode ser dito sem ser falado
As palavras não podem sentir
O que apenas é sentido ao ser amado

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Herança

Foto: Rafael Nolli 
http://www.facebook.com/pages/L-Rafael-Nolli/158326134260842
                    
 Não sei se vou dizer
em que caminha a esperança no fruto
                                    ainda na semente,
 
ou se digo
– se devo dizer
algo sobre a certeza nas coisas quadradas
que se alongam até arredondarem-se.
 
Não sei se falo
aindavoz
de equações químicas que se resolvem em silêncio,
                               nos livros que nunca caducam,
 
ou se conjeturo
a luta que enfrentaram os que, antes de nós,
domesticaram os grãos a nascerem
próximo ao apelo da mão.
 
Não sei se retrato a terra sitiada
de onde escapou o musgo
            que cobre as pedras
            como uma pelagem de inverno,
ou se explico
resta um filete de canto
os vislumbres de um futuro próximo
onde ainda se morre como em
             Comerciais de Metralhadora.
 
Não sei se devo
ou se me permitem –
relatar as dificuldades dos homens nas fornalhas,
derretendo o minério que irá virar bibelô de madame
  ou maçaneta de táxi, e conto,
de mãos postas, a sua dieta fria, isenta de calorias
 
não sei se romantizo
os vagabundos noturnos que chamo pelo nome
ou se narro as noites em que sonho com a Poesia
 – a inevitável
                         e acordo de pau duro.
 
Não sei se confirmo
– se é lúcido confirmar
as verdades
sobre a ternura dos ditadores para com suas esposas
                                                                  & amigos;
o carinho dos carrascos
 & torturadores dispensados aos seus filhos
    & amantes,

ou se, simplesmente, me calo.
 
Não sei,
talvez o poeta esteja mudo
diante dos outdoors do apocalipse.

 



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Evolução


É que sou mesmo assim, bato os pés, o tempo todo, e minhas pernas ficam se movimentando mesmo quando estou sentado. Meus dedos estalam, como que ritmando o passar das horas. È um compasso incessante, com a cabeça seguindo a batida de sons que vocês não podem ouvir. Por isso parece estranho. E também me causa estranheza o fato de, só agora, quase depois de meio século de vida, descobrir o motivo pelo qual Chico Buarque discorre tão bem sobre a alma feminina: é que a alma masculina não tem a menor graça. Ela não traz consigo mistérios intrigantes, enigmas indecifráveis ou dramas psicológicos que valham um estudo ou uma letra de música. Me movimento ininterruptamente, enquanto leio, escrevo ou trabalho. Esse sou eu, apenas mais um estranho hiperativo. Queria repousar, mas minhas pernas me controlam, se movimentam sem parar, fazem as pessoas ao meu redor olharem para mim com curiosidade, e depois só balançam a cabeça, como que a entender o que está se passando com meu corpo. Não, vocês não entendem! Não gosto de festas, mas toda essa minha agitação até parece uma dança, um balé solitário que apresento ao mundo diariamente, mas que não faz o menor sentido... Tentei fazer tantas coisas para amenizar essa ansiedade e essa agitação, mas nenhuma deles surtiu efeito algum. Sou mesmo assim, pés em movimento o tempo todo, não me deixando descansar nunca. E só agora, depois de tanto tempo, consigo admitir por que os livros de Clarice sempre foram tão familiares para mim; é que eles narram com perfeição a dor e a doença de viver, a dor e a doença que enfrento todos os dias, aqui dentro, essa cabeça que não desliga, esse corpo que não descansa, e que me leva muitas vezes para um abismo que eu não quero enfrentar, mas que ela descreveu tantas vezes, tão sutilmente! E se eu simplesmente saísse correndo, como Forrest Gump? Sim, talvez resolvesse, já que não consigo mesmo parar... Voltas e voltas sem fim por lugares nunca imaginados, cruzando com pessoas que não entenderiam o que estava acontecendo comigo. Dias de sol, noites quentes, muita chuva, vento cortante. E quando eu enfim retornasse para esse meu canto, estaria meu corpo derrotado? O primeiro passo já foi dado, consegui admitir que sou mesmo assim, não tenho parada, não tenho um minuto, não tenho nada que faça minhas pernas pararem de me guiar por caminhos que eu não quero percorrer. Sou mesmo assim, e o que você está olhando? O barulho de meus pés batendo no chão te incomoda? Finja que é um sonho, é só assim que eu consigo enfrentar essa hiperatividade diária que trago comigo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Folhetim


