segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Aviso de Despejo


Lagartixa Morta - foto de Rafael Nolli

O poeta mente quando diz
que o amor é uma flor rara,
colhida nos verdejantes jardins da vida.

O amor, deveria ele dizer,
é o ato de desespero
no qual o homem se agarra,
é o chão que o suicida deseja –
mas embaixoapenas abismo e caos.

Mente o poeta quando diz que o amor
é o porto seguro onde se ancora
e mente duplamente quando afirma que Deus
nos fez para amarmos uns aos outros.

O amor, deveria ele dizer,
é a boia pela qual o afogado anseia,
masapenas água
e mais água em sua ânsia de boiar
acima, um pouco de céu sem fundo
abaixo, um universo de barro e lodo.

Amor é um cio estragado.


* do livro Comerciais de Metralhadora

domingo, 23 de janeiro de 2011

Poema para Rafaela


Não quero encontrar Rafaela
que anda por aí
como se o mundo fosse dela.
Por isso a rima medíocre,
na medida de Rafaela.
Rafaela queria ser britânica,
moderna e dinâmica,
Trás sempre consigo um walkmann batido,
como fazem os de sua estirpe,
e tece seus sonhos descoloridos
mesmo sem ninguém para ouvir.
Você poderá argumentar:
“- Como é nojenta essa Rafaela!”
Porém, há algo que não se pode negar,
Rafaela é mulher forte
e eu desejo paciência e sorte
para, se por acaso, o amigo a encontrar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

das considerações

-eu tenho bipolaridade.
-humm - respondi sem expressar nada, e já imaginei ela gritando e chorando e rindo em seguida ai meu deus o trabalho acumulando credo mas que merda agora que eu já dispensei as outras duas candidatas merda merda!
-mas eu tomo remédio.
-uhum - pronto, a merda tá feita...ô desculpinha mal dada pra fazer cagada e não precisar pedir desculpas....
-a senhora não liga?
-que remédio você toma?
-rivotril.
-ah! mas esse eu também tomo! tá contratada!

domingo, 16 de janeiro de 2011

Premiação no VII Prêmio Barueri de Literatura

Não podia perder essa: logo após receber por telefone a notícia de que havia ganho o concurso, passei a planejar a viagem para Barueri, cidade localizada na zona metropolitana de São Paulo. No dia 24 de novembro, à noite, embarquei para São Paulo. No dia seguinte de manhã, desembarquei na capital paulista. Após pegar um trem para Barueri, cheguei lá por volta da hora do almoço. Já instalado em um hotel no Alphaville (não sou tão chique assim, é que o hotel mais próximo do local da premiação estava lotado, rsrs), dei um tempinho e em seguida peguei um táxi até o centro de eventos da cidade.



Jurados do Prêmio Barueri sentados à direita






Apresentação musical de crianças


A cerimônia foi simples, mas tremendamente cativante. Crianças apresentaram números musicais, e esquetes teatrais foram feitos por jovens, tendo alguns dos contos premiados como matéria-prima. Os vencedores recebiam seus troféus e, no caso dos primeiros lugares, um cheque simbólico.

Abaixo, fotos dos premiados (estou agachado, primeiro a esquerda), do troféu e do cheque simbólico.

Pra quem quiser ler o conto vencedor, "A (re)volta de Policarpo", basta ir ao meu blog www.prosaseviagens.blogspot.com









quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cochicho

Ela veio caminhando, toda acanhada, querendo me contar as boas novas

Aproximou-se de mim, com as mãos fechadas diante do rosto, assim, como se trouxesse, só para me mostrar, ao abrir dos dedos, um vagalume

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Na madrugada



A madrugada canta enquanto a maioria dorme.

Há uma TV ligada na sala
uma criança pedindo comida na rodoviária
uma fatia de pizza fria, esquentando, na mesa de centro.

Por um momento alguém pisca e se move
um vigia, tremendo,  passa apitando em sua moto
um último suspiro sai do cobertor feito de noticias banais.

Algumas centenas de pets descem rio abaixo
centenas de árvores antiquíssimas morrem rio acima
centenas desejam algo acima e abaixo de seus corpos.

Em algum lugar luzes são acesas
algum índio teima em continuar sendo
algum civilizado percebe-se deixando de ser.

Velas continuam à queimar
continuam a lhe dar novos pavios
continuam a iluminar independente da forma.

Por vários séculos há vozes mudas
vários avisos sendo exaustivamente escritos
vários devaneios sendo sacramentalmente aceitos.

Eles escrevem o algo que você vê
escrevem o nada que, parece, não existe
escrevem, sobretudo, o que outros não querem perceber.

Há luzes acesas na madrugada, os escritores, sonhando acordados.


