segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

sábado, 28 de janeiro de 2012

Eu ainda era criança
Era dia do meu aniversário
Minha mãe preparava pra mim uma festa surpresa
Eu nunca tinha ganhado uma festa surpresa
Pensando nisso fui até a cozinha perguntar por que nunca tinham feito uma pra mim
”Essa aqui era uma festa surpresa”, minha mãe disse, amassando um brigadeiro.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A MESA


há corais sobre a mesa de madeira

e elefantes disfarçados em peixes

o mundo todo direciona-se para um ponto

buraco convergente ao chão

talvez um mar patinado

esconda o caminho do céu...



                 - Graça Carpes -

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pinheirinho

A criança acordou com o estrondo das bombas. Não sabia sobre reintegração de posse ou de especulação financeira. Tampouco conhecia o nome do governador. Mas logo entendeu que não tinha mais uma casa. E que, naquela segunda-feira, não veria “Os pinguins de Madagascar”. 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trecho do romance "um dia desses"

29    
            Permiti minha vida às ruas da cidade. Febre avassaladora movendo minha percepção pelo sombrio corredor humano: dínamo diabólico nos sugando para as polaridades obscuras do nada; Caronte, imenso imã escondido debaixo das montanhas ao norte do paraíso, ou de qualquer coisa impossível, nos atraindo como pequenos parafusos – as moedas sobre nossos olhos, os marcapassos, o ferro em nossas veias, nossos pensamentos de chumbo sobre a morte debaixo dos pneus dos carros ou da vida voando e cagando estanho derretido sobre nossas cabeças.
            O corpo fechado, incapaz de conter o halo de ira que escapa pelos poros, ilumina o dia, se confunde com o néon das fachadas das lojas, se mistura aos faróis dos ônibus e se perde entre o clarão do fósforo riscado. 
            Permiti minha vida à correnteza de carne humana escorrendo pelas vias da cidade: as idéias coletivas sobre qualquer coisa dispensável se misturando num único cardume que é devorado mais adiante, para renascer novamente após a travessia da rua. Alguém que chora passa despercebido, ainda que destoando da desarmônica orquestra magistral. Penso: “era o que todos estariam fazendo se os sapatos não ditassem o ritmo frenético da metrópole e as pernas insistissem em devorar o caminho”.
            Sobre minha cabeça, reclames do tráfego se mesclam aos sinais invisíveis dos celulares, às ondas do rádio e da tv, que se unem antes de comunicar aos homens a necessidade da pressa e do temor.
            Mais tarde não haverá mais minha vida, porém a cidade prossegue. Ergo o controle-remoto e mudo de canal.




*Caros amigos, o romance está prontinho, aguardando uma boa oportunidade para aparecer.
Abraços!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Marulho


_vi umas fotos suas na revista...

_e o que achou?

_tem um cigarro?

_tenho, desde quando você fuma?!

_não fumo, mas há dias venho precisando de um trago...

Então, ele me deu o cigarro, inalei a fumaça cancerígena,

Olhei profundamente naqueles olhos negros que me fizeram tanto... tão...

e falei:

_guarde com carinho as memórias de nossa falsa cumplicidade, pois essa é a última vez que me permito ficar triste (ou feliz) por sua causa.

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E nesse instante acho que ouvi uma onda quebrar... e morrer...



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

enquanto isso, no casamento da prima chata....


- Você poderia ser a próxima a se casar, não acha, querida? Já tá na idade! A família só se reúne nos casamentos...
-Não concordo, tia. A família também se reúne em velórios. Falando nisso, a senhora poderia ser a próxima, já tá na idade, querida!





quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Águas mineiras

 

Na destreza mateira

ladeira acima, ribanceira abaixo

no remanso - correnteza

das águas mineiras

me sinto conectada

quando

fragmento do nada

poeira cósmica ou gota d’água

imensidão sem fim

me sinto em mim

 

Ancestral

pertencente

 

destas matas, destas nascentes

 

cascalho rolando as pedras do caminho

rizoma cerrado

rusticamente firmado

por controversa flor nativa

em

água doce,

precipício.

 

                                                                                                      Flávia Amaro




 " (...)a vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si." 
                                                                                                      

                                                                                       Clarice Lispector- Amor


        * Imagens captadas por mim na cachoeira Ventania localizada na cidade de Araxá-MG

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

sonhar e criar galinha

O sonho é ótimo
quando podemos
comê-lo.
É como criar galinha.

Alimentar, engordar
e proteger.

Logo depois chegamos à parte
onde as pessoas realizam
ou não os seus sonhos:

Comem ou deixam morrer.



 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Estréia

Texto já publicado em outro blogue. Sua  "estréia"  se deu há cerca de três anos, nos Ecos Diversos. Aqui, portanto, uma re-estréia.