Sexta-feira. Carnaval. Meio-dia e meia. Ao telefone, ele diz que tudo foi lindo e deve ser guardado como um pequeno tesouro. Para sempre. No seu coração. Dele. Que não suportaria sofrer de novo. Ela ri. Disfarça o nó na garganta.Conversa mais um pouco. E desliga. Com um beijo. Foram tantos, pensa, olhando a fantasia sobre a cama. E não sobreviveram a um único carnaval. 




Márcia Maia


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Tempestade de chumbo


Aversão a origem e ao meio

às verticalidades engessadas

cruzadas por asfalto-fluxo


tencionados processos cotidianos

 (tempestade de chumbo)

construto ruído 

ruiu..........

ruínas de ego


-do outro lado do mundo:



 imersão passiva em morosidades


-do outro lado do mar:



diverso imprevisível!


No oceano demasiado profundo, devo

emergir ou submergir?!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Meu aniversário


Dia 09/02 foi o meu aniversário. No meio de tantos parabéns, via telefone, "facefone" e sms, parei para pensar no tanto que é um aniversário. Não é um dia que você e milhões de pessoas nasceram mundo afora. É o dia de cada milho dos milhões. 

Aniversário é um réveillon particular.  

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pôncio "Pilates"

Inicialmente, aquele professor de academia se mostrara atencioso e compreensivo com as moçoilas e balzaquianas; mas logo tirou a máscara e conquistou logo o peitoral definido mais desejado da academia. Questionado, disse que, se ninguém partia pro ataque, ele é que não ia perder tempo...


A mulherada não o perdoou; apelidaram o vil rapazote de Pôncio Pilates.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O sangue nos jornais *

por J. Rodolfo Lima

. As fileiras de barracos são separadas por vielas muito estreitas . Num canto há um volume coberto com papéis presos por pedras e um sapato. Algumas pessoas começam uma aglomeração que a polícia, em vão, tenta dispersar.

corpo sem nome
o jornal de ontem
cobre a notícia de amanhã

. O vento frio da manhã agita as pontas do papel. Na viatura um soldado ouve mais ou menos atentamente enquanto no rádio, entre soluços e chiados, soam as mensagens da corporação. O outro soldado, em pé ao lado da viatura, parece uma estátua. O tempo parou por um momento: nada se move, nada se ouve. O vento traz de volta o movimento e os sons.

aurora cinzenta
o vento traz
um novo dia

. O cordão de isolamento recém instalado já é pouco para manter as pessoas à distância. Tem-se a impressão de que todos que passam, param por um instante. Dos que ficam, a maioria são mulheres. Algumas trazem bebês no colo, algumas vêm cercadas de crianças de vários tamanhos. Qualquer rajada de vento aumenta a expectativa de que o papel voe e algo se possa ver do que está embaixo.

na manhã fria
a caminho do serviço
a breve atração

. De um lado, o jornal se tinge de sangue, que escorre vários metros viela abaixo. E segue descendo, escuro, viscoso, fazendo desenhos incompreensíveis no chão. Agora já há um círculo bem definido de pessoas ao redor. Por onde o sangue escorre, dá-se passagem. Crianças andam e brincam por toda parte. Algumas, é inevitável, sujam os pés na lama, mistura de sangue com o barro do chão. Também, ninguém nota ou parece estranhar.

