quinta-feira, 24 de julho de 2008

Hiperbóreos


tela de Peter Max



Quisera que além das fronteiras
houvesse um outro mundo,
encravado debaixo desse mesmo céu –

onde homens como eu,
retirados do mesmo fosso,
tivessem aquilo que nos falta.

Por detrás de suas portas
tudo não fosse previsível e amargo:
a lida não exigiria o coração dos filhos,
o prazer da mulher anulado até segunda ordem,
as horas fraternas adiadas
para outro data, em outro lugar.

O dia, para acontecer, não necessitaria
mastigar a ponta de seus dedos
– beber o suco de sua imaginação
– minar o combustível de seus sonhos.

O dia, para funcionar, não exigiria
uma nova geografia nos rostos,
(uma imensa ferida aberta)
– o riso e o bocejo aniquilados
– o nome perdido em meio aos escombros da face
resistindo mumificado na foto do crachá.

Quisera que dobrando a linha próxima
houvesse uma outra terra,
mera continuidade dessa que por ora piso –

onde a lei não exigisse uma
travessia diária com o sol posto nas costas
afim de aquecer a piscina e corar as senhoras
de boa educação.

A ordem não obrigasse uma
rigidez marcial ao espetarem a lua no céu,
mantê-la acessa na janela das nights clubs
e pratear os passos de dança no gran hall.

Onde um decreto não impusesse
a manutenção e a conservação das estrelas
para acalentar o sonho dos pequenos
e ilustrar o triunfo dos bons moços.

Quisera que debaixo de seus tetos
houvesse mais que um fiapo de descanso
velado por um cão
ou um outro alarme estúpido qualquer –

que vencendo o limite adiante
existisse uma outra região,
habitada por homens como eu,
organizados num mesmo caldeirão –

onde os filmes de Chaplin
não fossem meros passatempos cômicos

e Chapolin Colorado não estivesse
lutando contra um demônio fictício.

Não fosse necessário afiar os dentes, as unhas,
sair de casa com uma faca no bolso da calça –

sem um dicionário de ódio no criado mudo
seria possível despertar, ir ao supermercado.

Quisera que após o perímetro adiante
houvesse um outro mundo,
situado no fim da rua que por aqui passa –

habitado por homens como eu.




* Poema inédito.

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