Espaço e tempo se comprimem em uma linha tênue em que os fatos não fazem sentido. Ao homem, resta criar e buscar caminhos. Sentado sobre a argila, com mãos trêmulas, um velho modelava o barro. Em sutis movimentos, desenhava o que viria a ser a própria imagem em simulacro preciso do que, incondicionalmente, parecia-lhe semelhante. Tinha em mente todo o desejo da criação e, em retoques, dissimulava o que não poderia refletir a originalidade da obra. Não poderia fazer-se do barro, menos ainda, criar-se daquela argila que se apresentava imprópria para esculturas. Desejou como ninguém. Fez-se escravo da loucura que impusera a si próprio. Fizera uma cópia perfeita de si mesmo introduzindo-a em um cubo de espelhos e, do alto, contemplava pelo orifício a caleidoscópica imagem que girava sobre os pés em movimentos contínuos e circulares que não levariam a lugar nenhum, senão à repetição estressante que é viver estagnado, submisso à rotina que rouba até mesmo a capacidade de criar a perfeição pelas próprias mãos, ou ainda, dissimulá-la. Pensava. Recolhia-se como uma tartaruga se recolhe ao casco numa tentativa de esconder-se, inutilmente. Imaginava caminhos, possibilidades; porém, a única certeza era de que caminhos não existiam. Então, como sobreviver? A linha se comprimia mais e mais, sem muito esforço, possivelmente se romperia. Surgiu uma luz em meio à sombra. Meteu as mãos dentro do cubo de espelhos e retirou a escultura, de um excesso de barro fizera outra escultura devolvendo-as ao caleidoscópio. Eram duas a serem contempladas, observadas. Ambas giravam sobre os pés, embora em sentido oposto, cada espelho refletia em si outro par de imagens, uma multidão se formou, girando feito peão. Os olhos do velho, em súbitos lampejos, derreavam encantamento. Suas mãos, cansadas, aplaudiam o baile; vez ou outra se esfregavam no intuito de afastar o frio que aos poucos tomavam conta da pele. Vida inútil. Fazer cópias esquisitas da própria inutilidade. Rodopiava por aí, consciente da embriaguez e da cirrose. O fígado era uma rosa despetalada que vinha à boca e, ele, tonto do último porre, girava sobre os pés, ziguezagueava pela rua até que, alguma sarjeta, respeitosamente, ouvisse seus segredos. A linha se rompera. Pouco a pouco, em giros acelerados, as esculturas se chocaram voltando ao seu estado natural, um monte de argila sem sentido. No cubo de espelhos não sobrara nem mesmo esperança, caixa de pandora aberta aos fins dos tempos. Irremediável lembrança. E, aqueles olhos que, imersos em lágrimas, outrora admiravam os movimentos já não estavam ali. Foram-se amiúdes, de esquina a esquina, em solavancos; tropeçando no vento, se enroscando na brisa. Cegado pela catarata, tombou inútil. Indigente entre as gentes do asfalto. No chão negro, o peito moribundo arfava. Olhares espantados contemplavam a morte chegando silenciosa. Num último suspiro, entregou o espírito e, o sangue escorreu pela sarjeta.
6 comentários:
Parabéns pelo texto maravilhoso.
Você conseguiu transmitir uma emoçao inexplicavel.Foi o que senti ao ler suas ricas e belas palavras.
Gleidiane Miranda
Bacana o texto! Uma prosa dramática, bem desenvolvida.
Nossa
Lindo texto!
Abraço!
Offer
que maravilha hein
matei as saudades meu querido de vir aqui bravosssssssssss
Cada universo existente possuí 9 dimensões paralelas. Quantos reflexos teremmos? Muito bom!
Muito bom!!! Parabéns pra Flávio e pra vocês.
Grande abraço.
Postar um comentário