segunda-feira, 30 de março de 2009

Direitos

Não importava o local em que parasse, sempre acabava acossado e expulso

Sem ter onde ficar, ir e vir tornou-se obrigação

domingo, 29 de março de 2009

fita de möbius






Por tudo que fomos
Sem confusão
Aceita

Não
Não é despedida
É cansaço

Infinito e inútil
Cansaço

A canção me sopra
Sempre que você me despede
Minha alma se despe
Eu morro um pouco

É fácil
Se não tenho nada
Nada
é o bastante

cansei
não quero mais
tuas impossibilidades

Quando afinal te esqueço
E mal vejo teu sorriso
Em meio ao lusco-fusco

Confuso
Você me resgata
Ondas de carinho
Engolem-me
Atropelam-me

E descubro sem susto
Que o tempo é como a fita de möbius
E mais uma vez tropeço
Prendo-me
Enrosco-me
Nas tramas do passado



terça-feira, 24 de março de 2009

Comerciais de Metralhadora

Poema # 2

: impossível sem quebrar uns ossos,
talvez alguns golpes de navalha na face
(como um imprudente zagueiro
ou um barbeiro louco).

: improvável sem queimar algumas casas,
talvez algumas pessoas em praça pública
(como se fazia em nome de Deus
ou de homens alçados a).

: fora de cogitação sem pessoas,
talvez algumas que não existam
(como aquelas dos romances antigos
ou dos sonhos razoáveis).

: impensável sem amor pela vida,
talvez por uma mulher ou por um cão
(como se vê nos bares à noite
ou nas tardes de domingo)

sábado, 21 de março de 2009

DEDICO...

Aos andróides negruscos,
vadios pelas ruas
mendigos e cadáveres não identificados
sonhos herdados
e contradições

Aos obesos
e às fétidas criancinhas pobres
feios e torpes senhores pagãos
corações solitários sofrendo insônia

e à dona Francisca,
por toda descrença
e desgosto

Às Marias, Terezas, Josés e Eurípes...
todos que desconheço...
submersos no limbo
frívolo do sorgo

Às feias,
magérrimas,
corcundas
aos
caquéticos
insolúveis
e feios

garotos e garotas
de programa
da TV
e do corpo

analfabetos,
belos

índios, japoneses, negros e louros
cancerosos, diabéticos, aidéticos...
condenados e loucos, gays e sádicos

À dor e ao sexo,
milagre e tédio
dos vivos e mortos

À toda escória sempre lembrada
aos potentados e seus ministérios
à toda razão...
à Glória!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Estranhamento



Estou aqui, palavras expostas e o rosto escondido em linhas digitadas. Estou nas fumaças das boates.
Estou aqui e na imagem exposta no espelho turvo de fumaça que emana da ducha quente.
Estou também sorvendo a fumaça de um narguilé...
...Ando tragando a vida pra ver se escoa palavras fortes. Pra ver se me emendo e consigo juntar todos os meus modos.
Estou aqui e em canto algum, porque em todos os cantos em que estive nunca me encontrei completo, pleno.
Estou aqui tentando encontrar uma palavra que reúna tudo o que sou.
Pensei em dizer Eu, mas dizer “Eu” é invadir um território que já foi ocupado por mais de um bilhão de pessoas no planeta.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Luz


Luzes da minha alma
Resplandecem o meu ser
Ao transcender mundos desconhecidos
O toque suave da aura
No turbilhão de cores
Um arco-irís
A me envolver
A mensagem do acaso
Escrito
Nas luzes da minha alma

