sábado, 29 de dezembro de 2007

Passagem


Passagem


A música é um elemento fundamental a minha sobrevivência... (ok! Podem me acusar de exagerado, podem dizer que isso é coisa de uma pessoa infantil, imatura, fútil... etc... blábláblá), contanto, continuo afirmando que a música é essencial a minha sobrevivência, pelo menos convivência com os outros seres humanos, inclusive os que não conseguem ouvir nenhum tipo de música, porque dá dor de cabeça, porque não se sentem bem, porque acham melhor estar acompanhados de aspirinas, conversas enfadonhas, piadas repetidas e controle-remoto de televisão.
Às vezes ouço uma música milhares de vezes e, um belo dia, percebo um verso que pára, congela, me absorve. E intuo que música às vezes se fantasia de poesia. “O passado é uma roupa que não nos serve mais” a frase de Belchior tem um significado que é inteligível e que qualquer um pode inferir, se o passado é uma roupa que não nos serve mais, não vamos desmanchar bainhas, não vamos alongar o que já foi usado e que teve a sua importância no seu tempo devido. Despojar-se do passado é necessário. Pegar as roupas antigas e lavar, usar o melhor amaciante, o mais perfumado..., estender com cuidado no varal, porque roupas antigas precisam respirar ar puro; tirar o mofo e acomodar em um local onde possam servir de arquivo... Colocar junto com aquelas imagens antigas, aquelas de cabelo black power, de costeletas, aquelas que você estava constrangido, que se achava feio... é necessário. É necessário reutilizar as impressões, e o melhor lugar para guardar isso tudo é a memória.
Foi ouvindo Belchior cantando, “o passado é uma roupa que não nos serve mais” que comecei a pensar: vivemos pelo avesso. Teoricamente valorizamos a beleza interior, a cultura, o conhecimento, e nada disso é palpável, contanto, quando temos a oportunidade de fazer escolhas, escolhemos as coisas mais bonitas no seu sentindo mais objetivo de beleza, ou seja, preferimos criar um coelho que um sapo, porque instintivamente a nossa natureza tende a querer o belo, mas falar sobre beleza é complicado, porque quem imprime valores aos objetos são homens. Por isso caminhamos cheios de impressões de tudo, influenciando e sendo influenciados.
O passado é uma roupa que não nos serve mais porque o passado cai de moda e como bem diz Kant: “É melhor ser louco na moda do que fora dela”. Em nome da moda, em nome das roupas que não nos servem mais é que devemos usá-las pelo avesso. Temos que dar cara nova aos modelos antigos, deixar pra trás o que deu errado, se desapegar das antigas histórias e contar histórias novas, com um delicioso cheiro de futuro, de presente, de agora. Mas, ops! Isso inclui reler obras antigas, ouvir músicas que fazem parte da nossa história, visitar velhos amigos..., pois são roupas que vestimos pelo avesso de nós. Os clássicos não caem de moda, todos eles têm algo de essencial, algo perene. Os amigos, esses mudam, de humor, de cidade, de esposa, de amigos..., mas, ainda assim, há no avesso de nós os frutos de uma amizade sincera, de um gesto sincero. Desejo que o ano novo traga novas oportunidades. Oportunidade de vivenciar o novo, de errar de novo, de acertar os desacertos, oportunidade de experimentar. Não podemos deixar o próximo ano passar em branco, vamos escrever uma historinha para o futuro. Paz!

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Meta Linguagem



Meta linguagem

na boca sem língua
na língua lépida
na mente com íngua
na palavra tépida

Meta linguagem

na prosa verborrágica
na letargia cíclica
na poesia hemorrágica
na vanguarda tísica

Meta linguagem

na crítica estúpida
na frase esdrúxula
na visão insípida
na vertente pústula

Meta linguagem

no velho panegírico
na sagrada epístola
no pensar raquítico
na cultuada fístula

Meta linguagem

no túnel hermético
no exegeta fétido
no destempero léxico
no escritor intrépido

Meta linguagem

na douta arrogância
no inútil semanário
na editorial ganância
no "rectu" literário

Carlos Cruz - 23/12/2007

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Oração

XIV
26/12/03

... nessa manhã amena, a felicidade está no trabalho que escraviza; o orgulho, na marmita cheia; porém possível apenas por duas breves horas de descanso e piada: arroz, feijão e quem sabe um bife...

... nessa manhã amena, Cristo está no estômago, fermentando em meio à hóstia mastigada ontem; amanhã, estará ele rodando no córrego do matadouro, em um curso que, dificilmente, encontrará o mar...

... nessa manhã amena, com ordem de supervisor, enxada, arroz com feijão, dai-nos sempre, senhores, essas duas boas horas de descanso e arroz com feijão, amém...


*

domingo, 23 de dezembro de 2007

Extravios



Juliana Ferraz


Eu te agradeço por esse afastamento lento e gradual e pela viagem interrompida por seus perpétuos atrasos causados pelo medo de tirar os pés do chão. Agora, a cada dia eu preciso de uma roupa nova desde que minhas malas foram extraviadas para sempre com todo o nosso excesso de bagagem.

Eu te agradeço pela honestidade da sua omissão tão previsível que sempre confundi com meus presságios. Essa ida sem despedida que você covardeou: eu finjo que não sei, você finge que não foi.E a gente segue inventando que ainda se interessa pelo que começamos a construir juntos, num outro contexto, pra realçar nossos vínculos.


Eu te agradeço a descoberta de que se não seguimos juntos nessas coisas do amor,

seja porque talvez

eu, veterana

enquanto

você ama-dor.
*
Marla de Queiroz

Um feliz e próspero Natal a todos...

Segundo o Informe da ONU sobre o Desenvolvimento, citado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, o conjunto da riqueza dos 358 maiores “bilionários globais” resulta no mesmo valor que a “renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres (45% da população mundial)” (1999: 78).

Já Victor Keegan complementa que “se os 358 decidissem ficar cada um com US$ 5 milhões para se manter e distribuir o resto, praticamente dobrariam a renda anual de quase metade da população da Terra. E os porcos voariam.”

Um feliz e próspero Natal a todos...

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

KEEGAN, Victor. “Highway robbery by the super-rich”, The guadian, 22 de julho de 1996.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Pegadas

Pegadas na areia
Rastro do meu passado
Deixados no tempo
Grãos de areia espalhados
Contam minhas histórias sem fim

Pegadas na areia
Marcas da vida apagada pelos ventos,
Pelas águas dos mares
Para levar distante
Tudo que existe dentro de mim

domingo, 16 de dezembro de 2007

Natal Brasileiro

Atravesso as montanhas e chego a singela vila interiorana. Localizada a menos de uma centena de quilômetros da capital, a pequena cidade era o grande refúgio dos estressados habitantes da metrópole. Era uma estância hidromineral e suas águas eram procuradas para os mais diversos fins.
Era época de Natal, e minha intenção era justamente entregar presentes às crianças carentes do lugar. Embora a capital também estivesse repleta de pessoas nessas condições, queria aproveitar a ocasião para usufruir do clima e das belezas de Lagoa Funda.
Após hospedar-me em uma pousada no centro da cidade, fui passear pela praça principal, enfeitada de pinheiros decorados que contrastavam com os ipês e jacarandás nativos; milhares de bolinhas de isopor estavam espalhadas nos canteiros, a imitar flocos de neve. Pelas lojas, papais noéis sentados, à procura das crianças e, por tabela, dos pais que receberam o 13°. Próximas ao parque, charretes coloridas transportavam turistas, ávidos também para conhecerem as centenas de lojas de artesanato e lembrancinhas.
No dia seguinte à minha chegada, conheci um guia-mirim, Lucas. Como trouxera muitos presentes, resolvi lhe entregar um. Mas pensei em fazer isso na sua própria casa, até para conhecer melhor as pessoas e costumes do lugar. Combinamos que eu passaria lá no final da tarde, já que Lucas trabalharia durante o dia acompanhando os turistas. Por outro lado, eu também passaria o dia entregando os brinquedos em um orfanato.
No início da noite, entrei na tortuosa rua calçada de paralelepípedos; não estava tão bem conservada, certamente por estar localizada na periferia e não ser passagem freqüente de turistas. Achei a casa do garoto sem dificuldades: ele me esperava no portão.
Estava sozinho. A mãe rezava na igreja, o pai, ainda trabalhando, e os 3 irmãos na casa dos vizinhos, onde ele também estaria se não estivesse a minha espera.
Após entrar na casa e me sentar no sofá, abri a sacola e lhe dei o presente. Apesar da impetuosidade de seus 8 anos, abriu o pacote com cuidado (certamente para usar o papel de presente em outra oportunidade) e passou a admirar o boneco de um Papai Noel de pano, vestido com seu casaco vermelho e conduzindo o trenó com a ajuda das renas. O trenó possuía pequenos pacotinhos, como se fossem presentes.
“Renas, casaco de frio, trenó?” Deve ter pensado o garoto, num instante de reflexão que, confesso, nem eu, como adulto, tivera. Apesar da inconfundível simpatia desse símbolo, o Papai Noel naqueles trajes, com aqueles animais e conduzindo um trenó não parecia combinar com o que se via pelas ruas do nosso país.