represa rompida
não é para o mar
que este rio corre

. Chegando a perícia, a expectativa cresce. A polícia pede à multidão que se afaste. Um soldado pede às pessoas que levem suas crianças para casa. O círculo recua talvez um metro e pára. Aos poucos vai voltando à posição original, como se houvesse uma pressão, uma mola, que o puxasse. Alguns curiosos mais ousados se aproximam e voltam, numa onda muito lenta de movimento.

nada mais a fazer
senão se distrair
com a tragédia alheia

“... sabe quando a gente joga uma pedra na água e aparecem aquelas ondas, aqueles círculos correndo pra fora?
É como se fosse o contrário: aos poucos, o círculo se fecha...”

será este o assunto
nas mesas, nos bares?
“meninos, eu vi”

. Os policiais afastam um pouco a multidão, a cada vez que a roda se fecha. O corpo é descoberto: está numa posição estranha, não parece natural. Era jovem, tinha o cabelo muito curto, bermudas, camiseta, chinelos “de dedo”. O rosto está apoiado no chão, o boné ao lado. Foram vários tiros, três na cabeça. Alguns dos presentes o conhecem: “morava logo ali embaixo”, mas ninguém ouviu nada.

para sobreviver
é preciso aprender
a não saber nada

. O corpo é despido, virado, examinado, recolhido. A multidão fascinada assiste a tudo. O rabecão leva o cadáver. A multidão se dispersa. A perícia e os policiais militares também se vão. Sobram, no chão, alguns papéis sobre a mancha de sangue. O dia, enfim, começou. A mancha, agora coagulada, ficará até a próxima chuva.

o sangue nos jornais
não é só
em preto e branco


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*publicado originalmente em http://ecosdiversos.blogspot.com

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Luto

Regou o túmulo por dias, até secarem os olhos, vermelhos e ásperos.

Uns dizem que foi por compaixão.
Outros sussurram que foi por culpa.








texto do livro Colcha de Retalhos

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Manisfesto Pau-Brasil




Leu o manifesto
Sentou-se Oswaldo
Se sentiu de Andrade
Olhou em volta
Paredes, móveis e carro na porta
Todos feitos de madeira
Leu novamente o título
Abriu um grande sorriso
Sentiu-se Poeta

Joakim Antonio


"A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos." Oswald de Andrade



Imagem: Capa do Livro de Poesias "Pau-Brasil" de Oswald de Andrade. Ilustração por Tarsila do Amaral.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Festa

Gosto de olhos tristes
que se desmancham em sorrisos
em álcool, em sambas, em sons,
em qualquer coisa que não explico.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

[...]



Eu não sei fazer poemas
A métrica não se deixa dominar
E as coisas que quero dizer parecem ficar sempre soltas
Não sei se me lanço em um poço (pouco) de indiferença
ou se vou pleitear a conquista de mais uma noite
Escrevo com a euforia de quem está aprendendo a subverter os sentidos.


Sei que enquanto você sai na noite
Fria e solitária como nunca conheci
Perambula pelas ruas e entra em um bar
Buscando uma distração ou sempre mais uma dose
Eu vou estar em casa dormindo o sono dos não-tão-justos
Ouvindo música
Estudando gramática mesmo contra a vontade
Ou girando por algum salão de festas iluminado
Não gastando nada em mim além das sandálias.


Nunca havia desejado tanto que os fins de semana chegassem logo
Cansada de tantas ausências, fatigada pelo excesso
De coisas desinteressantes que eu busco superar
Como naquela manhã de domingo na qual descobri
Que a coisa que mais me encanta e atrai é o contraste
Da tua pele, branca como parece impossível que seja a alma
Na minha cor que reflete outra ascendência
e uma preferência pelo calor cultivada de sol-a-sol.


Trazes no peito um amor alviverde
Enquanto meu melhor sono é sobre o escudo do inimigo
E eu que já oscilei em temperamentos e hormônios
Ando até esquecida do salgado gosto das lágrimas
Porque não é como uma brisa afetada que me tocas
Mas o que me inspiras é uma certa violência de gestos e palavras
Na expectativa abrasadora de tuas idas e vindas.


