terça-feira, 27 de julho de 2010

Assalto









assaltaram

pela madrugada

a

felicidade

levaram fatias de

lua

a

entrega dos corpos

a

respiração

conjunta e

o

sol da

manhã

levaram

!


- Graça Carpes -



domingo, 25 de julho de 2010

Quando a saudade vem




Há em todos os momentos aquela brusca sensação de saudade, do sentir que se foi, mas se gravou. Vem-me à tona ilustres imagens do que vi, vivi e senti. Assim com isso a vida enche-me de saudade, me entorpece com aquele frescor de manhã, e me envolve com uma perene sensação cálida e boa. A saudade bate à minha porta trazendo consigo as mais tenras lembranças e as experiências mais marcantes de tudo o que presenciei. São momentos isolados, marcados para sempre e enraizados no coração. São registros de grandes desafios, de erros suprimidos, acertos contemplados, sentimentos reprimidos, aprendizados absorvidos, amizades conquistadas e dores sentidas.

Então, há saudade daquele olhar fascinado diante de uma fascinante multidão, e do sincero sorriso em resposta à gratidão. Está nos brilhos dos olhos dos amigos, na certeza de que pra todo e sempre haverá uma cumplicidade. Saudade sempre do tempo em que vivi junto, seja no ontem ou no hoje, ou então da solidão que me é útil. Essa falta que me faz, todo esse vapor pulsante que me abre os olhos, me carrega a sonhos inexplorados, abrange minha capacidade e me eleva em sensações jamais mensuradas. A saudade se finca no meu coração, e nesse reduto se faz presente e se mostra em mil faces. É revelado a mim os segundos que se passam lentamente.

Ela vem e me mostra o quanto ainda sinto falta daquele tempo antigo, que cheirava a flor do campo, daquele tempo que valia um sentimento real e verdadeiro, que as pessoas se conheciam e que o romantismo era um vício saudável. Sinto falta do obrigado, do beijo, daquele abraço confortado e de toda geração que cantava músicas de verdade. Sinto falta do que hoje está tão fora de moda: do amor. Sinto essa falta anunciada nas minhas lágrimas, de emoção. Como sinto falta do olhar sincero e puro de cumprimento... Saudade do apelo, do choro, do aperto de mão, da luz das estrelas, da ingenuidade da criança.

A saudade me transporta até aqueles momentos que por mais curtos que sejam se tornam eternos. Soa em minha mente sinfonias de um bem e de uma energia positiva. Fixo-me nessas linhas, perfumo o lugar e começo a voar. Quando a saudade vem, tudo se anexa, se encaixa e se mexe. É aquela luz no fim do horizonte, é aquela no fim do arco-íris. Quando há saudade, eu apenas durmo e acordo em sonhos já vividos, para sentir novamente aquela sensação alegre, de muita felicidade. Porque mesmo que não volte, cada momento está vivo na minha memória.

Se a saudade vem, é porque eu amo.

sábado, 24 de julho de 2010

A Cidade Vazia


Para Betina Ribeiro Rodrigues da Cunha


arte Hugo Martins



Nada se sabe sobre essa cidade vazia.
Para onde foram os seus não há pista.
Nenhum detetive seria capaz de descobrir,
nenhuma cartomante poderia ajudar.

O semáforo sorteia o verde e o apresenta,
carro algum se disponibiliza a avançar –
estúpido, só o faz mediante chicotadas.
O letreiro luminoso oferece sanduíche,

ninguém para matar a fome ou a sede –
que seja através do saque, às claras:
as portas abertas convidam ao crime,
o cofre bojudo dorme um sono pesado.

Seria um flautista arrebanhando gente,
ou uma promessa de vida melhor adiante?
Pista alguma se encontra que as comprove.
A cidade é a mesma de ontem. E não o é.

O Silêncio que nunca andou por essas ruas,
a Paz que ainda não havia se mostrado,
a Tranqüilidade definitivamente alforriada
são os únicos que por aqui restaram.

Um gás letal terá pegado todos de surpresa
enquanto dormiam ou escovavam os dentes?
Um deus vingativo terá vindo puni-los
pelos séculos de luxúria e lassidão?

Sol e chuva por fim vencerão a luta, come-
rão a parede das casas e a pele do asfalto...
A barragem saciada se romperá
afogando os prédios, soterrando os bairros...