— É bonito. — respondeu-me afinal — mas meu Papai Noel é outro.
— E qual é? — perguntei, espantado.
Ouvindo um barulho na rua, ele pegou-me pela mão e me puxou para fora da casa. Próximo ao portão, apontou-me alguém e me disse:
— É ele.
Era seu pai, vestido com uma surrada calça e camisa social meio aberta; conduzia uma colorida charrete de turistas, guiadas por dois cavalos sem raça definida. Na pequena carroça, algumas sacolas imitando presentes: na verdade, o alimento do dia.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Deflorando



Ei de deitar-me sob o coma líquido
Entregar-me aos artíficios da impureza
Ter o pecado posto sob a mesa
Estudar o imperfeito e o atormentado
Pegar a vida pelo rabo
E encolher seu sentimento comum

Vou sair vadiando com o infinito
Chutar o momento mais bonito
Porque sou filha do horror
matuto o comum
como se esplendoroso
faca sem serra
barulho estrondoso
da alma espatifando no chão
procurando por um vão
por onde escapar
da mácula e das chacinas
dessas meninas que me olham torto
como se eu fosse o moço
que as defloraram
(imagem:Magritte)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Pombos Carnívoros

Nestes tempos de Tsunamis o Correio Braziliense não publicou, acredito que por falta de espaço, a grande desgraça acontecida aqui na nossa casa. A revista Veja, conforme fonte segura, já está com seus repórteres preparando uma grande matéria e procurando a causa da mutação. Columbófilos consultados disseram que já houve antecedentes tanto numa praça de Versalhes, Paris, quanto em Washington, no Capitólio. O motivo da mutação, ainda conforme o presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Pombas – ABCP, José Carlos Paloma Filho, é a proximidade com o poder que transforma as delicadas aves em agressivas pombas carnívoras.
Atenciosamente,
Klotz
Brasília Urgente – Hoje de manhã, na Praça dos Três poderes, pombos carnívoros atacaram turistas. A primeira vítima foi uma menina de 5 anos, MDM, que ao oferecer milho aos símbolos da paz teve o dedo anular devorado pelas aves mutantes. Logo em seguida um turista, Severino Morais Silva de 56 anos, vindo do interior da Paraíba teve uma orelha decepada pelas feras voadoras. A imagem da turista estrangeira foi feita por fotógrafo amador pouco antes de Elisabeth Bourbon, 27 anos, ser devorada pelos 17 pombos.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Uma coisa que adoro é sarro e que odeio é empáfia

Eu adorava pegar ônibus lotado quando tinha 11 anos. Me encaixava atrás de alguma boazuda e deixava o balanço da condução me levar às nuvens. Tirar um sarro era a diversão comum da molecada. Tive que parar assim que cresci (lá embaixo, entenda). Meu colégio usava como calça de uniforme um moleton, a excitação se tornou inconveniente.

O prazer pelo sarro, contudo, continuou, permitido então pelas meninas atrás da quadra de esportes. O moleton, bem fino e maleável, finalmente foi útil.

Os sarros alcançaram outros padrões. Descobri que importunar os desavisados com uma brincadeira bem pueril era quase tão gostoso quanto engatar o trenzinho nos ônibus.

- que time é teu?

- flamengo.

- hahaha, o flamengo te meteu....

Percebi que perder o amigo para não deixar escapar a piada era passível de reversão com sentidas desculpas ou, melhor, aceitando o contra-sarro.

- ...meteu nada. Bateu na trave e entrou no teu. Ahá!

Etimologicamente, sarro é o resíduo de vinho que permanece na garrafa. Chamam de fezes do vinho. Então, tirar um sarro é na verdade algo como “limpar a bosta”, ou eliminar o resquício de seriedade na situação.

Nestes dias após o rebaixamento do Corinthians à 2ª divisão, me impressionei com a solidariedade das outras torcidas aos sofridos “cadentes”, à exceção da prepotente e mal-humorada plebe flamenguista, que não aceitava os trotes mas agora se limita a limpar a bosta.

- Nessa SEGUNDA-feira expresso meu grande pesar, meu lasTIMÃO, com a ascensão do Corinthians à série B. Os novos patrocinadores corintianos terão trabalho: a RAY-O-VAC, para acender a lanterna; a PHILCO, para melhorar a imagem; a VOLKSWAGEN, para fazer um gol e, por último, a TOYOTA, para sair da lama.

- Pô! – Reclamou meu irmão, o corintiano mais doente que conheço.

- Então vamos rezar pelo ulTIMÃO. Peguem a bíblia em Coríntios 1 versículo 3.

- Chega! - Teve que rir. - Até na bíblia a gente tá perdendo.... queria ver se fosse com vocês...

- Somos a maior torcida do Brasil. - Gabou-se o flamenguista.

Não resisti e me meti:

- Schadenfreude! - Falei. Lê-se "chandenfroide". - É uma palavra alemã para a sensação de prazer que a desgraça alheia provoca. - Expliquei. - Em bom "brasileiro" quer dizer gozar com o pau dos outros.

O flamenguista não gostou. Como sempre, aliás. Eles só querem sentir-se superiores. Quando o time está na pior, a torcida desaparece. Basta, então, o Flamengo ganhar um jogo que se torna o melhor time do país para seus passionais torcedores. Depois criam títulos estapafúrdios como o "recorde de público" ou "patrimônio cultural" e dedicam-se a desmerecer as conquistas alheias, até inventando pentacampeonatos irreais, afinal, em 1987 o Spor foi o campeão pois o Flamengo amedrontou-se em disputar o quadrangular final com os times do outro módulo, a famigerada segunda divisão.

- Xandefroidis é o caralho! - Reagiu o flamenguista. - Vestimos o manto sagrado, seu feladaputa.

A agressividade não me espantou, é o principal recurso dos imbecis. Não me rendi, contudo:

- Teu manto, rubro de vergonha, cobre apenas a empáfia dos medíocre, afinal, o esporte não passa de um divertimento que vocês elevam à primeira grandeza em importância. – Cuspi o discurso de bate-pronto. Como ele não entendeu, resumi: - Pare de tirar sarro. Tua “brincadeira” já cresceu e tá inconveniente.

domingo, 9 de dezembro de 2007

DESCAMINHO

Lágrima rubra,
suba rosa
como o orvalho
fazendo a hora
voltar o tempo
como me lembro
e como um atalho
lírico e lento.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

RELÂMPAGO

...E se eu te dissesse
Aquilo que eu não pudesse ouvir?
Seria demasiadamente correto
Acreditar naquilo que não pudesse ver?
...E se eu te dissesse
Que a razão de tudo isso é você?
Esperaria a chuva derramar seu lamento sobre nós?
...Talvez você me dissesse
Que acreditar ou não, não faria sentido nenhum agora.
...Talvez você me dissesse: a vida é tão simples e os livros tão belos!
...E eu te dissesse: o mundo perde o sentido
Se a espera é infinita e o amor um relâmpago!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Estrelas Guias

Outrora os navegadores de mares ignotos
Guiavam-se pelas posições das estrelas
Para aportarem em conhecidos portos.

Na verdade,
Nunca importou se Netuno brincava
Com seu tridente como vassoura líquida,
E fornecia horrendas vagas
Às mais terríveis tempestades,
Ou se o mar calmo se mesclava
Como um quadro renascentista
No horizonte.

As estrelas sempre estavam no céu,
Como sarnas fixas
No corpo negro
Do Universo.

Imagino uns gregos
Retornando às suas cidades-estado,
Navegando bêbados
Pelo mar Egeu.

As estrelas parecendo rodas gigantes
Apontando caminhos desconhecidos
Para todos os lados.

E como navegação esquecida
Pelos deuses e por tudo,
Eles naufragando nos arrecifes do Recife
De Pernambuco.