Não sei que aspirações me são lícitas
Se nos diferenciamos na ambição
Da vida eu não sei querer nada que não seja o muito
De ti, meu pecado é sempre querer mais um pouco
Quando estremeço no teu colo o mundo parece ser menos adverso
E é por isso que me entrego ao gosto de que me vires ao avesso
Mas não sem querer te prender a mim numa sutil dominação. 


*

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Pequenas histórias

Pequena história sobre o homem que apesar de não fumar disse à esposa debruçada na janela que ia até a venda comprar cigarros...


Saiu de casa no crepúsculo
e nunca mais voltou.


Pequena história sobre a esposa do homem que apesar de não fumar disse que ia até a venda comprar cigarros e nunca mais voltou...


Ainda o espera debruçada na janela
fumando um maço por noite


Isaac Ruy
rabiscoserrantes.blogspot.com

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Os enforcados


          
           Antes a vexatória condenação que o estigma da desonra.  Morrer dependurado ao mastro é menos vergonhoso que o heroísmo infecundo do delator. Sempre haverá quem defenda o desagravo, a impertinência. Sempre haverá quem defenda o contrário. Sempre haverá dois lados na mesma moeda. Sempre haverá o carrasco e o condenado. E, do alto do púlpito, um missionário a dizer as prédicas, enredando em seu discurso, a magnitude do fato. Exaltando o lacaio. Incitando a traição nefasta. Mefistófeles cochichando gracejos ao ouvido da populaça. Sempre haverá um motivo, afinal. A infâmia é um exemplo supremo para coagir rebelados. Para debelar ações e levantes. É preciso criar artifícios. Falsear documentos. Aniquilar inimigos. Conjurar.
Foi escolhida a data. Ornamentos foram espalhados pela cidade. Bandeiras, flâmulas e estandartes. Brasões e escudos. Lençóis estendidos nas balaustradas dos casarios. Janelas fechadas seguidas por escuras cortinas a ocultar o interior das casas. Como num baile de máscaras – tudo estava oculto sob a maquiagem – a tragicomédia de um teatro inventado. Todos os fatos transbordavam invencionices. Desde a acusação ao cadafalso. Desde o julgamento à execução dos condenados. Tudo uma mentira intragável que só o povo enganado engolia de bom grado.
Mas como saberiam enganados se conheciam apenas uma versão dos fatos? Versão esta, inimaginável em outros prados? Não. Não sabiam. E, festejavam. Como em noites de Santos e levantamento de mastros. Bebericavam, à porta das adegas, sem saber-se parvos. Ansiando pela hora triunfal em que os condenados seriam arrastados da masmorra aos pés da forca no centro da praça. Eis que surge o carrasco. Encapuzado em negro tom, aveludado. O manto negro e tons dourados. Estrelas e estigmas em ouro lavrado. Acenando as mãos à multidão que gritava: “Morte aos traidores da Pátria! Morte aos traidores da Pátria!”  Jovens e crianças se misturavam, suarentos de tanta devassa. Punhos cerrados erguidos bem altos; gritavam juntos a mesma bravata: “Morte aos traidores da Pátria! Morte aos traidores da Pátria!”  E, sobre o palco do massacre encenado, o carrasco agitava a massa exaltada. Erguia o braço, pedia aplausos, algazarras.  Estimulava o grito e o refrão enervado: “Malditos sejam os traidores da Pátria! Morte sem pena aos traidores da Pátria!”   Pouco a pouco, a praça estava intransitável. Pessoas surgiam de todos os lados e o lugarejo de população minguada apresentava o espetáculo às centenas de milhares. O prefeito em camarote erigido na sacada do casario oficial observava o povo e, lá do alto, também acenava, retribuindo o entusiasmo dos pobres diabos.
