segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dezembro











é tempo de dar-se

em alma e

oferenda pois

o outro é o teu

semelhante

abre as portas da

alma

destranca dela

as

janelas

finda o ano em tons

suaves de aquarela

inunda o coração em risos e

alegrias

para que o próximo tempo

traga-te

fartura e não amarguras

para que o olhar do outro

presenteie-te em carinhos

e que os

teus olhos sejam

um infinito espaço de

recepção e aconchego

que este dezembro

ilumine-se em

POESIA

a ti e aos

teus

!


- Graça Carpes -

sábado, 25 de dezembro de 2010

Amor mudo



Não existem obstáculos que impeçam o amor de surgir.


Eles se viam todo dia. Seus olhares eram a ponte que os unia. Seus sorrisos eram pinturas de um amor espontâneo. Seus olhos permitiam, a cada um, preencher-se no mais íntimo um do outro. Sempre nos mesmos horários. Após acordarem; antes do almoço; antes e após assistirem a série preferida deles; no fim do lanche da tarde; após a janta e antes de dormir, já com as estrelas no céu e a lua clareando a noite (por sinal, o horário preferido de ambos).

Nesses momentos sempre conseguiam ficar frente a frente. Mesmo a uma pouca distância, eles encontravam uma felicidade jamais sentida em toda a vida deles; uma sensação de alegria transcendental, nunca vivida na amplitude das sensações anteriores, aos quais eles, naturalmente, estavam à mercê. Encontram nessa nova maneira de viver, uma fonte prazerosa de amor. Amavam-se plenamente.

Viviam separados, mas na essência juntos. Fitavam-se e, apenas nesse ato simplório, sentiam-se capazes de compartilhar as mais tenras e doces declarações. Era fantástico o tamanho entendimento que tinham sobre cada um. Simplesmente encantador aquela ternura que se findava em seus encontros distantes. Os momentos em que uniam seus olhos eram os que mais davam razão à suas vidas.

Tudo que aparentemente os impedia de viver já não importava. Viver era uma realidade visível. Tudo parecia valer a pena. Essa paz grandiosa que se firmava entre suas almas bordava um amor imensurável, de rara beleza. Como se a doçura envolta compusesse melodias únicas, embalando as horas em que se amavam com o olhar. Tudo era minimamente encantador. O resvalo no ar só escondia um amor puro, difícil de ser visto hoje em dia.

Ele num prédio. Ela, noutro. Ambos tetraplégicos. Ambos mudos. Ambos se viam apenas pelas janelas, a uma distância de alguns metros. E nos raros momentos em que suas mães os colocavam de frente para a janela, para admirarem o mundo lá fora e respirar ar puro, eram os minutos mais felizes de suas vidas. E assim amavam-se, pela distância curta que suas residências tinham uma da outra; pela janela, que abria as portas de um amor que jamais alguém imaginou, mas surgiu.

Muito mais do que qualquer coisa, eram pelos olhos, as janelas das suas almas, que ambos verdadeiramente se presenteavam e adentravam no mais íntimo da cada um. E assim descobriram-se, numa das mais ternas e emocionantes intervenções do amor de Deus. E assim encontravam-se todo dia, com a intenção singela de se amarem e serem felizes. Para os dois, nem todos os obstáculos que a nova vida lhes oferecia era capaz de impedir essa magia que encontraram um no outro. Tudo parecia possível e pequeno quando seus olhos se encontravam.