André Espínola

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Dialética

sou pedra que chora
sou vidro que estilhaça
meu sorriso canta,
enxugando lágrimas
nos cantos, poças
covas rasas de intenso pranto
mas inda há brilho no olhar...
mesmo que por vezes se apague
nos percalços do meu caminhar

intenso o frio por falta de afago
calor que arrefeça a alma
escrevo, calando grito
como que alimentando gemido
quero colo, quero afeto
mas faço-me discreto
e, friamente,
saio pela tangente
e se precisar, bato o martelo...

pois mesmo quando sou fraco
faço-me forte
assim eu sou
nada morno, nada pouco
ou tudo ou nada
sou Tese
sou Antítese
e por fim,
Síntese

CAROLINE SCHNEIDER

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Auto-bibliografia Ideal


Não me agrupo às inúmeras lajotas
Que ornamentam cômodos, suas facetas
Prefiro a natureza das maçanetas
Que dão a função de abrir às portas

Augusto Sapienza

domingo, 2 de dezembro de 2007

Já estão à venda!



Infernos Íntimos


Parte "She" da trilogia poética de Larissa Marques.


"Eis que o fenecimento nos encontra no exato momento em que nos encontramos conosco e/ou com a nossa consciência. A incompreensão dos dias e a certeza da morte nos revelam o nada que habita dentro de nossas cabeças: um cérebro ou uma alma? Continuaremos mal compreendidos até quando? Até revelarmos o que de mais íntimo existe em nós, mesmo estando conscientes de que toda a timidez e nudez sejam por si reveladas no cerne de tudo que externa a essência humana?"

Com capa de Aline Castro e prefácio de Túlio Henrique Pereira, Infernos Íntimos já está à venda!









O oco e o homem




A parte "He" da trilogia poética de Larissa Marques.


" O homem que se quer livre 'vomita Euclides da Cunha' é 'como se fosse o único a ver, a sentir, amar e perder'. Acha-se mito. E é onde se engana. Larissa é simbolista, modernista, dizem que Balzaquiana, mãe, afogada como ‘eu-poeta’ pela repetição em eco do comum das coisas - brasileira; todavia, consternada frente ao marasmo da existência, do mundo como embuste, do homem como um câncer, como máquina sensual (objeto de transcendência), prostituído, a poeta é precavida contra o ‘lirismo que não é libertação’. "
Com capa de Aline Castro e prefácio do acadêmico Muryel de Zoppa, O oco e o homem já está à venda!

Garanta os seus exemplares!



terça-feira, 27 de novembro de 2007

O Barbeiro de Washington


À paralisia do corpo seguiu-se a queda da mandíbula inferior, o arregalamento dos olhos, o eriçamento dos pêlos, a gelidez da espinha. Aqueles três algarismos idênticos, tatuados em negro no alto da cabeça do auto-nomeado Dono do Mundo, eram a prova cabal de que o profeta mórmon estava certo: 999. Estava atrás da Besta. Estava diante da Besta. Cortava os cabelos da Besta. Sabia o que tinha de fazer, preparara-se durante anos para esse momento. Respirou fundo, ergueu a tesoura e... viu a menina! Parada à porta do salão, de vestido florido, tez muito branca, parecia um anjo, iluminada pelos raios de sol que atravessavam a clarabóia. Com as mãos no rosto, a menina chorava. Edward hesitou, abaixou o braço, largou a tesoura. O impacto do projétil em suas costas lançou seu corpo de encontro ao espaldar da cadeira. Caiu ao solo. Agonizante, sentindo o gosto acre de sangue, contemplou o rosto hediondo da menina: um demônio. Um súcubo. Edward fora enganado pelo ardil demoníaco. Antes do derradeiro suspiro, balbuciou:
- Pai, perdoa-me porque falhei.
O presidente chamou seus serviçais.
- Limpem essa sujeira. Faltam poucas horas para a Festa de Ação de Graças. Osama virá. Papai também. Vamos! Ao trabalho, cambada de inúteis!

Carlos Cruz - 27/11/2007

sábado, 24 de novembro de 2007

Considerações a respeito de um homem nu, em 1926

George Grosz - Pilares da Sociedade, 1926




Há alguns anos minha avó veio morar conosco. Costume antigo, sempre está contando algumas histórias, que traz fresca na memória. Todas repletas de matéria-prima para crônicas nostálgicas ou papos descontraídos em mesa de bar.Vivendo em fazendas, ou em pequenas cidades do interior de Minas, fala de como sua avó fora laçada numa tribo de índios – não recorda o nome da tribo ou o estado onde ocorreu o fato; fala de como certa vez fora levada com suas irmãs para a cidade para verem o espetáculo do acender dos postes. A tecnologia, então, consistia numa lamparina movida a querosene e o protagonista da cena um homem qualquer, que vinha acendendo lâmpada por lâmpada, iluminando o caminho.Recorrente em seus assuntos é uma porção de revoluções que ela presenciou. De repente chegavam homens, ninguém sabe de onde, nem servindo a que propósito, e levavam os jovens para lutas em outros cantos. Ela nunca mencionou se esses voltavam esfarrapados, mutilados ou se não voltavam nunca. Tampouco isso vem ao caso.Era menina, e a década provável os anos 30/40. Penso sempre que batalhas poderiam ser essas, travadas nesses confins do mundo, onde a vida era completamente diferente da contada nos livros de história e nos almanaques de farmácia. Por aqui a bastilha ainda não havia caído, a Rússia sequer existia, e Napoleão, que tinha banhado o mundo com sangue, poderia tanto ser uma lenda mitológica como um santo católico.Quase sempre concluo que se trate de disputa de fazendeiros – coronéis donos do mundo – lutando pela expansão de suas propriedades, ou promovendo um rotineiro massacre nos latifúndios vizinhos. Uma dessas aventuras, é certo, se trata da segunda Guerra Mundial. Essa, devidamente documentada, passou em sua Macondo recolhendo as motos e os veículos que supostamente seriam enviados para a Europa. Meu avô tivera a sua motocicleta confiscada. Se ela fora para a Europa servir de cavalo motorizado para as tropas aliadas ou se ficou nas mãos de algum burocrata, passeando nas ruas da capital, não é possível saber.Porém, nenhuma dessas histórias me tocou mais que a saga de Mané Pelado. Num momento em que a ordem do dia consistia em buscar lenha nos campos repletos de cascavéis e cuidar das criações, alvo constante dos predadores naturais e das intempéries da natureza, a paz estabelecida era quebrada pela figura esguia, completamente nua, que ficava rodeando as casas e ao primeiro sinal se lançava às matas e sumia.Por um descuido, pode parecer que estamos falando de uma assombração, que naquela época realmente existia aos montes. As histórias de lobisomem, de extraterrestres, são um caso a parte. Mané existia mesmo e tudo indica que era um louco, fugitivo de algum lugar, ou, em outra hipótese, um abandonado pela família que sobrevivera comendo raízes, roubando ranchos, capturando pequenos animais.Mas quem era esse ser que costumava invadir as casas quando todos saíam para a colheita, ou à pesca, para beber o leite recém ordenhado? Quem seria esse homem que aproveitava os descuidos para invadir as residências, comer o pão, beber a pinga, tirar um cochilo em cama quente? Seria uma vítima dessas revoluções, com a sanidade ferida em combate diante da visão do holocausto? Seria um pensador, que um pouco atrasado, mas sozinho e com os recursos que possuía, percebera que a vida que se levava nas cidades era um câncer e o mundo caminhava para o abismo?Conta a minha vó que, certa vez, sua mãe ao notá-lo se esgueirando nas imediações da casa atirara nele com a carabina. Ele saindo em fuga, para voltar no outro dia, é uma imagem que me impressiona muito.O que foi feito dele, ninguém sabe. Por certo, onde caiu morto ficou até que a natureza encarregasse de consumi-lo. Encontrado por caçadores, talvez tenha sido enterrado na beira de algum riacho, num túmulo coberto de pedras que o musgo engoliu. Em última instância, pode-se crer que tenha recobrado a lucidez e retornado para casa, onde filhos e mulher já haviam se esquecido do luto.No mais é isso, ficando cada um com o fim que mais lhe apetecer.







sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Sobre Meninas

Foto: sweetcharade

Meninas passeiam seus vestidos de mãos dadas. Despertam curiosidades nos olhares salivantes dos moços viris e das boquiabertas senhorinhas. Bailarinas da sedução, borboleteiam imaginações alheias porque desabitaram as convenções do amor público pra se libertarem da camisa-de-força com etiqueta.


