sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ensaio sobre...?


Quero as atribuições todas de uma vida de ócio de filosofia. Pois que meu cérebro se tem dissolvido em coisas múltiplas, se distraído com questões de superfície. Tenho ficado inteiramente absorta com assuntos exteriores, mas minha ansiedade afoga-me em águas densas e violentas. Sinto e sinto tanto! As dores que me navegam; como se suor fosse pouco, e sangue mais, porém menos, menos do que isto que escoa cujo nome desconheço. Milhares de aros me cobrem num corpo tão pequeno. E pelos ouvidos adoecem cada nota antes de serem interpretadas pela mente e serem motriz de alguma força esdrúxula, dessas que ricocheteiam nos dias de crise. Sou uma mulher velha em corpo de menina. Floresço e desfolho com a mesma velocidade e vitalidade das manhãs em dias cinzas. De forma moldada, porém sem essência, sem gosto, inacabada. Sou receita de cozinheira matreira, dessas que experimentam, encostam a ponta do dedo na panela quente e lambem para ter certeza de que o processo está vivendo. E os voos dados, todos claros, límpidos, quantos tantos e quase raros, escasseiam a cada ano, como se os aniversários fossem pilhas de tijolos quentes, endurecendo a estrutura com o passar do tempo.
E estou aqui, desempregada, desnutrida e com amnésia. De seios gastos e chinelas sem adornos, ansiando por ressurgir em outro ponto da historia, em alguma parábola antiga – chinesa ou indiana – cuja mistura de espiritualidade e filosofia transcendam o ser – este como verbo e não como estado. Porque a água já ferve há anos e o vapor de tão efêmero e longínquo causa-me bolhas grandes, inchadas, espalhadas em todo o corpo. É uma alergia, sim, acredito nisso. Talvez possa ser uma febre interna dessas que rebentam e sangram. O que não sei e o que penso saber – sou uma dúvida e um caminho sem volta, mas ainda tenho esperança. O que me faz desejar mais a vida do que a morte e mais a eternidade do que a existência. Os dedos arroxeados, os cabelos sem viço, os pés inquietos, o rosto contraído. Diga-me: há algo diferente do que vês? estas palavras são as gotas que param sob o vidro de uma janela trincada; o dia está fresco de chuva recente e a despeito de tudo você sorri como se a estiagem durasse dias.
Eu quereria ser homem neste corpo de mulher? Se pudesse levantar o dedo – primeiro tímida, depois obstinada – e me permitissem falar, eu recusaria, sim recusaria tudo o que me é dado em excesso. Porque sei o papel, conheço suas atribuições, e não saber o que se quer com exata noção de detalhes pode ser confundido com leviandade. Por causa de outras tolices me deram igualdade de acepções e conjugação, mas ter liberdade não é ser igual, é reconhecer que se é diferente. E não ser diminuído por isso, certamente. Porque estou certa que a guerra foi por causa disso, da diminuição de importância e não por causa da desigualdade, já que o contrário nunca existiu. Mal interpretar é pior que não interpretar nada, é beber um ácido em lugar de água e discorrer sobre a defesa do ato apesar de sua dor de agulha.
Não sei, mas tenho quase certeza – e talvez precise morrer para saber – que eu não nasci na época certa: nasci atrasada.
Foto FEMALE NUDE by Pierre-Paul Prud’hon, a French painter of romanticism style. (Image Courtesy Wikimedia Commons)
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Nota: Queridos amigos, informo que esta é minha última contribuição aqui no Manufatura. Foi uma honra publicar aqui todo dia 10.

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