terça-feira, 26 de junho de 2007

A mais linda figura escatológica.



Levava na cabeça cachos de fogo,
Entidade curupírica
De pés para frente.

Todos os dias, às dezesseis horas,
Final de expediente,
Tentava atocaiar Macunaíma
Na frente da biblioteca central
Do Estado maravilhoso da mente.

Mas Macunaíma sempre saia pelos fundos
E ia buscar abrigo lá na Rua Lopes chaves,
No Bairro da Barra Funda,
Casa do Mário de Andrade.

Restava-lhe fumar, cheira, beber cauim
E desatinar num esforço sobre humano
Para transformar-se em um curumim
Com asas de arara azul e bico de tucano.

Rumava em direção aos erês
Do afro samba.

Briga de valente!

Flechas, pedras, cantoria de viola,
Guerra de repente!

Quem fizesse o melhor mote decassílabo
Teria o direito de ir pescar com o pajé da aldeia Kraô
Em algum rio limpo de água corrente.

Mas o que queria mesmo, no interior da poesia ilógica,
Era morrer jovem para existir sempre.

Pensava ser melhor tornar-se mítica figura escatológica
Que um velho moralista engravatado e decadente.


(Tela de Tarsila do Amaral)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Iemanjá

Iemanjá

para Andréa Catrópa
.........................................
Virá

de fora

e

rasgará, a nado
o músculo
da água.

Transbordará (reino de Oxum)

cachoeira

num (como sobra)

lago da memória.

Até que líquida

ser bebida,

e incorporada.

Quando se for (para dentro),

água-fátuo,

deixar-se-á, um pouco,

à matéria

que

engolirá,

a seco,

o gole

do

santo.

domingo, 24 de junho de 2007

Soneto

      II
                                                          31/08/03
 Foto de Francesca Woodman

Nasci em um grande espasmo, num dia onze de setembro, enquanto aviões desnorteados cruzavam os céus de Manhatam para chocarem contra o corpo dos prédios. Mas minha gestação foi longa: o sexo que me deu o suspiro da vida ocorreu à sombra de uma cruz. Desenvolvi em um útero

que, aos trancos e barrancos, conteve-me – seja descansando às margens dos lagos de napalm em 45, no frescor dos arrozais devastados em 66, ou à sombra do muro, dos muros (entre gritos, disparos e murros) em 80. Em tantos outros muros e grades ainda de , fui a c a l e n t a d o.

Ao longo dos anos, passeei em belos carros-bomba; estive nas reuniões onde a mão riscava o mapa e a estratégia riscava o inimigo. Vinte anos fardados ditaram meu fardo. O leite que mamei na teta mecânica do mundo em ruínas me 

trouxe um gosto ruim à boca e privou-me do hálito de coragem. Não sou filho do carbono, da carne nem da fermentação de partículas e éter – sou filho da incompreensão, gerado no seio da noite e parido pela boca faminta da desgraça!



Do Livro Memórias à Beira de um Estopim, edição independente, 2005

sábado, 23 de junho de 2007

Página Virada


Foto: Sérgio Redondo

Dentro da aurora vaga,na hora exata da sonolência do sol
(naquele momento em que o olhar tranqüilo do ócio
amolece as manhãs como se fosse sempre outono)
desatam as mãos e desviam rapidamente o olhar em ruínas,
num rompante de rubricar com passos velozes
um fim.