Meninas são líquidas de águas temperadas. Ultrapassaram os epílogos do prazer pra mergulhar na emergência do ardor com afeto.E, delicadas na carícia sem ingenuidade, confundem-se no abraço das pernas enveredadas pela malícia da fome.E, na dança dessas deusas líricas,o roçar de seios e o beijo de todos os lábios.Meninas passeiam por aí, lúdicas, exalando o feromônio doce do segredo.


(E vagueiam pelo lume sem fardos... porque são fadas.)
*
*
*
Marla de Queiroz

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

TROPA DA ELITE



Ingênuos que lêem Foucault

Heróis que empalam garotos

Toda ajuda é hipócrita

Tortura é a solução

Morte à alteridade

Aplausos histéricos à autoridade

Dos caminhos o mais curto,

o mais fácil.

Fácil?

Desde que não atrapalhe o trânsito

e que não manche de sangue

os nossos sapatos, calçadas e filhos.

E desde que não perturbe nossas refeições.

Não nos embrulhe os estômagos

com a desagradável visão desses

pretos,

pobres,

sujos e maus

garotos estraçalhados.


Quem somos nós?


Pretensa elite que goza o mundo

e que cheia de medo

assina cheques, contratos e penas.

Elite que, cheia de dentes, berra:

Paz!

Justiça!

Honra!

Basta!

Basta de tiros em nossos quintais,

de mendigos em nossas calçadas,

de malabaristas em nossas esquinas.

Paz

no asfalto

na escola

no shopping.

Paz, no morro, engatilhada

Cano ainda quente

sujo de saliva e medo.


Pobreza pacificada,

silenciada até o próximo carnaval.


Salve a liberdade burguesa,

a invisibilidade do outro,

os gritos que não descem o morro!

Um viva aos novos heróis da pátria

com seus uniformes negros!

Carrascos com carteiras assinadas.

Durmamos em paz

e deixemos pra eles a honrada missão

da manutenção desse nosso gozo infindável...

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Definições


“Por que as pessoas fazem perguntas?”
- Porque são necessárias ao entendimento.
“Por que pessoas matam pessoas?”
- Porque elas não se amam.
“Por que os homens falam em amor?”
- Porque é um sentimento necessário à sobrevivência
“Por que os homens não demonstram que amam?”
- Porque entre eles não há distância suficiente.
“Por que sonhamos?”
- Porque temos a ilusão de um dia ter a resposta certa para todas as perguntas.
“Por que você está tão distante?”
- Como assim, distante?
“É que agora sinto que te amo, e disseste que só amamos quando há distância”.
- Ah... então isso não é amor, é paixão.
“Então amor é uma coisa que não existe?”
- Não. Se é uma coisa, tem que existir.
“Você conhece o amor?”
- E se eu te dissesse que essas coisas não se explicam?
“Acho que agora entendi: amor é possibilidade de existir... é tipo... como se fosse esperança...”
- Talvez, talvez...
“hum... então, enquanto você dorme, eu te observo, admiro a tua expressão à distância, velo o teu sono, assim posso te amar sem reservas. Posso te ver como uma possibilidade sem nenhuma reação contrária...”
- Você está sendo radical.
“Estou? Pensei que você tivesse dito que amor é experiência individual, que se fosse relação entre duas pessoas se chamaria paixão... me responda então, o que é amor?”
- Por que você faz tantas perguntas?
“Porque você me disse que elas são necessárias ao entendimento”.
- Entendo.
“Entende o quê?”
- As suas observações.
“Amar é como tocar estrelas?”
- É quase isso. É uma coisa que nasce em nós, se faz corpo, ultrapassa o nosso tamanho e faz a gente esquecer da gente de tão grande que a gente fica.
“Ah... acho que agora posso tocar estrelas”.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Jogos


Você acha que sabe
Com suas armas e jogos
mas deixarei você na linha
perdendo todo o seu tempo por nada

No seu mundo
Você não sabe o que há
Cada um tem que ser o que é
E você tenta manipular

Observarei os seus passos
O movimento do cinismo
Nos olhos da traição

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Eu,Salomé



Tenhos fraturas nas mãos
e um cadáver escondido
no porão
me costuraram a boca
e admirei o voar as palavras
tão descordenado
que me atropelava


tão debochadas como borboletas
que acabaram de romper o casulo
loucas e irrequietas
a cena tão surreal
para completar
dei em mim mesma um murro
e um farto urrro


Deixa levar
fabrica asas de sonhos
os malditos têm sede
de caminhos medonhos


Me dá um beijo
desses, de Bela Adormecida
que eu prometo
minha cabeça numa bandeja oferecida

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Desculpas de um escritor desconhecido para manter seu espaço na internet

Quando eu era estudante do segundo grau, às vezes um engraçadinho chegava na porta da sala e dizia: "o recado de hoje é: hoje não tem recado".
Pois hoje só postei esse texto pra avisar: hoje não tem texto.
Fiz uma cirurgia na retina e, se meu médico e minha esposa descobrem que estou mexendo no computador, acabam coma retina que sobrou. No meu caso, não posso ler nem escrver, porque o movimento dos olhos prejudica o resultado da operação.
Bom, Deus queira que no próximo dia 16 possa novamente postar um texto de verdade aqui.
Abração a todos.

Iniciação




- Não se preocupe, saliva não engravida.

sábado, 10 de novembro de 2007

simples

E no fim das contas eu acho que não quero morar mais em lugar ninhum

Mas se ocês quisé

A gente podia ir morar tudo num balão

Daqueles grandão que leva 80 dias pra rodá mundo

E na noite de reveillon,

Nóis pode seguir o fuso-horário

Deixando a trilha de fogos trás da gente

Só pra passar um dia inteiro

Na meia-noite.

Toda manhã depois do café,

A gente esvazia no ar as migalha de pão

Só pra mudar a rota

Da migração dos pássaro.

E em dia de tempestade e de truvão

A gente fecha as lona da cesta

Que é pra chuva num entrá

E nóis acende uma lamparina

Que é pro povo lá embaixo

Achá que nosso balão já foi

de festa junina.

Em vez de lastro d´areia

Nóis pode usá purpurina

E fazê chuvê

as chuva mais bonita…

E se num tive nada mió

Pra gente fazê lá no céu

Nóis dobra um milhão

E duzentos

Passarim de papel.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

CUENCANA

Esqueci o futuro
e o que batia era o corpo
enquanto o coração, parado,
longe de estar morto
não compreendia o próprio estado,
só lhe era claro o escuro.

Assim era, de tristeza e bondade,
o que se servia a meu prato,
o mais rico do mundo e já farto
de antecipada saudade.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

(...)