Eis que surge dos pórticos da cadeia, dois homens franzinos, tão mal alimentados. O corpo arqueado, fraqueza da alma. Arrastados por robustos e rudes comparsas, das cenas que o povo espera extasiado. Tão belas as fardas oficiais. Coturnos lustrosos de tanta graxa. A boina no alto da testa calva, dando imponência a inúmeros soldados. São tantas autoridades espalhadas nas sacadas. Observatório insólito de tantas mágoas. Prefeitos, padres, bispos e comendadores. Promotores, juízes e advogados. Todos, em nome de Sua Majestade, praticam os ritos do punho covarde: “mãos de ferro aos inimigos da Pátria.”
Ninguém reconhece os rostos bastardos, mal sabem o motivo de toda a contenda. Esperam apenas a morte consumada daqueles que toda a pátria condena. A poucos importa os nomes e a descendência, pois, mesmo que vivos, caminhem entre eles, já estão mortos em sua sentença. Cospem-lhes o rosto, batem-lhes na cara. Insultam, falam mal, praguejam. E, os condenados arrastam suas correntes. Guiados pelas mãos de seus executores. Levam sobre os ombros o fardo da infâmia. O triste vexame da condenação. A cabeça erguida, olhando no rosto de um povo doente a colocar um laço no próprio pescoço. Não há o que fazer. Nem porque pedir clemência. Resta-lhes o orgulho sombrio dos condenados que erguem o olhar nos confins do tempo e crêem na justeza de sua morte. Nunca saberão se houve sucesso em seus empreendimentos. Jamais terão respostas precisas sobre a eficácia das sementes lançadas nesse solo infecundo. Nem mesmo as gerações posteriores saberão. Pois, apenas eles têm a medida deste instante que se aniquila ao último sopro de seus pulmões. Há quem se orgulhe dos heróis assassinados. E, há quem se orgulhe dos assassinos. Há quem respeite os revoltados. E, há quem os condene à ruína. São dois lados idênticos. Duas forças que se retraem e se atraem retesadamente. Onde há bem está o mal amalgamado. E tudo se contrai no mesmo casulo.
Ao centro do tablado, cada qual sob um mastro, ouviu a sentença ser recitada aos brados: “Sr Barão Isidoro de Alcântara Atalaia Vasconcelos Sobral, neste instante, sob as Leis Régias deste Império, és destituído de todos os títulos, que outrora lhe foram concedido em nome do Rei. Passando a ser um miserável condenado pelas mãos do Império, recebendo a pena máxima em nome do Rei e diante de Deus Nosso Senhor.”  É passada a corda em torno do pescoço. Extasiado, o povo ovaciona o Rei. Num sinal de braços o orador pede silêncio e prossegue: “Sr Duque Artur da Alvorada Resplendor Simões, neste instante, sob as Leis Régias deste Império, és destituído de todos os títulos, que outrora lhe foram concedido em nome do Rei. Passando a ser um miserável condenado pelas mãos do Império, recebendo a pena máxima em nome do Rei e diante de Deus Nosso Senhor.” Uma segunda corda fora ajustada ao outro pescoço. E, a massa aplaudiu fervorosamente o carrasco que voltou a cena.
Nada fazia sentido aos condenados. Morrer não seria a pior desgraça. Ainda que vexatório fosse o fato. Estavam diante de desconhecidos. Os parvos sequer sabiam de quem se tratava. Ali não havia ninguém das famílias. Os títulos, anteriormente mencionados, só eles sabiam nunca existirem.  A lição seria mais bem medida, tratando-se de homens ilustrados, com estirpe e índole de boa família.  Isso pouco importa. As cordas no pescoço ajustadas, o bispo a pronunciar suas prédicas: “Deus salve a alma indulgente dos condenados. Tende piedade, Senhor, Rei dos Céus, dos pecados dessas pobres almas desgarradas. Em sua infinita bondade, abrandai a pena que os aguarda na eternidade.” Aberto o alçapão, num solavanco, os corpos dançaram no ar, como um par numa valsa sombria. Findo o espetáculo macabro a praça se tornou deserta novamente. Alguns curiosos iam mais perto do cadafalso observar a face estrangulada. Outros benziam-se, afastando rapidamente. Até que os dois enforcados ficaram sozinhos. Balançando ao ritmo do vento.