terça-feira, 23 de novembro de 2010

Escuridão

imagem: Your forgiveness

Meus restos espalhados pelo chão, pode ser meu sangue, não sei. Sei que vejo tudo em vermelho. Posso estar ficando cega, talvez, ou não. É só uma luz. Mas não há mais luz, janelas lacradas. Apenas um resquício teimoso da luz da rua tentou entrar pela fresta da porta, mas consegui detê-lo. Pernas juntas demais, paradas. Um pé sobre o outro. Mãos muito secas. Quero arrancar os cabelos, que não têm vida alguma. Pudera, eu mesma não tenho. Não tenho ar, não tenho vontade de respirar. A TV ainda está ligada, mas fora do ar não sintoniza canal algum. Em transe, fico horas mirando as listras coloridas na tela. Meus sentidos vão caindo um a um, contra a minha vontade. Desafio esse estado vegetativo. É uma fobia de casa vazia, de janela aberta, e de tudo que não temo, só tenho medo da própria fobia. Remédios que dopam. Sem forças, sem nada. Existe um pacto com o fim, um mau agouro, é um dia ruim para sorrir, mas há tempos não o faço. Essa distorção da realidade me dá sono, mas o sono não vem. Não domino o peso de minhas pálpebras. Concentro forças que não tinha tentando levantar a cabeça, para guiar o corpo, e o corpo não quer se mover. Eu não quero me mexer. Mas não me obedeço. Não ouço os palpites do meu inconsciente. Não ouço nada com os ouvidos cheios d’àgua. Morder o canto da boca, a dor causa torpor, e o torpor dói. Ironias... uma fisgada forte entre os dedos, não assusta mais, há tanto que está comigo! É como um precipício, o parapeito de um edifício muito alto, sem anseios de me jogar. Razão de costas para a emoção, real e abstrato ligados. Loucura? Lucidez? Nada. Só madrugada escura e neblina densa. Dá imunidade contra a insanidade e legitima a dor. Sonhos?!? Não os tenho há anos. Planos, tão raros e loucos, que os mantenho escondidos na última gaveta do pensamento. Infalível como um canto de sereia, uma melodia fina me envolve, e arfo lentamente buscando uma anestesia que me faça adormecer. Desisto da hipnose da lua e justifico como falta de ar a dor que passa a esmorecer meu peito. Não sei o nome certo... não sei. Ela se faz presente, onipotente, todo o tempo, mesmo com a boca fechada, mesmo com ouvidos deixados para trás, e com narinas abrasadas, me retalha, e meus restos ficam por ai. É um escuro sem fim, é um fim sem querer. Diálise lenta a torturante madrugada adentro. Gota a gota, um sangue cinza, extraído de uma vida em preto e branco.
*** Também escrevo aqui e aqui ***

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