Jamais deixaram de ser ver, desde que descobriram o amor um no outro. Porém, houve um dia em que, curiosamente, ele não a viu do outro lado da janela. Isso o atormentou muito. E para alguém que não podia esboçar ou fazer qualquer gesto, nem falar, era imensamente frustrante (e doloroso). Mas antes que seus olhos derramassem lágrimas, sua mãe entrou no quarto. “Filho, adivinha quem veio te visitar?” E com um leve aceno no rosto, sua mãe confirmou. “Ela!” Seus olhos brilharam e, com uma das poucas coisas que ele sabia fazer de melhor, ele sorriu o sorriso mais bonito da sua vida. E não era preciso traduzir mais nada do que ele sentia. Mais nada...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

caranguejo - foto rafael nolli


    XXXVII
   10/02/03

O Poema agoniza. Repleto de chagas, suspira pesado um denso ar tuberculoso. Tenso, o olhar vaga pela gare: mas não horizonte sobre o corpo dos prédios. Legado a vida [sub]urbana, o Poema intoxicou-se com os monóxidos de carbono e com o veneno de sua própria entranha cavernosaveneno que estava hibernando enquanto o amor ainda era uma possibilidade.
Dói-lhe o peito arfante. O coração emudecido traqueja. Onde estão os poetas para revigorá-lo? Ou os médicos com suas formas módicas de curar?
(Os poetas morreram carbonizados pelo brilho de um século que anunciava, profeticamente, uma chegada grandiosa – no entanto advertia de antemão: seria, antes de mais nada, destruidor! Os médicos se esquivam: o Poema não tem plano particular...)
O Poema geme, um cheiro atômico o nauseia; um brilho nuclear ofusca-o... Pela sua mente turva, bailam as últimas homenagens recebidas: antologias patéticas, seletas escatalógicas, patologias poéticas...
Tomando mão de suas últimas forças, o Poema se arrasta. Parte em busca de paz, em busca de uma distante aurora despetalada, longínqua. (Impossível?)
E, no rastro de sangue deixado pelo seu mórbido corpo moribundo, alimenta-se um rabugento gato preto com suculentas lambidas lascivas...




* do livro Memórias à Beira de um Estopim

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Conto do Ipê Amarelo

Berenice andava cabisbaixa. Era outono e as folhas das árvores caiam. Ela não gostava dessa estação... em geral era no outono que as coisas mais tristes de sua vida tinham acontecido. Perdera parentes, perdera amigos, perdera amores. Sempre no outono. Ela não entendia o por quê, mas o fato era que no outono sempre lhe acontecia algo triste. Então ela caminhava devagar para sua casa, quando, ao passar por uma rua que era cheia de ipês por todos os lados, algo lhe chamou a atenção. Ela viu uma pessoa (seria mesmo uma pessoa???) diferente. Diferente era pouco, era uma pessoa mágica. Ela viu aquele ser e não conseguiu se lembrar de como continuar andando, nem para onde deveria ir se conseguisse sair dali. O coração sorriu em seu peito. E sem que ela esperasse, ele a olhou. E foi assim, olhos nos olhos, que se conheceram, conversaram... e toda a história pode ser resumida em um grande amor. Um grande amor que começou no outono, contrariando tudo o que já houvera em sua vida. Bernardo, ele se chamava Bernardo. E não é que até seus nomes combinavam? Berenice não podia acreditar. Estava feliz. E ainda era outono. Eles passaram a estação toda juntos, caminhavam diariamente sob os Ipês-amarelos daquela mesma rua em que se conheceram, enquanto as folhas das árvores caiam sobre eles, como que coroando aquela união. Se amaram ininterruptamente, por meses, até que chegou a primavera. E não deveria ser assim, pois a primavera para Berenice era uma época de alegrias, mas Bernardo olhou no fundo de seus olhos e disse que não podia mais continuar, que ele não sabia mais o que estavam fazendo juntos e que aquele romance não fazia mais sentido. Berenice ouviu. Berenice aquiesceu. Calou. Chorou. O que mais ela poderia fazer? Não disse palavra, apenas olhou... e Bernardo ia longe, caminhava, tranquilo, como se tivesse acabado de puxar um band-aid de um machucado e a dor já tivesse passado. Ele caminhava, caminhava... e a cada passo ficava mais longe... e Berenice apenas olhava seu amor mitológico partindo, para sempre... e o nada...
Enquanto Berenice fitava atônita o fim de seu romance, começaram a cair as pequenas flores amarelas dos Ipês, formando uma aura dourada ao seu redor. Era primavera.





