Caminhou lentamente pelo longo corredor. Estava lívido, mas como era branco e fantasmagórico no dia-a-dia, ninguém se atentou para isso. Colegas de trabalho de um lado para o outro, equilibrando telefones, pilhas de papel nos braços, caixas, correria, barulho. Avistou o chefe através do vidro. Sentado, muito concentrado, em frente ao notebook, falava ao telefone. Não deu a batidinha usual, abriu a porta e o outro sequer teve tempo de esbravejar, como sempre o fizera, desde a chegada deste até sua demissão na semana anterior. Tanto tempo dedicado, horas extras, humilhações, tinha agora o olhar apavorado de um homem indefeso sob a mira do seu revólver. Saboreou aquele momento por milésimos de segundo. Agora ele é quem estava no comando. O tiro rasgou a testa do outro, o impacto o jogou para trás. O alívio não veio, contudo. Caminhou entre olhares assustados e vultos que agora corriam em pânico, sua mente, porém, pregava-lhe peças, podia jurar que todos riam, como sempre faziam, às escondidas, troçando de seu jeito de ogro desastrado. Desferiu outras balas à sua volta, não teve tempo de constatar se mais gente se machucara, na verdade não havia propósito naquilo tudo, as coisas aconteciam com tanta rapidez que ele nem podia se vangloriar. Foi demais para ele. Mudou de direção, acelerou o passo e voou pela janela, levando consigo uma chuva brilhante de estilhaços de seu corpo. Se o valor de uma vida era tão pouco ele não sabia, mas não poderia suportar mais. E foi pensando nisso até o chão, quando seu corpo se espatifou na calçada úmida, de uma São Paulo fria, caótica, que mal tinha tempo para entender o que acontecia.
Foto: Death of a Light Bulb
3 comentários:
Gosto desse tipo de texto, atual, contundente. Muito bom.
Realidade ou ficção? Podem escolher.
Muito bom Cris, parabéns!
Bjos!
Glauber, na verdade foi uma tentativa... eu que prefiro o abstrato e as metáforas... aí, segundona...correria, sabe como é? rsrs
Brigada, Joana, poetisa preferida!!!
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