No rodapé da página virada,um poema sangra lentamente...
*
*
*
Marla de Queiroz

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Liberdade burguesa

Você é livre

Para escolher

A cor das tuas cortinas

Dos teus tapetes

Dos teus cabelos

Da tua empregada


Você é livre

Para decidir se quer

Beber ou cheirar

Fumar ou injetar

Malhar ou engordar

Envelhecer ou se lipoaspirar

Comer ou dar

Corromper ou denunciar

Demitir ou humilhar

Socar ou abraçar


Você é livre

Para mudar

O canal da tua televisão

A marca do teu som

O tamanho do teu celular

Ou mesmo para determinar

Se quer versos livres ou rimar


Você é livre

Mas experimente

Distribuir e não vender

Pisar na grama e não no homem

Tentar entender

Perguntar o porquê

De comprar

De pagar

De vender

De calar

Vendo a polícia matar

O jornalista mentir

O advogado omitir

O juiz humilhar

A madame sorrir

Pelo acordo velado que a permite

Ser livre e lucrar

Você é livre?

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Nas tardes de outono eu acredito no amor

Você trouxe a esperança pra os meus olhos
Aquilo que a consciência falha nem lembrava mais
Trouxe a entrega que esperava que ninguém trouxesse
Assoprou no meu rosto o valor que existe ao ser tocado
O corpo frígido, lívido e tão pouco adorado
Você lavou a minha carne e salvou a minha alma da estagnação

Acho que acabo de sentir bem-estar
Acabo de ser arrebatado e ganhado a salvação
Você trouxe o eu que eu procurava entre tantos...
E que nunca encontrava, nunca encontrava, nunca... encontrava
Mesmo quando parecia ser exata a sensação de sobrevida

Algumas palavras quando faladas têm força incontida
Bastou que escrevesse algumas concordâncias pra eu acreditar
Que a vida é muito, além daquela velha idéia de definhar...
Esperando as árvores desfolharem no mês de setembro

Você trouxe a certeza que eu nunca quis ter
Sobre a possibilidade da infelicidade existir aqui
Quando acreditamos que nada pode durar, sem ao menos tentar
Sem querer ao menos sentir...

Você soube me olhar quando ninguém me via
E entender que esse meu jeito é meu mesmo, e que nunca será diferente
E você soube enfeitar os meus dias, fazer-me rir de você e de mim
Numa tarde incomum de outono, quando tudo acontece

A rua caminha
As garotas e os meninos caminham
As aves voam, e o pardalzinho se banha sobre a calha...
Enquanto você me olha desbravando alguns segredos contidos

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Âmago do Amor

Um dia insistiram para que eu classificasse as coisas
Isso é belo, aquilo é feio, aquilo é bom, aquilo lá é mau
Disseram-me que deveria amar as pessoas
Falaram-me de amores sem contra-indicação
Não me disseram que eu não poderia amar o amor do outro
Um dia eu saí por aí amando tudo
Descobri que amor também era dor
Daí, me doeu tudo
Odiei tudo o que amei e amei o meu ódio
Acordei no outro dia, perdoei tudo
Amei de novo, mas dessa vez não amei tudo
Também não odiei tudo
Descobri que havia coisas que eram dignas de serem amadas
Outras que eram dignas de serem esquecidas
Outras ainda que eu sequer suspeitava amar
Descobri que posso amar muito, mas nunca posso amar tudo
O amor é um sentimento egoísta, nós é que amamos,
Cada um na sua individualidade
O amor é sentimento para consumo próprio
Que deve ser compartilhado
Dividido
Mas nunca,
Nunca
Só.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Você



No ardido da minha boca
Você não sente o gosto
Distante do meu eu
Não há o que sentir

Nas lágrimas dos meus olhos
Você não vê o meu mundo
Perdido no seu eu
Não há o que sonhar

Na dor da minha pele
Você não percebe os meus desejos
Entre você e eu
Não há o que viver

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sonhos em alemão

Sem dúvida, sou apenas um andarilho,
um peregrino na Terra!
E vocês, são mais que isso?
J.W.Goethe