PS1: este conto foi publicado pela Câmara Brasileira dos Jovens Escritores na Antologia de Contos de Outono, em abril, e agora foi escolhido como um dos melhores contos do ano, por isso, achei válido publicá-lo aqui.

PS2: obrigada aos que me acompanham e um Feliz Natal à todos!










segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Touché!


— Está doente de quê? ele perguntou.
— Da alma, respondeu.
— Impossível! Você não acredita em alma!
— Nem ela acredita em mim...



Márcia Maia

domingo, 19 de dezembro de 2010

das coisas que acontecem

veio e me disse,
do alto de seu ego

que eu era o prego
do seu sapato

pois bem eu lhe digo
que um prego fora da sola
serve ainda para muita coisa!

e o sapato,
continua sapato.....


(Colegas Manufatores: Obrigada por mais um ano de companhia e carinho, vocês são incríveis! Adorei encontrá-los em outros espaços virtuais -e reais-, obrigada pela força que vocês deram na divulgação do lançamento do meu 3° livro, muack muack! Amo-lhes com alho...)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Admirador secreto

Pensou em arriscar-se contando
mas ficou em dúvida

se mais vale um não na cara
ou um talvez voando

sábado, 11 de dezembro de 2010

Som da palavra



Tem som divino
instiga o povo
compõe sermões
fala pelos ladrilhos
ou simplesmente aquieta
se fecha atras da porta, abrindo janelas
na mente, na alma, no céu escuro da noite
solta palavras quentes como açoite
que batem nas costas e queimam na alma
por ela
a mortal língua que nunca cala
se prende ou solta
sanguinária
atirando
mirando no nada
e às vezes
acertando o tudo
subindo pelo túnel
transpassando o abismo
e voltando a ser
menino
ouvindo o som do começo
o verbo que sibila em labaredas de energias
inimagináveis
tão fortes
tão frágeis
passeando pelos caminhos
como possuísse algo nos pés
nova face em cada era
mas reconhecidos
por olhares
risos
passos
intensidades
provocando-nos
viradas de cabeça
ao ouvir a simples palavra

POETA

Joakim Antonio

Foto: estátua de Ferdusi 

domingo, 5 de dezembro de 2010

Dependência

porque tudo em mim
depende do ido
depende de sim

porque tudo em mim
mais eco ruído
me sobra aos ouvidos

porque me depende
no tempo e no espaço
porque vida em frente
no vento e no braço
porque sou semente
daquilo que nasço

dependo de tudo
e tudo por fim
também dependente
de muito de mim

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fuga (para Wassily Kandinsky)

























resvala na sequência
dos sons que embatem
à imagens verbais
prestes a se calar
diante da sodomia
que recolhe a venta
e respira para morrer

entrega-se ao bugre
ao cheiro de terra
entranhas ancestrais
evocadas pela vilania
que travam-se abstratas
em seu olho absurdo
que irrompe a linha
de colisão.

sábado, 27 de novembro de 2010

lágrimas












triste


a


cidade


despe-se


bélica


ao


pôr do sol


(


nem Rio


nem


mar de


Janeiro


)




- Graça Carpes -





quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Impiedoso poema felino



Quando os gatos se acabam debaixo da roda dos carros,
ou se matam na boca de cães domésticos
– !equilibristas insanos de muros de quintais! –
eu me nego a dormir em paz.

Não por amá-los,
pois desde sempre os odiei
com seus roucos miados boêmios:
insuportável ruído noturno perante o canto dos grilos
e dos galos,
diante do pio das corujas
e o alarme dos carros arrombados.

Não por compadecer de sua extinção.
Lamento, antes, o som de grandes vira-latas
feito saco de ossos e merda espalhados no asfalto
(quando se pode somar à suas tripas e pêlos
uma boa dose de urina ou ódio
e nada alterar em sua desgraça).

