terça-feira, 8 de junho de 2010
O mais repleto vago
Itaquera é longe feito as voltas no quarteirão que eu corria nas aulas de educação física na quinta série. Coisa mais desnecessária. Mas se eu vou em Itaquera às vezes, é porque algo me interessa. Fato! Fora meus interesses, outras coisas trago.
Eu poderia ter optado pelo trem. Mas neste dia escolhi ônibus e metrô. E também escolhi ao descer a escada rolante, dobrar à direita. Tudo fugindo aos meus inconscientes princípios. Eu sempre achei que trem tem mais poesia a me oferecer do que o metrô e que o lado esquerdo apresenta cenas mais interessantes que o direito. Minhas bobagens!
Embarquei no metrô e lembrei de novo da minha professora dizendo que era incoerente embarcar em qualquer coisa que não fosse barco. Quando não estou no meu carro, costumo pensar e lembrar mais. Da Corinthians-Itaquera ao Belém são nove estações. E foi em Artur Alvim que a poesia se revelou.
Uma moça de cabelos negros, relativamente curtos entrou no vagão e se acomodou de pé perto da porta, onde eu podia a observar de frente.
O metrô começou a andar e no mesmo momento, a moça fez sinais surdos-mudos. A princípio, pensei que ela estivesse se comunicando com alguns amigos, mas ela estava sozinha. Não dei muita importância.
Na próxima parada, a cena se repetiu exatamente no mesmo momento de partida do trem. Aquilo, despertou a minha curiosidade.
Em toda partida ela coreografava os seus sinais surdos-mudos absolutamente sozinha. Os mesmos sinais. Durante mais duas estações eu tentei entender o que ela queria dizer. Mas era tão bonito que eu descartei a mensagem e comecei a supor. Sabe aquelas pessoas que cantam e dançam sozinhas pela rua? Pois é! Tive a certeza de ter a sorte de encontrar uma pessoa surda-muda que cantava e dançava sozinha pela rua. Depois, procurei câmeras pelo vagão. Poderia ser alguma cena de um curta ou de um longa mesmo. Era tão sensível! Não achei câmera alguma e resolvi apelar ao olhar incisivo.
Encarei de maneira que a mim seria incômoda, demonstrando em meu olhar toda a curiosidade e respeito ao diferente. Ela nem se abalou. O que mudou é que ela coreografava agora me fitando. A mesma dança! Sou capaz de repetir os movimentos que pude assistir por sete estações.
Não havia dúvida que ela era feliz. Que o fato de não falar e não ouvir não a impedia de escutar a música da metrópole e cantar em seus gestos. E não havia dúvida que ela me encheu de vida voltando de Itaquera. Eu ia descer no Belém e já tinha ensaiado parte da dança pra retribuir a ela um pouco do encanto. Mas ela desceu na mesma estação.
E eu retardei meus passos me fingindo de perdida na estação, apenas para ficar atrás observando um pouco mais. Ela continuou a dança pela escada rolante. E eu logo atrás sorrindo discreto. Caminhando lentamente é claro, porque poesia assim de métrica perfeita é raro encontrar.
Logo ela acenou para um rapaz que estava à sua espera. Trocaram afagos , beijos e palavras para meu espanto. Eu não podia ficar parada e esbocei ir à bilheteria só para tentar entender o mistério. Não tinha mais como postergar ficar ali observando o casal. Estava sendo mais constrangedor pra mim do que pra eles. Comecei a andar devagar e olhar para trás. Eles caminhavam para o mesmo lado que eu. Ela não dançava mais. Desci a escada rolante e parei em qualquer camelô para que eles tomassem a frente novamente. Ela não dançava mais.
Eu tinha que virar à esquerda. Eles seguiram no rumo contrário do meu inconsciente. Por um instante pensei em correr , questionar, esclarecer, agradecer... Mas era muito verbo!
Sob olhos curiosos, executei na esquina um trecho da dança que aprendi. Ela não olhou pra trás. Ela não ouviu o quanto eu a amei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário