Não existem obstáculos que impeçam o amor de surgir.
Eles se viam todo dia. Seus olhares eram a ponte que os unia. Seus sorrisos eram pinturas de um amor espontâneo. Seus olhos permitiam, a cada um, preencher-se no mais íntimo um do outro. Sempre nos mesmos horários. Após acordarem; antes do almoço; antes e após assistirem a série preferida deles; no fim do lanche da tarde; após a janta e antes de dormir, já com as estrelas no céu e a lua clareando a noite (por sinal, o horário preferido de ambos).
Nesses momentos sempre conseguiam ficar frente a frente. Mesmo a uma pouca distância, eles encontravam uma felicidade jamais sentida em toda a vida deles; uma sensação de alegria transcendental, nunca vivida na amplitude das sensações anteriores, aos quais eles, naturalmente, estavam à mercê. Encontram nessa nova maneira de viver, uma fonte prazerosa de amor. Amavam-se plenamente.
Viviam separados, mas na essência juntos. Fitavam-se e, apenas nesse ato simplório, sentiam-se capazes de compartilhar as mais tenras e doces declarações. Era fantástico o tamanho entendimento que tinham sobre cada um. Simplesmente encantador aquela ternura que se findava em seus encontros distantes. Os momentos em que uniam seus olhos eram os que mais davam razão à suas vidas.
Tudo que aparentemente os impedia de viver já não importava. Viver era uma realidade visível. Tudo parecia valer a pena. Essa paz grandiosa que se firmava entre suas almas bordava um amor imensurável, de rara beleza. Como se a doçura envolta compusesse melodias únicas, embalando as horas em que se amavam com o olhar. Tudo era minimamente encantador. O resvalo no ar só escondia um amor puro, difícil de ser visto hoje em dia.
Ele num prédio. Ela, noutro. Ambos tetraplégicos. Ambos mudos. Ambos se viam apenas pelas janelas, a uma distância de alguns metros. E nos raros momentos em que suas mães os colocavam de frente para a janela, para admirarem o mundo lá fora e respirar ar puro, eram os minutos mais felizes de suas vidas. E assim amavam-se, pela distância curta que suas residências tinham uma da outra; pela janela, que abria as portas de um amor que jamais alguém imaginou, mas surgiu.
Muito mais do que qualquer coisa, eram pelos olhos, as janelas das suas almas, que ambos verdadeiramente se presenteavam e adentravam no mais íntimo da cada um. E assim descobriram-se, numa das mais ternas e emocionantes intervenções do amor de Deus. E assim encontravam-se todo dia, com a intenção singela de se amarem e serem felizes. Para os dois, nem todos os obstáculos que a nova vida lhes oferecia era capaz de impedir essa magia que encontraram um no outro. Tudo parecia possível e pequeno quando seus olhos se encontravam.
Jamais deixaram de ser ver, desde que descobriram o amor um no outro. Porém, houve um dia em que, curiosamente, ele não a viu do outro lado da janela. Isso o atormentou muito. E para alguém que não podia esboçar ou fazer qualquer gesto, nem falar, era imensamente frustrante (e doloroso). Mas antes que seus olhos derramassem lágrimas, sua mãe entrou no quarto. “Filho, adivinha quem veio te visitar?” E com um leve aceno no rosto, sua mãe confirmou. “Ela!” Seus olhos brilharam e, com uma das poucas coisas que ele sabia fazer de melhor, ele sorriu o sorriso mais bonito da sua vida. E não era preciso traduzir mais nada do que ele sentia. Mais nada...