Quando os gatos aniquilam-se
em pedaços de carne envenenada,
jogadas por sobre o muro ou deixadas na sarjeta,
eu me sinto diferente de quando
as últimas aves se desfazem nos pára-brisas dos ônibus,
ou de quando o gado confinado
se esquece de sua natureza
e pensa a si mesmo como mais um dos postes da cerca.

Não por prezar-me da sina dos gatos,
pois antes de tudo amaldiçôo-os categoricamente –
esquecido do bom senso, dos modos ou da etiqueta.

Não por indignar-me de restar a eles,
e a sua classe, a corda-bamba dos muros:
por ideologia sempre acreditei ser o mundo dos homens
e de seus fantasmas,
dividido em partes iguais aos primeiros citados.

Quando os gatos são substituídos por seres genéricos,
animais exóticos ou bichinhos de pelúcia,
que não trazem mentira, asma ou alergia ao lar,
eu me nego a dormir em paz.

Não por estar a par dos últimos avanços da medicina,
das técnicas homeopáticas, dos tratamentos alternativos,
das UTIs e do xamanismo em última instância,
mas por saber o restante intratável.

Na noite em que os gatos são subjugados pelas ratazanas
e seus corpos devorados em belos ensopados,
ou servidos em noites de gala em espetinhos de bambu,
nas noites em que crianças amarram bombinhas em seus rabos,
ou os lança aos fios de alta tensão para ver os fogos,
eu me nego a dormir em paz...

Porém, eu durmo.



* do livro Comerciais de Metralhadora

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Escuridão

imagem: Your forgiveness

Meus restos espalhados pelo chão, pode ser meu sangue, não sei. Sei que vejo tudo em vermelho. Posso estar ficando cega, talvez, ou não. É só uma luz. Mas não há mais luz, janelas lacradas. Apenas um resquício teimoso da luz da rua tentou entrar pela fresta da porta, mas consegui detê-lo. Pernas juntas demais, paradas. Um pé sobre o outro. Mãos muito secas. Quero arrancar os cabelos, que não têm vida alguma. Pudera, eu mesma não tenho. Não tenho ar, não tenho vontade de respirar. A TV ainda está ligada, mas fora do ar não sintoniza canal algum. Em transe, fico horas mirando as listras coloridas na tela. Meus sentidos vão caindo um a um, contra a minha vontade. Desafio esse estado vegetativo. É uma fobia de casa vazia, de janela aberta, e de tudo que não temo, só tenho medo da própria fobia. Remédios que dopam. Sem forças, sem nada. Existe um pacto com o fim, um mau agouro, é um dia ruim para sorrir, mas há tempos não o faço. Essa distorção da realidade me dá sono, mas o sono não vem. Não domino o peso de minhas pálpebras. Concentro forças que não tinha tentando levantar a cabeça, para guiar o corpo, e o corpo não quer se mover. Eu não quero me mexer. Mas não me obedeço. Não ouço os palpites do meu inconsciente. Não ouço nada com os ouvidos cheios d’àgua. Morder o canto da boca, a dor causa torpor, e o torpor dói. Ironias... uma fisgada forte entre os dedos, não assusta mais, há tanto que está comigo! É como um precipício, o parapeito de um edifício muito alto, sem anseios de me jogar. Razão de costas para a emoção, real e abstrato ligados. Loucura? Lucidez? Nada. Só madrugada escura e neblina densa. Dá imunidade contra a insanidade e legitima a dor. Sonhos?!? Não os tenho há anos. Planos, tão raros e loucos, que os mantenho escondidos na última gaveta do pensamento. Infalível como um canto de sereia, uma melodia fina me envolve, e arfo lentamente buscando uma anestesia que me faça adormecer. Desisto da hipnose da lua e justifico como falta de ar a dor que passa a esmorecer meu peito. Não sei o nome certo... não sei. Ela se faz presente, onipotente, todo o tempo, mesmo com a boca fechada, mesmo com ouvidos deixados para trás, e com narinas abrasadas, me retalha, e meus restos ficam por ai. É um escuro sem fim, é um fim sem querer. Diálise lenta a torturante madrugada adentro. Gota a gota, um sangue cinza, extraído de uma vida em preto e branco.
*** Também escrevo aqui e aqui ***