Acordara cedo. Entrara para o banheiro em silêncio. Um silêncio oportuno. Quando deu por si, ouvia a voz de Eleonor à porta, “Vai sair daí logo ou vai ficar esperando a morte chegar, pai?..” Permaneceu sentado na privada, com as mãos empalmadas ao rosto. Não respondeu nada. Não dera sequer um suspiro. Pensava nos anos que passaram logo. Nos filhos que cresceram e partiram. Na mulher que já fora desta para uma melhor. Seu olhar não espelhava esperança, afinal, o quê que um velho como ele quereria da vida a esta altura do campeonato? Eleonor voltou à porta e disse, “pai, vem tomar o café antes que esfrie... estou saindo para o trabalho, tem pão no pacote sobre a mesa e a manteiga já está lá... estou indo... vê se melhora esse humor!” Alberto pôde ouvir seus passos se distanciando na escada. Saiu do banheiro, pegou o vinil preferido. E, foi direto a faixa que mais gostava. O quarto se encheu de uma melodia que era capaz de tirá-lo do chão. A canção o transportava. “Cavalleria Rusticana” era sem dúvida a melhor composição que já ouvira. Uma profunda melancolia tomava conta dos acordes. Nessa profusão de instrumentos, o que mais lhe fascinava eram os gemidos do violino. Gemidos de ferir a alma. Deitou-se na poltrona. Fechou os olhos e viajava em cada compasso. O corpo estremecia numa compulsão de adolescente que conhecera o beijo. Levantou-se. Foi até a janela do apartamento e observou a cidade que se agigantava diante de seus olhos. O vai e vem dos automóveis na rua deixavam-no confuso. “Há tanta beleza aí fora...” – pensou seduzido pela música. Foi ao banheiro. Lá, ao espelho, observou os poucos fios de cabelo negros que lhe restavam. Tocou a face com a delicadeza das mãos, trêmulas. “O que era agora, senão um velho? Um ‘Sô Zé’ qualquer que ninguém imagina existir?” Talvez fosse alguém se houvesse realizado alguma façanha. Imaginou-se maestro daquela orquestra que ecoava pelo apartamento. Imaginou-se poeta, inventor de uma nova técnica estética, precursor de uma nova forma de fazer arte, mas era apenas um ‘Sô Zé’. Não tinha nenhuma noção do que era vida além dos portões da fábrica. Vivera todos os seus anos apertando botões, parafusos, arruelas e porcas. Como saberia o que é estética, poesia ou arte? O que poderia era apenas voltar à poltrona e ouvir em silêncio a canção que mais lhe aprazia. Talvez um livro acalmasse-lhe os ânimos. Diante da estante de Eleonor ficara embasbacado com o tanto de livros que não lera. Muitos nomes, títulos. Pegara o primeiro livro que sua intuição ordenara e abrira em uma página oportuna que dizia: “Quando o rapaz voltou, o velho adormecera na cadeira e o sol pusera-se já. O rapaz tirou da cama um surrado cobertor da tropa e lançou-o sobre as costas da cadeira e os ombros do velho. Eram ombros estranhos, ainda fortes apesar de muito velhos, e o pescoço era ainda forte também e as rugas não tão evidentes quando o velho dormia e a cabeça lhe pendia para frente. A camisa dele havia sido remendada tantas vezes que era como a vela, e aos remendos, o sol os desbotara matizadamente. A cabeça do velho era, porém, muito velha, e de olhos fechados, não havia vida no rosto. O jornal estava pousado nos joelhos, e o peso do braço segurava-o da brisa da tarde. Estava descalço."(1)
Sentira um calafrio. Porventura pegara um livro que falava do que estava sentindo. Ao imaginar a figura adormecida na cadeira, olhou para si mesmo. Espalhava-se pela poltrona como se a despeito das coisas nada pudesse atingi-lo. A canção se perpetuava no aparelho de som. Uma constante repetição de acordes, agora sem sentido. Levantou-se. Foi ao espelho e, com uma navalha começou a fazer a barba. Pensava em um homem descalço e com frio. Um homem que poderia ser ele, nos confins de qualquer lugar bem longe daquela monotonia. Não seria monótona a vida diante do mar? Solitário, sem amigos? Mas como assim? Nada poderia ser pior que viver em uma torre de marfim, isolado do mundo, isolado da vida e das pessoas. Ouvindo apenas as rusgas de Eleonor que em dias de fúria é pior que uma megera indomável. Terminara a barba e, decidido desceu as escadas, tomou café e, saiu pela porta da cozinha com o saco do lixo nas mãos. Alguns minutos depois, de volta ao apartamento desligara a chave do gás. Subira ao quarto e, sobre a escrivaninha se debruçou. Suas mãos trêmulas se puseram a escrever. Ficara por mais de meia hora escrevendo longas linhas que não escrevera a vida inteira. Em um envelope pardo colocara as folhas, deixando-o sobre a mesa. Aumentara o volume do som. Abriu a janela da sacada, olhando os transeuntes que diminutos caminhavam apressadamente. Despediu-se de tudo. Olhou distante, o horizonte a perder de vista. Caminhou até a porta do apartamento, enquanto a orquestra executava um allegreto. Desceu as escadas, parou um táxi e decidido disse: “quero que me leve para dar uma volta pela cidade, leve-me aos pontos mais interessantes, aos parques, museus, teatros – e, antes que partamos uma ressalva, preciso voltar antes das seis – senão minha filha, a Eleonor, briga comigo – ah... outra coisa! Quero ver o mar...”

(1) trecho do livro: “O velho e o mar”, Ernest Hemingway.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Sereia

Quase como uma lenda “perdida para todo o sempre”, a Sereia não deixava de se tornar tangível, a fim de provar que tudo era mentira aos olhos dos céticos. Ela dava grandes saltos de dentro d’água para a pequena plataforma construída na praia por ela mesma. Ironicamente, todos que passavam diante do tal lugar, ignoravam por completo a sua performance. Não havia motivo então, para tão apaixonado trabalho de marketing pessoal.
Sem se sentir derrotada, resolveu contratar a assessoria de um antropofilos, na esperança de ter seu talento e realidade reconhecidos pelos humanos. E assim, o tal intelectual, deu cabo de seu “plano de medidas extremas”.
Em apenas uma semana a praia estava lotada de pescadores para ver a Sereia.
Muito curiosa, perguntou ao profissional, como havia conseguido tamanha façanha. No que ele respondeu:
- Não basta que você salte 100 vezes por dia para fazer com que o povo te reconheça, é preciso dar um bom motivo para eles.
- E que motivo foi esse? Perguntou a Sereia curiosa.
- Eu apenas disse a eles o que não fazer!
- Como assim?
- Eu coloquei uma placa dizendo: PROIBIDO PESCAR!

domingo, 4 de novembro de 2007

A solidão não é só




"Antes só do que mal acompanhado"

No mínimo, um infame ditado...

Pois a solidão nunca me é só,

Ela me vem sempre mal acompanhada


Augusto Sapienza

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Lançamentos


O oco e o homem

A parte "He" da trilogia poética de Larissa Marques.

" O homem que se quer livre 'vomita Euclides da Cunha' é 'como se fosse o único a ver, a sentir, amar e perder'. Acha-se mito. E é onde se engana. Larissa é simbolista, modernista, dizem que Balzaquiana, mãe, afogada como ‘eu-poeta’ pela repetição em eco do comum das coisas - brasileira; todavia, consternada frente ao marasmo da existência, do mundo como embuste, do homem como um câncer, como máquina sensual (objeto de transcendência), prostituído, a poeta é precavida contra o ‘lirismo que não é libertação’. "
Com capa de Aline e prefácio do acadêmico Muryel de Zoppa, O oco e o homem já está à venda!


Infernos Íntimos

Parte "She" da trilogia poética de Larissa Marques.

"Eis que o fenecimento nos encontra no exato momento em que nos encontramos conosco e/ou com a nossa consciência. A incompreensão dos dias e a certeza da morte nos revelam o nada que habita dentro de nossas cabeças: um cérebro ou uma alma? Continuaremos mal compreendidos até quando? Até revelarmos o que de mais íntimo existe em nós, mesmo estando conscientes de que toda a timidez e nudez sejam por si reveladas no cerne de tudo que externa a essência humana?"
Com capa de Aline Castro e prefácio do historiador Túlio Henrique Pereira, Infernos Íntimos já está à venda.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A tentativa de compreensão do mundo me escapa,
Já tentei expressar esse absurdo cognitivo
Mas palavras parecem ambíguas, sem signo,
Por vezes levianas.
Como dizer grandes ou pequenas palavras
Se elas por si só se ferem
Por não serem livres, por não serem nada e tudo.
Alguns julgam usá-las com maestria,
Outros continuam conjuga-las em suas vertentes,
E transmutá-las em seu sentido até a exaustão,
Inutilmente.
As palavras dão margem a subjetividade,
Aos olhares múltiplos
Às verdades tênues.
Serei sempre um incompreendido,
Sábio e ignorante, por não saber, sabendo.
Julgo minhas tentativas,
Meus poemas,
Que nada mais são que coitos interrompidos
Na ânsia do gozo do entendimento.