****


Na platéia, figuras imponentes dos três poderes, representantes do clero, construtores, empresários, banqueiros, oficiais das três armas e da polícia militar, delegados, tabeliães, professores, balconistas, garçons, cozinheiros, alguns operários, o menino do farol com seus chicletes, o guardador de carros com seu paninho sujo e outros dignos representantes da sociedade. Conversam animadamente, respeitando os costumes e os limites sociais adequados, mantidos da forma mais conveniente. “Conversa-se com quem se tem assunto.” Nada faz mais sentido nesta data, ao mesmo tempo solene e festiva.


Há grandes expectativas e o otimismo para o futuro é contagiante. O futuro é lindo, visto daqui!


O país em franco desenvolvimento. Com redução dos impostos e dos juros, teremos crédito barato, o consumo em alta, a inflação controlada e baixa. A produção industrial estará em crescimento, a poupança, em ascensão e as exportações crescerão. A reforma agrária trará a maior produção agrícola da nossa história. A igualdade social será construída sem prejuízo para os mais abastados. Todo cidadão terá tudo que precisa para viver com dignidade e talvez até um pouco mais. A saúde e a educação públicas atingirão níveis de excelência, patamar a ser alcançado pelo setor privado. Todas as formas de crime e de injustiça serão abolidas. As drogas, o aborto, a corrupção, a pobreza, a inveja, a ira, a vaidade, o ódio, o adultério, desaparecerão sem que medidas mais duras precisem ser tomadas. Criminosos, terroristas e conspiradores terão consciência do mal que fazem à sociedade, entregarão suas armas e irão espontaneamente viver como monges reclusos. E serão felizes.


O momento se aproxima. Primeira chamada, segunda chamada, terceira chamada, as luzes se apagam. Contagem regressiva. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...


As cortinas se abrem. Sobre o palco ao fundo, há um espelho enorme. Em frente a ele, em pé, um homem pequeno, franzino e nu, cobre os olhos e os genitais. Não tem cabelos, não é jovem, nem velho. A cabeça é grande e o corpo todo tem uma aparência de secura áspera.


Aos poucos, ele se encolhe até encostar a cabeça no chão, sem descobrir o rosto e os genitais. Treme e soluça, como se tudo lhe faltasse. A luz ilumina a platéia silenciosa, estática.


No silêncio há um arrepio, agudo, gelado, aquela fração mínima de tempo que se demora a perceber o corte de uma navalha. E o silêncio se dilata.


O corpo, jogado ao chão, soluça convulsivamente. Faltando-lhe mais mãos para se cobrir por inteiro, mantém os genitais e os olhos cobertos.


O espelho agora reflete cada espectador, individualmente. Por um instante mágico, toda hipocrisia, toda mentira, toda vileza, toda iniqüidade, surgem monstruosas, caricatas, e cada um vê a si mesmo, seus pecados, seus crimes, suas máculas, suas omissões e mentiras confortáveis. Depois, vêem-se em seus grupos. Logo, num quadro bizarro, todos reconhecem na podridão alheia as suas próprias.


O público permanece imóvel como um suspiro preso, o tempo suspenso, que não é agora.


Ouve-se o ruído de pés correndo, pesados. Logo se percebe o pequeno homem a correr a esmo pelo palco. Quando encontra o espelho, ataca-o às cabeçadas e com os cotovelos, pés, joelhos, ombros, com o corpo todo, sem nunca descobrir os olhos ou as virilhas. Corta-se, sangra e continua a golpear o ar, pisoteando os cacos, mesmo com o espelho já completamente destruído. Seus soluços, quase infantis, vão sumindo enquanto ele se enrola lentamente no chão, no meio exato do palco. Finalmente, resta apenas o ritmo da respiração ofegante.


Em silêncio, fecham-se as cortinas.


O teatro suspira em uníssono. As expressões se relaxam, como sob a brisa fresca ao fim do dia quente.


Agora tudo está mudado. O que passou, passou. Sem ressentimentos, é hora de reiniciar!


Como se ensaiada, arrebenta uma onda de aplausos, palmas, assobios!


Todos gritam seus votos e riem e choram e se abraçam, até que as lágrimas secam sobre os rostos cansados de sorrir.


Voltam, então, para suas casas, suas vidas.


O ano novo estreou. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Labirinto

Costumava dizer que estava apenas experimentando, abrindo portas

Algum tempo depois, entre tantas portas, já não sabia mais por qual sair







texto do livro Colcha de Retalhos

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Gira gira girassol



Gira gira girassol
canta tua música
gira em sol
sola essa linda melodia
de movimento
como um sufi
em solo
no eixo do êxtase
em saber-se
centro

Gira gira girassol
apenas sendo
sem saber
que ao girar
criava gravidade
atraindo
prosa e verso
espalhando
como pólen
poesias

Gira gira girassol
solta a agir
rindo
da roda gigante
oitavas acima
de nós
por saber
dia e noite
serem apenas
um giro só


Joakim Antonio

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

linha do tempo

a menina com cheiro de perfume
a mulher com cheiro de cigarro
o doce e as cinzas
caminhando lado a lado.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

(Des)Cobertas


Deitada no quarto escuro
não vejo muita coisa
é o nada lá fora.
Dentro sempre faz mais frio
não há a quentura precisa
no peito
na alma
no copo
nem no corpo
sob as cobertas.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Meu Deus!