sábado, 20 de novembro de 2010

Um mundo perfeito


Árvores sempre verdes. Repletas de flores e frutos. Eterna primavera. Quase verão. Sem inverno. Todos saudáveis e belos. Jovens e ricos. Sem exceção. Aboliu-se doenças e lágrimas. Mesmo as de alegria. Baniu-se a morte e a paixão. Aos poucos, todas as emoções foram sendo esquecidas. E a paz se instalou nesse mundo perfeito. Onde se vivia a salvo da vida. Sem amor. Sem dor. Sem morte. Sem paixão. Sem partidas. Sem medo. E todos foram mediocremente felizes. Para sempre.



Márcia Maia

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Have a Nietzsche Day

-Olá, bom dia.
-Só se for pra você.
-Quero um café sem moral e um pão de queijo de verdade subjetiva. Bem mentiroso, se tiver.
-Sinto muito, senhor, só tenho sonhos de luxúria.
-Ah, pode ser. Deus não existe mesmo.
-Discordo, mas enfim. São 3 Reais.
-Pague você. Cada homem depende de si mesmo.
-Desculpe, senhor, mas não tenho troco pra nihilismo.
-Mas...aqui não é a padaria do Nietzsche?
-É sim, mas sabe como é, a globalização. A comida é dele, a loja é do Heidegger, mas quem cuida da grana é o Husserl.
-Tinha que ser judeu.
-Antes judeu que existencialista.
-Não entendi.
-Não é pra entender. Pague e dê o fora. Antes que eu chame os positivistas.
-Ei, calma lá, tô saindo.
-É cada um que me aparece!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

sábado, 13 de novembro de 2010

desaforismo 9 - Do amor platônico

.
o amor platônico é sempre verdadeiro,
até (ou principalmente) quando não é.

  .

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Salgueiro-chorão

Um tanto inseguro

curvava-se, desiludido

diante dos menores desafios


Enraizado em apatia,

quanto mais ele crescia,

mais perto ficava do chão



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Traços



Linhas temporais
pedaços marcados
passos vividos
desenhos tatuados

No espírito, sob
Na pele, sobre

Imagens difusas
cenas antigas
cidades novas
plateias repetidas

Caminho torto, certo
Atalho incerto, reto

Jogos de guerra
migalhas no caminho
batalhas perdidas
labirintos vencidos

Rugas de choro, por
Vincos de sorriso, para

Traçando histórias
destinos traçados
traços perfeitos
contornos tracejados

Vivendo, traçadas linhas
Fazendo, delineados traços

Joakim Antonio

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

conto vaginal

Minha provável simpatia com o nada mantém meus lábios murchos, neste corpo cuja capacidade de se estimular já foi perdida. Ultimamente os rijos membros que em mim adentram já não causam assombro algum, este mesmo que se faz necessário para que de fato eu me interesse. Formas diferentes, tamanhos variados e minha insatisfação equipara-se à monotonia do momento, uma reunião formal em que o encontro se dá por convocação e não convite.

Embuste. Uma arte tão sórdida e tão ácida que me arrepia, mas se somente isso me excita, creio que sou o mais sádico e preguiçoso dos órgãos, pois talvez meus dois únicos desejos sejam o vislumbre do desapontamento – duas burcas negras, perdidas num céu obscuro, a velar minhas reações à distância enquanto a língua procura desesperadamente umedecer um cáustico deserto –  e um banho morno, depois de fugir deste embaraçoso momento.