Descia a Paranaíba (ou seria a Araguaia?), quando notei que estava de óculos novos. Pelas lentes e formato da armação, vi logo que era um modelo caçador, Ray-ban origem. Legal, mas mesmo assim eu o tirei do rosto para me certificar, lendo por cima da barrinha de metal que fica no meio dos aros. Estava lá com todas as letras; um legítimo produto Bauch & Lomb, só que isto não me trazia a resposta de como aquele raio de treco estava comigo. Bom, pela curvatura do sol indicava que ainda estava bem de manhã, algo por volta das 09:00 h, o que me trazia apenas uma teoria: havia passado a noite na farra. Isto explicava em parte estar de posse de uns óculos que não sabia de onde vinha. Provavelmente estava com alguém que bebeu comigo, lógico. Mas isso não explicava onde diabos estava o meu carro. Será que eu havia sido louco o suficiente para trocá-lo pelos óculos? Merda, se for, vai ser muito difícil desfazer a troca, ainda mais se eu nem sei quem é o filha da mãe que me passou a perna. Talvez essa pessoa sinta o mesmo pelos óculos. Meu carro não é lá assim uma Ferrari e dirigi-lo é algo quase sobre-humano para quem não o conhece. Mesmo eu sou vencido algumas vezes por sua inegável vontade não de funcionar. Chevettão 84, cadê você??? Acho que quem está com ele deve estar fazendo a mesma pergunta desesperada pelos óculos originais. Dejavú. Sinto que já passei por esta situação antes.
Foi a mais ou menos uns cinco anos. Ou seriam sete? Tanto faz. Era um Sábado de manhã e estava chegando em casa. Entrei pela garagem e tentei achar a chave da porta, mas necas da maldita. No seu lugar havia somente o chaveiro da velha Belina do meu pai. Ela era cortada e todos achavam que era uma Pampa. Eu achava que era o máximo não ter que abastecer. Tentei me lembrar um pouco. Havia ido ao bar do Treta encontrar a galera para o mesmo roteiro de Sexta-feira. Cerveja, cerveja e mais cerveja. Ás vezes uma batata frita. Tomei todas, falei um monte de asneiras para umas garotas esquálidas que se achavam modelos, beijei a mais feia e fui deixá-la em casa, uma rua abaixo. Na portaria do prédio nos desentendemos por alguma coisa que não valia muito a pena e depois eu fui embora de táxi. Era isso! Havia esquecido a chave de casa no console da Belina! E havia esquecido a falsa Pampa na porta do bar! Agora era só pegar dois ônibus e voltar para buscar as chaves e de tabela, trazer o carro do velho antes que ele percebesse a cagada que eu fizera.
A lembrança deste episódio me fez achar mais uma peça do quebra cabeça... Onde será que esqueci o Corvett’s? Olhei em volta e o mundo se materializou em poucos segundos. Estava parado agora na frente de um posto de gasolina e só então me dei conta que segurava um pequeno galão na mão esquerda. Na direita havia um cigarro. Era um Benson & Hedges, o que provava que havia serrado de alguém. Cigarro mentolado sempre me dava ânsia de vômito de manhã. Dei um último trago (fissura, fazer o quê?) e o joguei fora, afinal tinha que entrar no posto e nunca entro num posto de gasolina fumando. Mania besta. Ou um pequeno resquício de auto-preservação. Pedi ao frentista para colocar cincão (era o jeito de fazer cinco reais parecerem dinheiro, diz no aumentativo e ele parece aumentar de valor) e depois voltei ao lugar que estava na entrada, pensando se descia ou subia a, agora reconhecida, Av. Araguaia. Como ela tem somente um sentido acima da Paranaíba, fiquei olhando os carros descendo em baixa velocidade, tentando me lembrar se havia feito este trajeto.