Ali:
trabalhando, comprando, comendo
- repetidamente e compulsivamente.
Concentrado, se divertindo
                                         frente a TV
distraidamente...
Meu Deus!
é uma máquina.

Isaac Ruy

sábado, 7 de janeiro de 2012

Variações do tempo


O tempo escorre nas têmporas
E a inocência vai cedendo lugar
Às certezas inconvenientes

Os dias festivos e ingênuos
Permanecem na memória
A mostrar o quão brutos
                   [nos tornamos

Aventureiros sem medos
Desbravamos emaranhados
Enfrentamos mistérios
                     [e sortilégios
Negamos nossa fragilidade
Encaramos a morte
Sem crê-la possível

Mas, viver! Só agora.
Não por medo da proximidade
De um possível final
Não pela ameaça,
Que, desavisados, sempre
Fora iminente,
Desde os tempos pueris

Agora sim, é tempo da felicidade
Almejada,
Tempo de fazer os gostos
E viver, enfim, pra si mesmo
Resgatando nas lembranças
As alegrias da vida que passa
E vivendo dia a dia
As possíveis alegrias
Que ainda, assim, nos arrasta!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Das guerras

Pois toda guerra é santa e nunca falha
e, nela, cada dia é oito anos
Os magos invocando Rudianos
Valquírias nos trabalhos pós-batalha

Pois toda guerra é santa e glorifica
a vilania, o ódio, o fogo, os danos
Os dentes de dragão são espartanos
Ogum ou Azazel vão dando as dicas

Pois toda guerra é santa e salva o mundo
do tédio, do pecado ou da preguiça
É Macha celebrando sua missa
defronte do inimigo moribundo

Pois toda guerra é santa e faz milagres
mandando para o inferno o povo herege
É Palas quem devasta, Marte rege
e determina a Morte se propague

Pois toda guerra é santa e se abençoa
com força, com coragem e esperança
Odin certeiro atira sua lança
Caronte leva os corpos de canoa

Pois toda guerra é santa e pacifista
Disposta a concessões e sacrifícios
Andarta se esbaldando nos seus vícios
É Camulus com sede de conquista

Pois toda guerra é santa e poetisa
Versada nas vontades desta Terra
E em todo panteão há deus da guerra
que é santa, nosso medo a canoniza.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Não sou da mesma raiz que Jack


Uma vez um crítico, falando sobre Tropa de elite, afirmou que antes, ao se fazer cinema, se buscava uma conscientização maciça, um coquetel de ensinamentos em dose única para o inconsciente coletivo da plateia. Opinou que o filme talvez seja uma experiência antiartística. Os que vão assistir a filmes assim estariam em busca não de mais um triler de violência enquadrado na ancestral fórmula maniqueísta. O público, de fato, estaria atrás de alimentar sua necessidade de vingança.
            Eu me pergunto, apenas, como procurar resolver nossa vingança enrustida numa sala de cinema. Ou lendo um conto. Ou visitando uma mostra de quadros. Busco nessas formas de arte, ainda (e, se for verdade o pensamento daquele crítico, talvez seja dos poucos que restam), respostas que me afirmem que não somos seres acostumados à violência, à corrupção, ao ódio. E que me garantam que nada disso virou norma, culto ou instituição.
Não me interessa na arte a antiarte. Ela já está nos jornais e pode deixar em paz os livros. Está nos noticiários da tevê e não precisa se transformar em imagens para as câmeras dos cineastas. Um livro ou um filme que desperte minha sede de vingança contra um assassino me provaria que estou preso ao chão pela mesma raiz que ele, e não passaríamos de dois troncos crescendo sob a ilusão de estar separados. Não tenho, juro, qualquer ligação subterrânea com Jack, o estripador.
O mundo, muito mais que de vingadores, tem é necessidade de artistas. Estes, com suas músicas, obras, imagens e poemas, não consta que já deram a alguém motivo para uma vendetta. Nem mesmo ao V.

domingo, 1 de janeiro de 2012

ilusões de ótica

as taças da bebida verde
dizem que é fogo
os basculantes avessos
falam em vômitos
os homens juram que é sexo
e as moças sonham que é amor

digo que é fumaça

a bebedeira engana
a náusea repele
a jura mente
os sonhos pervertem
a fumaça disfarça

e na bruma
entre espelhos embaçados
seres descolorados procriam
sorrisos desbotados
dispostos em janelas cinzas
voltadas para mundos de chaminés.