Pêlos finos ou grossos, todos se mostram bastante interessados quando me veem adornada com enfeites, mas a verdade é que não me lembro o que fazer quando despida. Enrugo-me e fico tímida, a ponto de me ocultar por detrás das carnes e o que sobra é uma luta, sim, uma batalha, tentativa sôfrega de reanimar um corpo morto.

Ultimamente meus deleites têm sido coisas de velhinhas e suas maquinarias perfeitas, observando os namorados na rua. Contudo, escondida, me enlevo com outro tipo de manipulação. Não sei se os paus antes comiserados de meus amigos andam fugindo em surdina, como ladrão que desiste do roubo, mas a verdade é que não ligo. Me entrego ao alcool e à insatisfação e fumo um cigarro doce, cujo aroma é mais saboroso do que qualquer coisa viscosa descendo a garganta.

Viro pro lado e nem peço para fecharem a porta, pois já o sabem. O amargor que lhes fica na boca é como veneno, amarra. Devem ir lavar-se, já imaginei, pois são leves como plumas depois de uma tempestade de necessidades. E eu fico morta, olhos semi-cerrados, a ver a parede do meu quarto que pede, há meses, um novo reboco.

domingo, 7 de novembro de 2010

Canção de ninar a menina rosa e flor




para Ana Izaura

vem me ninar, amor;
com teu calor que sei
ter o ardor de quem
se abre feito flor.

Vem, menina, na dor
que sempre me detém
quando estou tão só.

Vem me ninar, meu bem;
com uma canção de cor
que vem além do ser
em seu refrão de amor.

Vem, menina em flor,
sorriso sem igual
fazer um vendaval
neste meu coração.

sábado, 6 de novembro de 2010

Poëta fit

Nasci poeta nada, mas me faço
De fácil para ser predicativo
Bem antes desse verso, nasci vivo
Um bípede sem pena nem compasso

Poemas se cometem, eu permito
Que um rito faça parte desse fato
Mas nato não sou nada, nem me mato
No meio das palavras, dentre o dito

Nasci sem vez nem vício, analfabeto
Bebê, não soube código secreto
Sem voz nem compromisso co destino

E nem foi prumo, plano, minha meta
e nem concebo pronto: ser poeta
por força de algum gene, dom divino.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ampulheta cega






















Grãos na cintura passam cálidos
Ah, hora, é fissura no furo da proa
Idolatra Argos e hinos vãos, entoa
Crê, mesmo tendo olhos inválidos

Nunca lambeste o tempo em estado,
Ah, areia, é volátil, pelo centro escoa
Impunemente, a pária lasciva ecoa,
Como milhões de pingos sem reinado,

À primeira vista se apresenta formosa,
Naquela luta do não esvair-se pela greta,
Ao fazer-se livre, alforriada, jaz saudosa

Cada minuto manco traz uma muleta,
A jura presa em promessa duvidosa
Que fere, mata nessa imutável roleta.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Reflexão Dela












concluiu

os

cabelos

com Wella

siliconou

as

ideias depois

cortou

os

pulsos toda

bela

!


- Graça Carpes -


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Teu Nome



O proclamo do silêncio
Revigora o sangue interior
O Teu Nome que eu chamo
É a cura da minha dor

Na união com a minha pele
Eu me faço um clamor
Na libertação da minha fé
É o Teu Nome que dá amor

Na dificuldade dos anseios
Eu recaio em torpor
Mas tua força me suporta
O Teu Nome é libertador

Na glória da sabedoria
A alma busca o crescimento
Um elemento imprescindível
O Teu Nome é o meu sustento

domingo, 24 de outubro de 2010

do livro comerciais de metralhadora


...


Faço para ti um colar de cobra coral

Orno teus pés com chocalhos de cascavel


tua foto sorri no sorriso da boca do sapo

Oferto teu boneco de vodu às pás do arado


(revivo tuas cicatrizes de criança

reescrevendo o idioma de sua dor)


Selo um verso para ti com a brasa de meu cigarro:

um buraco é o teu ponto final