São conjecturas apenas.
Nada se sabe sobre essa cidade vazia.


arte Hugo Martins

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Forest


*** para ler ouvindo Forest - System of a down ***

- Corra Athena! Corra!!!
Essa foi a última coisa que Athena conseguiu ouvir. Ela correu mais rápido do que jamais imaginara poder correr. Defendia sua vida naquela corrida. Tinha que correr, tinha que fazer seu corpo resistir ao cansaço que já ameaçava aparecer. Ela forçava os pulmões para respirar, mas o ar já não vinha. Athena correu sem olhar para trás. E, como num filme de terror, quando ela achava que ia conseguir, caiu. Ela caiu e perdeu alguns segundos preciosos até conseguir se levantar e voltar a correr. As pernas não obedeciam, queriam descanso. A cabeça doía e os olhos estavam turvos. Falta de ar. Dor. Mas ela olhava sempre à frente e repetia mentalmente aquelas palavras: “Corra Athena! Corra!”. Tinha que resistir, se não fosse por si mesma, mas pelas pessoas que a libertaram. Tinha que conseguir chegar o mais longe possível daquele lugar, e deixar lá toda a dor e todo o sofrimento que vivera. Tinha que correr. Já conseguia ver o sol por entre as árvores, devia estar chegando ao final da floresta. Seus cabelos já estavam cheios de folhas. Seu rosto cortado pelos pequenos galhos das árvores que batiam em sua face com força enquanto tentava correr e desviar deles. Por mais de uma vez enfiou os pés em buracos, tropeçou em raízes expostas. Sentiu um ardor na palma da mão, e descobriu que havia se machucado na queda, estava com mãos e braços sangrando. Já não sabia mais o que faltava acontecer. Como num sonho, sentiu que flutuava para fora da escuridão da floresta, que não precisava mais forçar pernas e pés a se moverem... Como num sonho... Sentiu de repente uma dor lancinante nos pés, e pensou que deveriam ser espinhos cravados na carne desafiando-a a desistir da corrida. Ela não desanimou, seguiu correndo e lançando o corpo à frente o máximo que podia. Seus ouvidos doíam com o barulho cortante do vento. Seus olhos agora estavam cheios de lágrimas e ela piscava para tentar afastá-las, mas a cada tentativa elas aumentavam mais e tornavam a sua visão ainda mais difícil. Seus lábios e sua boca estavam secos, ela precisava correr ainda mais rápido para alcançar água e saciar sua sede. Athena pensava já ter corrido tanto e estar tão distante, que parecia ouvir o som de tambores sendo tocados em algum lugar à frente. Ecos dos batimentos frenéticos de seu coração. Nunca pensou que chegaria tão longe. Correu e adentrou ainda mais na floresta lúgubre, tentando fugir da escuridão. Deixou os tambores e seus medos para trás, lá onde a floresta ainda não era escura e não assustava. Se conseguisse atravessar e chegar do outro lado, onde vira aquela luz.... Imprimiu ainda mais força nas coxas para conduzirem a corrida e esqueceu a dor nos pés, cuidaria deles mais tarde. Cuidaria de si mesma como nunca fizera antes. A luz foi ficando maior e mais nítida: cegava. Fazia doer as retinas e queimava a pele tão acostumada à ausência do sol. Athena correu, faltava pouco. Chegou ao fim. E no fim encontrou algo totalmente inesperado. Se assustou com aquilo e não conseguiu refrear a corrida a tempo. Na obsessão de chegar ao outro lado, não pensara no que encontraria lá. Era um penhasco. Ela tentou parar na beira daquele abismo sem fim, mas suas pernas não obedeceram ao seu comando, e Athena caiu. Se jogou num vôo leve e se deixou flutuar sem pensar no fim, sem pensar no que faria quando encontrasse o chão. Athena parou de correr e voou. E era apenas uma criança novamente. Aproveitando a queda livre ouviu nitidamente palavras conhecidas ecoarem em sua mente tomada pela liberdade:
- Bata as asas Athena! Voe!!!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Longe do Paraíso

Vagando à noite, sob a luz esverdeada dos letreiros de néon, sentia frio. Chovera. Nas esquinas empoçadas, nos vidros das vitrines mal iluminadas, se via refletida e não se reconhecia. Uma saudade de árvores lhe vazava o peito. Pensou em se jogar do viaduto. Demasiado urbano. Pensou em se jogar no rio. Mas não era rio aquela água escura e fétida cheirando a esgoto e desespero. Pensou em tantas saídas. Mas se escusou de entrar naquele teatro, que se dizia mágico, e se oferecia aos raros e aos loucos. Não, não era a hora de mostrar-se a si inteira e nua. Não agora. Não ainda.