quarta-feira, 18 de março de 2009

Lembranças tardias de meu último duelo

Como posso começar explicando o fim? Mesmo sendo algo que todo ser vivo saiba, cógnito ou intuitivamente, o fim não é algo com o que nos preocupamos com a devida atenção. Evitamos pensar que somos suscetíveis à falha, ao passar do tempo, ao fim de nossos dias naturais. Mas um dia, pode ser agora ou daqui a cinqüenta anos, tudo acaba. Como deveria mesmo acabar.
Sinto já que não tenho tanto sangue quanto gostaria. Os vários e repetidos golpes foram minando não somente minha resistência, como também diminuíram essa rubra reserva de vida. Isso tornou-me lento e vulnerável à ainda mais golpes. A coisa piora a cada segundo que passa, sem que possa ver uma solução, uma saída para a situação em que me encontro. Não que já não tenha me visto em uma posição inferior em outras ocasiões, mas naqueles tempos tinha não só a fé na vitória como também uma habilidade muito maior que meu oponente, o que me dava a calma necessária para aplicar-lhe um maior número de revides, salvando-me infinitas vezes da derrota.
Eu não conheço a derrota. Ainda não.
Talvez seja por isso que ela me amedronte tanto, mesmo eu não admitindo, apesar de vê-la gargalhando no fundo castanho do olhar de meu adversário, implacável e incapaz de demonstrar uma clemência que eu não suplicaria, ainda que continue posando de invulnerável, ao vê-la desfilar na conhecida voz daquele a quem combato:
- Vou vencer, até que enfim eu vou vencer!
Se ele soubesse o quão certa esta sentença está, acabaria comigo de uma só vez. Mas ainda me resta senão a força, ao menos o respeito que granjeei com meus anos de prática. Mesmo que tenha perdido meu escudo e tenha despedaçado minha espada, ainda assim já venci outras batalhas com minhas mãos nuas. Minha força e experiência, extraordinárias no passado, aos olhos de meu adversário ficam menores à cada dia que passa. Ele sabe tanto disso quanto eu.
Recuo. Ganho um tempo para respirar, mas este mesmo tempo se esgota rapidamente. Tenho que retomar a carga, retornar à luta ou estarei vencido de qualquer forma. Melhor cair em combate, que ser vencido pelo tempo. Preparo meu melhor golpe, forte o bastante para virar a maré da batalha. O único senão é que ele é muito lento e me deixa praticamente indefeso por alguns segundos. Enquanto giro minhas ensangüentadas mãos pelo ar, ele se atira para frente em uma velocidade espantosa, fruto de um golpe novo que eu desconhecia. Incrível como a mocidade aprende rápido.
Sou golpeado várias e repetidas vezes em meu flanco exposto e em uma semi-explosão do choque de corpos sou lançado ao ar em câmera lenta, enquanto minha contagem de vida rapidamente despenca para o nada. Impiedoso frente à minha sorte, indiferente ao meu destino e feliz com sua conquista, meu adversário põem-se a pular imediatamente, lançando ao ar sua comemoração pela vitória, a primeira em sua vida; minha primeira derrota... Continuo estático, olhando para meu corpo sem vida, quando ele coloca sua mão infantil em meu ombro:
- E aí Tio, vamos jogar mais uma?
Dou uma risada para meu sobrinho Daniel, nove anos, meu mais novo arqui-inimigo no vídeo-game:
- Bora, Zé-ruela. Mas agora não vou te dar mais canja não...
Reenergizado pela poção curadora do reset, tenho novamente meu poder e força para encarar o combate. Aquela primeira derrota me ensinou muita coisa. Uma delas é que não posso mais dar mole para o moleque...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Série: O DF não é só Brasília! - Museu Vivo da Memória Candanga (Núcleo Bandeirante)





Quem sai de Brasília em direção a Valparaíso de Goiás já deve ter reparado: a beira da rodovia, pouco depois do Parkshopping e um pouco antes do Núcleo Bandeirante, descortina-se sobre um morro um conjunto de casinhas coloridas de madeira.
As tais casinhas margeiam a estrada desde 1957, quando ali foi construído o primeiro hospital de Brasília, erguido para atender os candangos que construíam a capital.
O prédio amarelo, o maior, era o hospital propriamente dito. As demais construções serviam como residência de médicos e demais funcionários. Interessante notar que as casas que possuíam duas portas, na verdade, abrigavam duas residências, utilizadas por funcionários casados. As casas que possuíam apenas uma porta eram usadas pelos solteiros.
Após a inauguração de Brasília, o lugar foi rebaixado a posto de saúde, e, na década de 70, abandonado. No entanto, alguns funcionários permaneceram morando algum tempo no local.
Ocorre que tradicional sanha imobiliária de Brasília passou a abrir os olhos para aquela área. A cultura e a preservação venceram através do esforço de antigos funcionários e dos moradores da região, que se mobilizaram para preservar o local; os ex-moradores foram remanejados para outros pontos do DF e o antigo HJKO transformou-se no Museu vivo da Memória Candanga (MVMC). É hoje o maior complexo de construções da época da construção mantidas de pé.
O Catetinho certamente é mais famoso, por ter servido de residência para JK. No entanto, trata-se de apenas uma edificação, ao contrário do complexo do MVMC.
No antigo prédio do hospital, encontra-se uma biblioteca, uma maquete atualizada de Brasília e a exposição permanente “Poeira, Lona e Concreto”, com ambientes simulados de quarto de hotel, salão de barbeiros, com materiais da época da construção. Em algumas das antigas residências funcionam hoje oficinas culturais de cerâmica, etc.