sábado, 27 de outubro de 2007

Rubicundo e Nauseabundo - Mancômunos Manicômonos


Sexta-feira santa. Meio-dia. Sol a pino. Rubicundo passeia tranqüilamente com seu cachorro imaginário Red Rex no Central Park. Logo após o chafariz em forma de anjo mijão, encontra-se casualmente com Nauseabundo, mal divisado em meio à profusão de moscas varejeiras. Estacam, entabulando breve colóquio:
- Dr. Nauseabundo, há tempos não o vejo! Noto que continua o mesmo velho decadente fedegoso. Ainda na Política?
- Não mesmo, caro camarão. Aquilo fede. Podridão por podridão, fico abaixo do chão.
- Voltou a limpar esgotos?
- Não. Cavo poços. Às vezes, covas. E V. Exa., nos circos da vida?
- Negativo. Vida de palhaço é muito triste. Ninguém mais ri. Palhaço só chora. Ademais, criança é bicho mal.
- Ah. Que pena. Gosto de circo. Uma vez trabalhei num. Limpava a jaula dos elefantes. Aprendi que a similitude, o ponto de aproximação, entre o homem e o elefante consiste no poder altamente elevado que ambos possuem de produzir merda.
- É a mais pura verdade... Interessante isso.
- O quê, Rubicundo?
- O destino. A providência, talvez. Pense comigo: hoje é sexta-feira santa, o sol está a pino porque são doze horas, não posso caminhar neste horário devido a meu problema epitelial, contudo, justo hoje, decidi mandar às favas as recomendações médicas. Daí, encontro você, que não via há meses. Falamos de política, podridão, futum, poços, esgotos, sepulturas, circo, elefantes, palhaços, homens e merda. Não é genial?
- Sei não, amigão. Acho sinceramente que não deve mais contrariar seu dermatologista.
- Porra, Nauseabundo, o fedor afetou seu cérebro? Não percebe o que acabamos de fazer? Filosofamos a mais pura e profunda filosofia.
- Continuo sem nada entender, ínclito Red Bull.
- Tá. Tentarei ser mais claro. Nosso diálogo contém oito substantivos concretos e três abstratos, o que perfaz um total de onze vernáculos, número cabalístico que significa o infinito, o etéreo, a deidade.
- Caralho, definitivamente, o sol derreteu seus miolos.
- Topas um experimento exemplificativo de minha teoria, nobre mal-cheiroso?
- De fétido e de louco, todos temos um pouco. Manda.
Horas depois, tremendo corre-corre, os evangélicos em dabandada, atropelando-se uns aos outros. Nave balouçante. Balbúrdia. Gritos.
- Abriram as portas do Inferno! - alguém bradou.
Rubicundo, coberto de bosta, fita Nauseabundo - que a despeito da rubra tinta sobre o corpo continuava fedendo mais que o amigo - olhar altivo satisfeito, sentencia:
- Viu só? Não falei? Debandada na abadia. Filosofia cabalística. A religião nos limites da simples razão. Somos merda. Somos Deus e o Diabo. Somos uno.
- E fedemos mais que a morte.
- É isso aí. Agora você entendeu.
- Entendi.
- Vamos sacramentar?
- Como?
- Eu cago, você mija. Eu arroto, você peida.
- Putz, já é.

Carlos Cruz - 25/08/2007

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

PÃO E POESIA


Cristo de Robert Lee Jones



Problemas da poesia contemporânea, parte 1


Não é de hoje que a poesia tem se distanciado do público leitor. Não bastasse vivermos num país que pouco lê, há ainda, por sua vez, uma onda de poetas tomados de aversão ao leitor. O problema é sistêmico. Não há verbas para educação. Para a cultura, muito menos. A iniciativa privada, iletrada, dotada da visão mais selvagem do capitalismo, está disposta a colaborar em troca de lucros, de marketing, de maior visibilidade diante da opinião pública. A poesia que não vende, que não pode ser alvo da mais-valia, vai perdendo espaço para a auto-ajuda, sobretudo a místico-empresarial, para a vernissage produzida sobre encomenda para a coluna social – abstratos prêt-à-porte, enfeites para sala e cozinha; reminiscências pequeno-burguesas sobre os ares da Dysneilandia, e a exaltação do estado de tolerância zero nas mãos de Rudolph Giuliani.
O apego formal, a busca de uma construção rigorosa, a abolição dos sentidos, do discurso, são partes importantes no processo que está em curso e que visa tão somente expulsar a poesia da vida das “pessoas comuns”. A poesia deixou de dizer algo, para se tornar algo. Artigo de luxo, incompreensível, que tem por finalidade ser objeto de admiração para iniciados. Numa sociedade que abole o lúdico e que trancou Dionísio no porão, a poesia feita de poetas para poetas é um experimento laboratorial com um fim em si mesmo. Não serve para nada, a não ser como experimento laboratorial.
O que mais soa constrangedor nessa pretensa “nova poesia” é a aura que se defende de novidade. Não há nada de novo no front. É, quando muito, mais um retorno ao passado clássico, como houve com o Arcadismo, com o Parnasianismo, com a Geração de 45, e assim por diante. Hoje, o foco escapa “do que se diz” sendo de importância apenas “como se diz”.
Por outro lado, é bom ressaltar que não se trata – não nos enganemos – de um culto ao hermetismo de Salvatore Quasimodo ou Marllamé. Ainda que haja, sobretudo a respeito de Marllamé, uma enorme veneração, essa safra de poetas está mais próxima do acaso criativo de Jackson Pollock. Marllamé, como já foi devidamente observado por José Lino Grünewald, era antes um “autor exigente” a um “autor difícil”. O que temos no ar viciado dessa nova safra são autores apenas difíceis. Não possuem o trabalho de signos de Marllamé, muito menos a lapidação que possa revelar a idéia escondida no fundo do poema. Grosso modo, a estética – dos cosméticos – impregnou as páginas dos livros.
Retirar os méritos do Concretismo, por exemplo, ao ambicionar expulsar o elemento discursivo da poesia não é o caso. Até mesmo porque há, nessa ousadia, um momento onde o verso foi repensado. A possibilidade do debate, a abertura da discussão é sempre válida. Sobretudo no tempo onde impera a visão unilateral da mídia e a exaltação do monologismo dos sectários. Mas crer que a experiência concretista é o modelo único e correto já é outra coisa. Filiando-se a uma tradição de pensamento, o autor estará, por sua vez, excluindo as possibilidades de outras tradições. A experiência de vanguarda, nesse caso, é ainda útil e legítima, desde que diluída, assimilada a outras possibilidades.
O mundo é novo a cada segundo. A velocidade das mídias, o intercâmbio de culturas só exigirá uma poesia nova, que esteja a par de tais mídias e compreenda a dinâmica desse mundo. Mas o que se tem é uma poesia artificial, que flutua dentro de uma bolha de isolamento, respirando apenas nas páginas dos dicionários, nos manuais de transgressão etimológica. Já é mais que sabido que a “poesia destituída da realidade social não vale mais que um saco de alpiste”, como já foi dito no Manifesto Potencialista.
A incapacidade de compreender o mundo, ou o que Marx chamaria de auto-alienação, pode explicar essa onda de poetas que acreditam que Fukuyama estava, em absoluto, correto ao decretar o fim da história. O mundo está pronto e compreendido, e o capitalismo já é um estado permanente e irreversível. Resta então, para esses, uma poesia que não esteja vinculada com o que acontece a sua volta, posto que nada, em tese, acontece.
Convén voltarmos a Marx, que demonstra que não basta, por sua vez, simplesmente interpretar o mundo, e sim modificá-lo. Mas isso já seria pedir demais para uma geração que voltou ao vaso grego, vazio.

***

CONVITE!

“A revolução trará não somente direito ao pão, mas também à poesia”

Trotsky


Camaradas, Diovvani Mendonça, do blog Poeminhas para matar o tempo e a dor de dente http://www.diovmendonca.blogspot.com/ está a frente de um projeto muito bacana, que se chama Pão e Poesia.

O objetivo deste é publicar autores novos, nos saquinhos de pão. A loucura poética circula inicialmente na cidade de Contagem, na grande BH, com tiragem de 300.000 embalagens!
O movimento recebeu adesões importantes. Há uma forte participação de autores portugueses, que levarão a idéia para as padarias lusitanas.
Quem sabe o próximo passo não seja lutar para incluir livros na cesta básica?
Interessados podem enviar os seus poemas - até 30 de novembro - para o seguinte e-mail:
pao.poesia@yahoo.com.br

Os trabalhos selecionados serão impressos em embalagens de pão distribuídas por toda a cidade!
Abraços e bom café da manhã a todos!



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terça-feira, 23 de outubro de 2007

Lascívia



Foto: Cristye

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Eu não via o seu rosto
_ ele estava mergulhado entre as minhas coxas_

Não beijei sua boca
_ ela estava ocupada me beijando os lábios...
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(Marla de Queiroz)
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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Três passos para uma guerra

I - O NEONIILISMO
Tempos de pensamento único. Entretanto disfarçado, maquiado, siliconado, sedutor. Ele se apresenta: “Nunca houve tamanho fluxo livre de idéias e saberes.” Mas então qual o motivo de tantos concordarem? “Porque é o sensato a se fazer” - responde. Mas isso é somente o cinismo da mentalidade hegemônica, que aprendeu a tudo absorver e anular. Então, ele adverte: “Não há mais espaço para revolução. Os que conseguirem se manter menos contaminados pelas idéias dominantes se tornarão outsiders, figuras periféricas vistas como párias, loucos, incompetentes, improdutivos, inadequados, irrelevantes.”
Por isso, a sensação de impotência frente a um mundo que parece permanecer impassível aos protestos, às críticas, ao inconformismo. Assim, as revoltas vão sendo abortadas antes de tomarem forma. O desânimo atinge o peito e as potencialidades de idéias livres são sufocadas. As melhores mentes e os espíritos mais sensíveis de nosso tempo são empurrados para um neoniilismo, e este é um terreno instável e perigoso; berço da violência dirigida ao próximo e a si mesmo.