Márcia Maia

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Da solidão


(Para ler e ouvir)

A solidão é cínica.
Ela escolhe algumas pessoas pra dividir seu tempo.
Quando ela me escolheu, eu ainda era criança.
Eu ouvia os adultos falando sobre ela, e achava bonito.
Que bonito, chorar com a chuva, sozinho.
Que idiota.
Se eu soubesse que essa paisagem ia se repetir tantas vezes.
Normalmente dizem que as pessoas ruins são solitárias.
Eu não me acho ruim.
Eu só tive azar.
A solidão da qual eu estou falando não é essa mais ou menos que você pensa, não.
Mas também não é aquela solidão dos velhos do asilo que eu visito.
É uma solidão safada.
Que vai comprar pão, some, e volta quando você está bem feliz.
Tranquilo.
Sabe o que é não ter NINGUÉM pra conversar.
No seu melhor e no seu pior.
Quando chove, daquele mesmo jeito de quando eu era pequeno, o mundo acaba.
Solidão é pra quem aguenta.
Eu preferia sentir dor.
Morrer de câncer.
Do que ser esse solitário filho da puta.
Desse eterno silêncio.
Silêncio contínuo não enlouquece, como tanta gente pensa.
Te deixa mais racional ainda, e aí é que você enlouquece de vez.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Del Toro

A Natureza, que é uma Mãe
fez Brad Pitt, no início.

Depois de aperfeiçoar bastante
de à luz Benício.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Neo Lítico *

Passeando por Ouro Preto o menino e o pai:
- Cidade antiga, né?
O pai faz que sim com a cabeça e aponta a câmera fotográfica para uma igreja.
- Pois é, segue o menino, a gente logo vê que são ruas de antigamente.
Click!
Lentamente, o pai abaixa a câmera e olha para o filho.
- Sim, são construções antigas, a arquitetura barroca...
- Não, pai! As ruas!
- Estreitas. - Volta a apontar a câmera, agora para outro lado, uma panorâmica.
- Não, lisinhas. Não se fazem mais ruas lisinhas como antigamente. As pedras lisas devem ter acabado, ou então a tecnologia se perdeu...
Click!
****

______________________________________
* Publicado originalmente no blogue "EcosDiversos".
Direitos reservados, lá e aqui.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Descaminhos

Torturando-se, refez todos os passos daquela noite enquanto reconstruia mentalmente a tragédia: o caminho mais curto, os olhares receosos, o grito e os dois disparos, secos, à queima-roupa, seguidos pelo silêncio. Por algo tão banal que ele nunca conseguiria entender.

No entanto, não desistiu, tentou decifrar os porquês, percorrendo e examinando cada detalhe daquelas vielas putrefatas, até a estafa. Naquele cenário sombrio, entre tantas lembranças drásticas, perdeu-se do fio da razão, sua única esperança de retornar, são e salvo, à rotina. No centro do labirinto, cercado por medos, prometeu nunca mais piscar os olhos.

Encontraram-no em um canto, com os olhos bem abertos, ressecados.

domingo, 11 de julho de 2010

Força da natureza


Mulher é tempestade que chega, trazendo em seu íntimo, forças incomensuráveis.

Tempestade de raios que se espalha, onde passa deixa seu rastro, onde cai finca sua marca e somente o homem sem medo do trovão, poderá usufruir dessa força mutável que ao atingir-nos, para o coração por um ínfimo e no instante seguinte nos energiza, nos enfeitiça.

Possuídos, sentimos quando é brisa a chegar e ansiamos mais que a calmaria, queremos furacão a nos tomar, pois após sentirmos o gosto dela, desejamos sempre, mas não para tê-la como posse, não para exibi-la ao pobres, que por falta de espírito não tiveram a mesma sorte, não ousaram molhar-se na tempestade, desejaram a brisa suave, em vão, pois se assustam e tremem com o barulho do trovão.