sábado, 14 de março de 2009

Beijos de pedra e nicotina

eu amo muito mais o amor
portanto já traí minha promessa
não tenha pressa de saber

eu amo muito mais o amor
e outro olhar há de vestir
de mistério a nudez violada
por teu falo e tua fala

outra boca há de neutralizar
o verso ácido em minha saliva
e espanar as cinzas dos teus beijos
de pedra e nicotina

Iriene Borges

domingo, 8 de março de 2009

Ciranda


A angústia da beleza que já possuía a fez bulímica
A bulimia a fez escrava
A escravidão a fez sozinha
A solidão a fez fraca
A fraqueza a fez desistir
A desistência a fez tuberculosa
A tuberculose a fez osso
A angústia da beleza que já possuía a fez morta

sábado, 7 de março de 2009

Menina Feia


Ei, menina feia...
Por que me olhas assim?
Admiras minha presença?
Por que insistes
em devorar-me inteiro
ignorando minha indiferença?
.
Saio por becos obscuros,
escondo-me d'trás dos muros,
mas você me busca,
seguindo-me por onde vou!
.
Que insistência é essa,
menina feia?
Queres meu corpo,
ou minh'alma inteira?
.
Tento não olhar-te,
tento não sentir-te,
mas tua presença
me enlouquece...
.
Ei, menina feia...
Queres me levar para onde?
Onde a alegria se esconde?
Ao esquecimento
ou enternecimento?
Solidão ingrata,
menina feia
a invadir minha vida!
.
.
.
Poema do livro: "CATA-VENTOS: o destino de uma poesia" - 2005 - Kroart Editores.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Ressaca de mares fechados

Todo sentimento pertence somente a nós,
um interno mundo maior em complexidade.
Importa pouco a dor que me cause amar,
o fatalismo neutraliza o restante de tino .

Não me julgues insensível por pensar:
amando nós somos menos envolventes.
Já nem pergunto por que me queres,
seca minha caneta se estou sorrindo.

Egoísta como o desejo de ser feliz,
tenho o meu mundo sem reciprocidade.
Anuncio revoadas de bolhas de sabão.

Tentando querer menos para mais amar,
remoldo meu conceito de entrega
no sem compromisso com a satisfação.

Antonyus Pyetro

11/03/09

quarta-feira, 4 de março de 2009

Boneca de Porcelana



Teu olhar é como morteiro
Seguem minhas mãos lascivas
Que encontram meu sexo
Em febril reconhecimento

Descobrem ritmo
De ardor desencontrado
Solitário gozo
Por mãos que se desacompanham
Do compasso

Meu riso é triste
de uma lágrima
surgida no agora
rósea na face de quem
se deliciou do amor
e o jogou fora

Sou boneca de porcelana
Sou incauta
tive peças quebradas
no céu da minha boca
Meu gemido
é preso na garganta
onde estrelas foram desenhadas
e, rasgadas,
dadas em holocausto
pra qu’eu pudesse
saborear o delicioso
prazer do insano

Caroline Schneider

segunda-feira, 2 de março de 2009

Anjo

Uma vez
um anjo solitário
impregnou meu paladar de luz.
Esteve em minha língua,
por quase uma vida,
este sabor
picante...

Desde então relembro
o terno toque
da língua do anjo
a encher minh'alma
de luz.

Uma vez
um anjo solitário
arrancou de mim o que fui.
Esteve em minha retina
por quase uma vida
este sabor
sangue...

Anjo é parte do livro Outros Sentidos (07/2008)