Joakim Antonio

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Há tempos

Foto Sad Woman by Rob Lee

     ___Vou mudar minha vida. – ela mais murmurou para si do que disse propriamente.
     E eu a observo de esguelha, fingindo não ouvir. Desde quando ouço rumores? Os gritos no meio da noite e o bater das portas nas madrugadas denunciam que há tempos as coisas estão desajustadas em casa.
     Seu rosto é branco como cera. Branco como leite frio. Branco e denso como essa neblina matinal à frente do carro. Ela está sendo sincera, eu sei. Como sempre o fora. Mas é que as querências, algumas vezes, não caminham juntas com a determinação para suas realizações. Meus pensamentos devem tê-la atingido, pois senti um olhar fixo, rápido porém fixo, ao meu lado.
     O sinal abriu. Permaneci imóvel, mudo, o cérebro correndo à frente do veículo. Ela falava alguma coisa sobre livros de auto-ajuda e meditação. No meu ponto de vista são apenas engambelação e tiram-na do olho do furacão. É uma espécie de anestesia para suportar as dores. Ela vive mentiras – as esconde no carpete da sala, atrás das cortinas, nas frestas das portas, embaixo da cama, até entre a poeira dos móveis, demorando-se na limpeza, assim como o faz com sua própria vida. Eu sinto pena. E culpa. Culpa por sentir pena. Internamente algo me repreende por sentir isso. Porém me alucina a situação. O grito, contudo, volta para dentro, lembrado de que a vida alheia diz respeito apenas a seu dono.
     Se perguntar minha opinião vou dizer. Mas ninguém pergunta. Ela não pergunta. E fica mastigando um chiclete sem gosto, por anos, por acomodação. Massa quase quebradiça, dá para saber que tem tempo determinado e ele já está chegando ao fim. Ela, contudo, adia o funeral. Tem medo de luto. Talvez não da morte, mas da perda em si. Do desamparo inicial. Acho que ela, tão cega pelo medo, esquece que o sol brilha depois da noite. Pobre alma. Eu gostaria de poder ajudar, mas quem sou eu? Também preciso de ajuda. Meus fantasmas são tão ou mais assustadores que os dela. Me calo. Observo o caminho buscando consolo. A gente não encontra muita coisa fora de nós. E eu me resigno.
     Ela comenta sobre os filhos. Adultos, às portas do altar com seus respectivos. Pelo amor de Deus! Eu tapo a boca com a imagem da minha mão. É egoísmo, pense nisso. A filha ameaçou com distância. E eu simplesmente quero me transformar num furacão e gritar minhas verdades escondidas. Estapearia a cara branca da moça, perguntando-lhe o que sabe sobre amor e concessões.  Sinto-me como pássaro em gaiola, sem poder cantar porque não é sua vez. Sou figurante numa peça não minha, mas queria poder ter fala, assim tiraria esse bolo do estômago.
     Após uma manobra rápida, – eu noto sua astúcia no volante, ela comentara outro dia sobre isso, sentia orgulho de si mesma – deixou-me no ponto de ônibus. Caía uma chuva fina, o céu estava tão nublado e tão cinza, que eu permaneci encantado, observando-o, por milésimos de segundo. Após, vi o carro verde, ele seguia por outro caminho. E era contrário ao do trabalho dela.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Breviário d’versos

Breviário d’versos

1.

quero a palavra disforme
análoga à forma das nuvens
prenúncio de coisas tardias
vazio sem nome –
             buraco negro a engolir estrelas.

quero o verso vazio
poesia de coisa nenhuma
silêncio em seu contrário
vazio sem nome –
             Sputnik a vagar no espaço.

quero o regresso à terra
o abraço do solo escuro
anúncio de coisas inúteis
vazio sem nome –
              Morte a engolir a vida.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Razão

Por que que eu brigaria por razão
se desarrazoados fazem lei?
já me sinto lesado e ficarei
pior caso me meta em confusão

Enquanto nesta corte os bobos são
coroados, um príncipe, outro rei
bradando contra o bando inda serei
condenado, tortura e escravidão

Melhor pro meu nariz deixar barato
cachorro grande, dizem, vejo um rato
alimentado além do que convém

Terra de cegos-reis, tu vês, agora?
Meu olho arrancarei, jogarei fora...
De medo e de preguiça eu digo amém.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

poema


flores no parapeito
do cárcere -
não,
não é nada.
ele só se arrepende




foto e poema : isaias

sábado, 1 de janeiro de 2011

sol de janeiro e ano inteiro

no acalanto de sua chegada
descobriu-me mulher
giro em sua órbita
provoca em mim estações
e desconhece-me esfera

causou-me amanheceres meridianos
as belas horas brilharam aqui
vogaram tanto e como que declinaram
no desespero de seu poente
ah, meu amor, minhas dúvidas!

seus lábios queimaram os meus
fizeram juras que não podem cumprir
não sou júpiter ou urano
nem sou saturno e em segredo
trago seu anel no polegar esquerdo

meus olhos devotei aos dias
que choram durante a noite
é madrugada agora
sinto a frieza da solidão
um medo tão meu

obedeço a ordem que impôs
apertam-me suas margens
privam-me do seu calor
tento esquecer o que foi
todas as manhãs.