II – AS MÁSCARAS PARTIDAS
Só que até a sensação de impotência nada mais é do que produto dessa indústria que nos traga. A história mostra que, um a um, cada paradigma inquestionável foi violado e humilhado quando o tempo certo chegou. Nada do que criamos é eterno. Tudo é mutável e frágil, por trás das impressionantes máscaras. Fortes não eram os impérios teocráticos, as propriedades feudais, a razão eurocêntrica ou a “superioridade” ariana. Forte é o homem que criou cada uma dessas terríveis fantasias, pois só ele tem o poder de destruí-las.

III – O CAMPO DE BATALHA
Se a ditadura do mercado, se a indústria onívora, são criações humanas, então não somos nós que temos que nos ajoelhar. O discurso onipresente, que a todo custo busca nos aliciar ou esmagar, sempre apresentará a realidade como forte e estruturada demais pra ser combatida. Mas isso é mentira. A mentira que sustenta a dominação de tão poucos sobre tantos. Que ao nos calar nos torna cúmplices. Que turva a visão, nos fazendo apontar dedos acusatórios para as vítimas. Mentira que nos torna assassinos. Culposo ou doloso, não importa, é crime de morte. Temos mais poder em nossas mãos do que querem que acreditemos. Cada recusa tem seu valor, cada ato tem sua conseqüência. Pequenas rupturas podem provocar impensáveis deslocamentos. Um dia uma negra se recusou a ceder seu lugar em um ônibus. Um dia um jovem judeu alemão transformou filosofia em arma. Um dia decidimos dizer não; deixamos as mãos sujas de sangue, pois acordamos para o fato de que lavá-las, como sempre fazemos, é ato abominável e covarde.

domingo, 21 de outubro de 2007

O menininho na Rua das Flores no Bosque das Emas depois da curva inesperada do esquecimento


Havia um menininho ali, parado. Observando o dia como ninguém nunca o fizera. Parecia compreender ou ver o que ninguém tinha visto antes. Era um menininho de olhos grandes, lacrimejados e corpo franzino, e era belo por isso. Por ser ele, peito intumescido, boca ávida, lágrimas estancadas em olhos imensos e negros... imensos olhos com íris negras.

Ele não parava de olhar o vão do dia, apenas via o que ninguém via. Havia certeza em sua visão, verdade maior que o tempo que se exauria e ninguém mais. Ele era só um menino sem educação, mas único, cheio de mundo e de sutilezas na porta de uma casa de barro ornada de flores, flores lindas e vermelhas num contraste límpido com sua pele preta e tenaz. Sob o forte sol do meio dia e o pó das ruas descalças.

A janela de madeira corrompida, entreaberta e o portal denunciavam cupins deixando explícita a harmonia entre aquele menininho, sua mãe e seus amigos. Amigos noturnos que não presenciavam o dia. Mas lhe traziam sonoridades para o seu ninar cansadinho e fúlgido na noite que de vazia nada tinha.

O menininho escapuliu um riso tímido dos lábios ávidos. Trouxe alegria da alma que enxergava a vida no vão. Fantasiou o dia obstante como água de chuva em dia de verão. Fez chover nos olhos a incerteza do estado presente entre a esquina e sua casa à esquerda da Rua das Flores no Bosque das Emas depois da curva inesperada do esquecimento. Lá... naquele dia, no começo da tarde.

sábado, 20 de outubro de 2007

Poesia pra auto-consumo





Os meus melhores versos surgem quando estou mais desligado
Quando estou, como se dizem, fora de mim.
Os melhores versos, às vezes apago
Às vezes esqueço
Outras vezes nem os escrevo,
Seja pela imprudência da mão que não obedece a memória ou
Seja pela minha imprudência que desvirtua a idéia
Os meus melhores versos são simples e vêm acompanhados de versos piores
E antes de ver a palavra escrita, antes de ver as idéias afogadas em tinta,
Há o desejo de dizer o momento,
E isso faz de mim um escritor de versos tristes
Escritor de história incompleta e imaginação traída

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Sem volta


Não me encantas
Olhares distantes
No mundo desmoronado
De uma beleza fugidia
Em sonhos escondidos
Não me acalentas
Sorrisos desmanchados
Em rostos obscurecidos
No fim da chama
Dos dias solitários
Em que os ventos sopram
As faces do passado
Vagando pelo mundo
E nunca mais voltar

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Força e Fraqueza ou Poema 61

61

Deixem-me
Passem a fila adiante
E sigam sem olhar para trás
Ou sal se tornarão

Olho ao lado
Todos de mãos dadas, pares
Como não tenho ninguém a quem dar as mãos
Ponho-as no bolso; tem lá o seu charme

Deixem-me
Deixem-me ser omisso
Ao menos uma vez
Deixem-me ser fraco

Pois já estou cansado de ser forte
E num supremo momento de fraqueza
Em que se precisa ser forte
Nunca mais sofrerei de novo

P.S. Este é o poema nº 61 do livro ainda não publicado "99 poems to die"...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

REPRISE

Vinha o Fonseca andando no seu 0 quilômetro pela avenida W3 Sul, uma das principais de Brasília. Era um domingo, e o dito cujo pegara o carrão para dar uma volta pela cidade, e nada melhor do que a comprida e praticamente reta pista de não sei quantos quilômetros de comprimento, quase que deserta naquele dia.
Fonseca percorreu toda a avenida e entrou no Eixo Monumental, contornou a Esplanada dos Ministérios e resolveu entrar na W3 Norte. Mais ou menos na metade desse novo percurso, foi obrigado a frear: uma moça e três rapazes, um deles com uma câmera de vídeo na mão, estavam parados no meio da pista e pediram para que parasse, o que fez.
— Bom dia, amigo, tudo bem? — perguntou um dos rapazes.
— Tudo, e com vocês?
— Às mil maravilhas. Nós pedimos que parasse para pedir um favor, se não se importar.
— Sim.
— É o seguinte: somos alunos de cinema e estamos fazendo um exercício prático, entende? Teremos que filmar nossos dois amigos aqui ao lado (e apontou para um dos rapazes e a morena de um metro e oitenta, bermudinha, top combinando com as sandálias, cabelos compridos e belos olhos amendoados, pequenos detalhes que Fonseca percebeu naquele segundo). Bom, eles estarão representando um casal de empresários que alugaram o carro para conhecer a cidade, já que vieram de fora. O que acontece é que o seu carro é o modelo ideal que procuramos. Será que poderia nos ceder por alguns momentos? Rodaremos até o próximo retorno e aí voltamos. A filmagem será feita pelo câmera naquele carro, que eu estarei dirigindo emparelhado ao seu. Esse trabalho vai fazer parte de um filme experimental e teremos o maior prazer em colocar seu nome como colaborador.
Fonseca pensou um pouco e, no fim, achou que não haveria problema em ajudar aqueles pobres alunos. Além do mais, a possibilidade de forçar uma amizade com a tal morena o agradava. Aceitou a idéia. Mas ainda perguntou:
— Não poderia ir junto?
O rapaz parecia esperar a pergunta e respondeu:
— Sinto muito, mas sabe como é: nesse processo de criação a gente fica um pouco sem graça com pessoas de fora, entende? Preferimos que o senhor veja o resultado da gravação só quando o filme estiver pronto.
Fonseca concordou com rapaz e se posicionou no canteiro central da avenida. O rapaz que o interpelara e o outro com a câmera entraram em um carro de 4 portas (o da câmera ficou atrás filmando) enquanto o casal entrava no seu importado. Sua última tentativa de ficar mais próximo daquele monumento de pele cor de jambo não foi feliz:
— Sabe guiar esse carro? As marchas são um pouco diferentes...
— Não se preocupe. — respondeu o jovem — estamos acostumados com esse tipo de veículo.
E saíram.
Fonseca calculou que estariam de volta em 2 minutos.
Esperou três.
Quatro.
Cinco.
Ao fim de dez minutos, desconfiou de que algo estava errado e começou a andar de um lado pro outro. Após algum tempo, ligou desesperado pra polícia.
A viatura chegou logo depois e ele foi levado para a delegacia. Sentou-se de frente para o delegado e começou o seu relato. À medida que ia falando, tanto o delegado como o escrivão faziam uma cara de que já conheciam a história. E de fato: grupo de bandidos bem vestidos e de boa lábia fingiam ser estudantes de cinema e levavam pra uma filmagem que não acabava nunca os carrões de grã-finos, naturalmente cheios de amor pela arte (sempre havia uma bela morena presente).
Desconhecia-se contudo, se o filme passaria depois em terras paraguaias ou em alguma oficina de desmanche da cidade...
Ao terminar a história, ante o silêncio do delegado, Fonseca perguntou:
— E então doutor? Acha verdadeira essa história de filmagem?
E o delegado apenas respondeu:
— Sim, meu amigo. Eu até já vi esse filme...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007