Eu quero ela sempre tempestade, de manhã ao cair da tarde, porque só quem entra no furacão, descobre que andando junto ao seu centro, fará parte dela e terá eternos e ternos bons momentos. 


Joakim Antonio

sábado, 10 de julho de 2010

Carta à Clarice



Se está viva ou não está, eis que escrevo-lhe uma carta. Aquela que te enviaria se eu tivesse um endereço. Aquela que instiga meus dedos a encontrar as teclas e te encontrar mais concreta; tu que me encontras contemplativa e difusa, não respeitando noite, dia ou quem quer que esteja ao meu redor. Não. Não é desrespeito, é permissividade. Abro-me, pode me usar, se é sua mão que pousa sobre a minha quando escrevo justamente para você mesma, então toma-me.

Seus instantes-já me adotam. Me vestem de coisa inteira; há transbordo, quase jorro. E o amor é e quase não é, mas ainda é mesmo que não aparente. Quero te contar que todos estão errados e estão certos, mas acho que isso você já sabia.

A selva que cresce à minha volta, quero te revelar que é aberta, traspassável. Meus rins purificam as coisas, mas eu ajudo com um pouco de discernimento.

Seus olhos, desculpa-me, mas já desvendei. Prometo não contar a ninguém além de quem também entenda. Os labirintos lascivos que tentara esconder e revelar me são agora claros como dia e o gozado é que são obscuros.

Olho.

Cheiro.

Vejo.

Toco.

Ouço.

Tudo agora é e não era antes; o é se faz a cada instante, mas já era antes de se fazer. Meu oscilar se torna arfante enquanto lambo um momento de desejo feito torrente nascida do meu cerne.

Você entende. Isso é afirmação. A dor que eu via brotar feito suor em sua testa sempre fora tão visível. Como se você caminhasse levando pesada bagagem. E era só a si mesma que levava e isso era muito porque eram mil mulheres e mil anseios numa só. Parecemos. Eu olho-me no espelho e aquela que fui lentamente se torna na que sou e na que serei.

Epifania.

Eu vejo de antemão as mudanças, e elas são tão sutis. Elas se fazem lentas como quem quer mostrar-se, ainda assim tem quem não veja.

Sinto te dizer que a morte não apagou os traços de espuma que o mar deixou na praia, tem tantos outros seres que não o permitem.

E agora é um instante.

Já é outro e mais outro.

E eu me excito a cada palavra que a mente inventa. Escrever me é excitante. Porque há uma relação bem envolvente entre o nascer e o morrer de uma palavra, pois que seu morrer não é mais do que um instante e ecoa numa parede oca e escura de imensidão.

Incêndio.

Sou-me. Como tu o é. Como cada olho vê e sente.

O que escrevo é como maçã suculenta; o morder excita e um suco corre pelo canto da boca.

Ouve-me. Ouve meu silêncio. Capto essa outra coisa que você fala e se antes você não a entendia me dói, porque agora eu entendo e tento te dizer. O it, tão misterioso quanto seus órgãos mais inacessíveis. O que ele é pode não ser conhecido, mas é algo maior e isso é muita coisa.

E é novo instante. E mais outro e outro.

Me diga: de que cor é o infinito espacial? de que cor é o ar?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Poeminha

Poeminha

Contudo me darei inteiro
Mesmo que de mim
Reste apenas um pedaço.

E do pouco que terei
Para oferecer-te
Ter-se-á a melhor parte.

No que há de mim perdido em frangalhos
Há, enfim, precioso fragmento
Das partes imputadas em cabais momentos
Meu inteiro é tudo que preciso

Te oferto em meio a risos
pequeno estado de contentamento
Dividido em partes de improviso
O que a ti agrada plenamente!

domingo, 4 de julho de 2010

Hiato

Tudo pela metade

sinto-me
transparente

Beijo o cigarro
como quem beija o asfalto
após passar um carro engasgado

nada começa
nada termina

hiato

Decido que a vida
não chegou ao limite
sou apenas
vírgula

quinta-feira, 1 de julho de 2010


a lúcida em mim
crucifica meu ser
administra mentiras
tenta ser correta
ser tão concreta

a lúcida em mim
afaga e engana
precede e o consente
meia volta
pra recomeçar

a lúcida em mim
sufoca o precipício
a lúcida em mim
parece não existir.