Ó espaço pequeno dentro de mim!
Para viver serrada do avesso
Sufocada no atropelo
Catapulta de estopim


Imagem de mistério
Progamada no passado
Cozida no vapor
em chamas do pecado

Pega-me aos tapas!
Sou mesmo seu triste souvenier
Esquecida na prateleira
Outrora cravada em marfim


Não quero companhia
Esta noite sou meu par
vestida de corvos
Com a orelha de Van Gogh
Me convido a dançar
(imagem:Van Gogh com a orelha cortada)

domingo, 14 de outubro de 2007

Minha tia era um general

O nome da minha tia é Waltraut. Parece um castigo. Aos alemães é um nome para ser ostentado com orgulho. O problema de Waltraut, em relação ao próprio nome, é ter nascido no Brasil e residir no Brasil. Nasceu nos anos 20, do século passado. Filha de alemães imigrantes. Foi para a escola alemã. Freqüentava o clube alemão. O vizinho da frente era alemão. O da esquerda, alemão. O da direita também era alemão. Na mercearia comprava Reis, Bohnen e Zucker. Tudo em alemão. E o Herr Schmidt anotava em alemão a despesa na caderneta para a cobrança mensal.
Antes de prosseguir vamos para uma aula de alemão. A pronúncia do nome da minha tia é Váutraut. Com o último tê mudo. Repita comigo: Váutraut. Nem é tão difícil. Mas a aula não terminou. Reis é pronunciado ráis e significa arroz, Bohnen é pronunciado bônen e significa feijões enquanto Zucker é pronunciado tsúquer e é açúcar. Todas são iniciadas por maiúsculas porque substantivos, em alemão, são iniciados por maiúsculas. Agora podemos voltar à nossa tia. Ou melhor, à minha tia Waltraut.
– Quase esqueço de apresentar o Herr Schmidt. Herr Schmidt, leitor. Leitor, Herr Schmidt. Herr quer dizer senhor e Schmidt é tão comum quanto Silva ou Souza. Pronuncia-se hérr Chmit. Com tê mudo. Voltemos à tia Waltraut.
Ela era bonita, tinha postura ereta e voz firme. Se por um lado era elegante e ingênua por outra era determinada e inflexível. Quase uma caricatura.
Lá nos anos 60 ela pegava no pé dos meus primos, filhos dela. Queria que eles falassem alemão. Era mais do que natural que eles falassem português, como todo mundo. Na escola, no clube. Como o vizinho da frente e o do lado esquerdo. E o da direita também. Todos falavam português. Mas a tia queria que eles falassem alemão entre si. Irmão com irmão. Irmão com irmã. O cinto estalava no ar se um deles respondesse em português uma pergunta alemã. Tem que falar alemão! Dóitch chprehen! A minha tia era um general. E, generais não podem ser contrariados.
– Deutsch sprechen! – Fale alemão! – Ela ordenava em tom ríspido.
A prima mais velha já namorava escondido e ainda ouvia constrangida o ameaçador: – Deutsch sprechen!

O meu primo mais novo que devia ter uns sete anos também ouvia o Deutsch sprechen vinte vezes ao dia. Aquilo era uma lavagem cerebral. Tanto era, que um dia o menino estava brincando e se divertindo com o irmão e, de forma ingênua, perguntou para a mãe:
– Tenho que rir em alemão também?
Foi a libertação. Nunca mais a tia Waltraut ordenou que falassem alemão.
Mas meus primos nunca se libertaram de terem de comer espinafre, berinjela e chuchu. Tudo em alemão. É lógico.

sábado, 13 de outubro de 2007

Estou saindo do Manufatura

Por motivos éticos saio do Manufatura, mas não sem antes agradecer o espaço que me foi concedido esse tempo todo, nesse blog que considero um dos mais bem organizados do Orkut. Agradeço à mentora e principalmente aos colegas, que sempre me prestigiaram com seus comentários construtivos e sensatos.
A partir de hoje o dia 13 está a disposição.
Meu muito obrigado,

Beijos

Culpa

Cheguei cansada.
Colhi as flores
Murchas, coitadas,
Descoloridas, empoeiradas,
Pareciam mortas...
Reguei as flores,
Como sangue em carne viva,
Dilaceradas, de pétalas escorridas
No ralo da pia.
Não ressucitaram.

Agora vão me culpar por todas as queimadas da vida.

Me Morte

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

convite

"Segunda-feira próxima, teremos o nosso 21º Sarau, desta vez homenageamos os 3 maiores poetas vivos da literatura Brasileira: o amazonense Thiago de Melo, o Matogrossense Manoel de Barros e o sopro de vida poética que chega do Sul: o gaúcho Fabrício Carpinejar. O patrono deste grande momento será o pernambucano João Cabral de Melo Neto que há pouco nos deixou e que, para muitos, foi o maior poeta brasileiro. Tudo ao som das mais belas músicas de Caetano Veloso interpretada por cantores de gabarito como Salomão de Pádua, Virgínia Studart, Goya e Lúcia de Maria.
Como este Sarau é também uma homenagem ao dia do funcionário público, tudo indica que o Presidente da Casa, outros membros da Mesa e a Diretoria da Casa se fará presente.
Além disso, o tradicional COQUETEL que o Sindilegis nos oferece está especialmente caprichado.
A Escritora paulista Cida Sepúlveda, como pode ver no convite abaixo, virá lançar seu mais recente livro "Coração Marginal" editado pela Bertrand.
Por fim, os corajosos participantes do Desafio dos Contistas serão homenageados e haverá duas performances inesquecíveis de dança e violoncelo!
Um tremendo programa para sua segunda-feira, com a promessa de que será um Sarau bem enxuto, com apenas hora e meia de espetáculo!
Espero poder contar com sua presença e, se possível, pois queremos uma casa cheia para este Sarau mais do que especial, peço-lhe que repasse o presente convite para quem você achar que apreciaria um evento como este!
Posso contar com você lá e com a ajuda na divulgação?"
Marco Antunes
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- tai, marco, uma ótima divulgação num canal mais que competente! prestigiemos!

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

incerto

e que vidente irá abrir as entranhas de um peixe e ler, não o futuro, mas suas próprias vísceras?
e que astrólogo olhará para cima e enxergará, não deuses e feras, mas a perfeita cúpula azul que o guarda?
e que relojoeiro quebrará o relógio para consertar o próprio tempo?
e que cigana pisoteará os vidros de suas poções, sangrando os pés e se apaixonando pelo chão onde pisa?
e que cartomante virará as cartas cruelmente, sabendo que a sorte se decifra apenas nas costas de seu baralho?
e que quiromante, me vendo as linhas da palma, enxergará o fio rompido que era a criança que eu levava e que um dia,
no meio da praça,
soltou minha mão.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

domingo, 7 de outubro de 2007

Velhice


Na inquietude da metrópole,
sentado à beira da calçada,
lágrimas umedecem o olhar
taciturno de uma velhice.
Os braços que nada produzem
apenas sustentam, empalmados
ao rosto, a lástima alheia
que impiedosa tomou-me
de assalto em meu cotidiano
solúvel.

Esvaziei – me
desconstruí meu ego
me vi entregue.
Os Velhos Choram?
Crianças choram,
mas aquela velhice abalada
soluçava feito criança.
Não sei os motivos,
poderia abraçá-lo
como um filho a um pai,
poderia confortá-lo.
Simplesmente chorei
por minha incompreensão,
por olhar sempre meu próprio umbigo.
Por não pensar em que fim
sua vida se descortina,
sem saber que seus sonhos se desmoronavam
encharcados daquelas lágrimas.

A velhice chora
de saudade da infância,
dos tempos já vividos,
dos amigos que dormem
no passado.
Passa o tempo
e minha ruptura se refaz
na desconcertante rotina
que engoliu pouco a pouco
a imagem de um velho
que sentado à beira da calçada
lastimava sua vivência
em lágrimas que molhavam
seu taciturno olhar!

E, pouco a pouco,
vou envelhecendo!
.
.
.
(...)
Poema do livro: Itinerário Fragmentado (ainda no prelo).