Só então me dei conta que uma meia quadra acima, havia um acúmulo de pessoas em semicírculo. Observavam um acidente, obviamente. Merda. Será que havia batido o carro e ainda saí para comprar gasolina? Me aproximei timidamente, tentando reconhecer os veículos e não deixar que ninguém me reconhecesse. Logo vi que isto era uma idiotice, uma vez que não sabia quem eram as pessoas no local, daí como iria me esconder de quem eu não sabia quem era. Entenderam? Nem eu.
Um Renault Clio havia enchido a lateral de uma Strada. A velha do Clio estava errada logo vi. Coisas de quem já trabalhou com seguros, departamento de sinistro. Bem sinistro. Notei que o estrago não era grande, e que o Chevette estava estacionado atrás do acidente. Mas por que algumas pessoas olhavam tanto para dentro do meu ferro velho? Ao chegar na frente do pára-brisa, descobri. Havia uma loira ma-ra-vi-lho-sa deitada no banco do passageiro. Ponto. Descobri de uma só tacada de onde havia vindo o Ray-ban original e o cigarro. Agora só faltava saber o que aquela diliça estava fazendo dentro da minha caranga (e se eu realmente havia trocado os óculos pelo carro).
Coloquei o combustível no tanque, pedi um cigarro a um dos curiosos e depois entrei no carro para tentar dar partida no motor. O curioso arregalou os olhos ao me ver sentar ao lado da princesa adormecida. Senti o calor da inveja me atravessar o peito. Um pouquinho de sol também. Tirei a jaqueta e a joguei no banco detrás junto com meia mala de roupas que sempre estava por ali. Bombei o acelerador olhando para a loira e rezando para que o motor funcionasse. Ele expirou, tossiu e morreu. Tentei de novo e ele soltou um estouro. Parecia que estava acordando de mau humor. Nisso a bela desacordada se remexeu no assento (ufa, ela estava viva!) e disse algo ininteligível. Tentei entender o que era, mas parecia que ela falava outra língua. Repetiu agora um pouco mais alto e tive certeza que era outra língua. Mas, raios, que merda de idioma era aquele? Já havia ouvido algo parecido em algum filme, mas não sabia dizer qual era o título, nacionalidade então, lhufas.
O braço dela deu uma leve guinada derrubando a bolsa no assoalho, deixando cair uma porrada de coisas que estavam dentro. Havia o que eu audaciosamente julguei ser o básico em uma bolsa de mulher: batom, espelho mil e uma utilidades, uma caneta, carteira, algumas argolas, brincos, um celular descarregado, um tampax salva-vidas e um passaporte. Peraí. Passaporte ? Tava explicado o/a Haustfaguen que ela falou. Ela era gringa. Só restava saber de onde. Nem precisei abrir o dito cujo para saber. Na capa, embaixo de um engarranchado total vi uma palavrinha que respondeu tudo. Deutschland (lê-se Doitiland). Alemanha. Era uma conterrânea de Goethe, Bukowski, Hegel, Beethoven, Maquiavel e do Bruce Willis. Não, Maquiavel era italiano. Bruce Willis, o ator, nasceu na Alemanha, sim senhor. Bruce Lee, o lutador, nasceu em São Francisco. Estranho, não? É igual Fabérge, que era russo e todos pensavam que era francês por causa do nome.
Tudo bem. Nacionalidades a parte, isso não explicava a pergunta mais importante: quem era aquela gata e o que ela fazia no meu modesto, humilde e desligado carro. Outra vez puxei pelos cacos da memória para tentar explicar o até agora inexplicável. Veio devagar no começo, mas depois brotou tudo na mente. Ela é alemã. Gênio. Isso eu já descobri. Fazia intercâmbio cultural. Sensacional. Quase todas as estrangeiras que havia conhecido também eram. Eu a conheci ontem, em uma festa da faculdade, lá na casa do professor Pedro. Ela também havia estudado um pouco de filosofia na terra dela (quer filosofar? Vai pra Alemanha) e como eu, também havia bebido todas. Essa foi a parte em que nos encontramos. Trechos de alemão pra cá, migalhas de inglês de segundo grau para lá, um quê de português com sotaque e voilá! A gata tava no papo. Decidimos esticar a noite, ou seria a madrugada? Sei lá. Só sei que no meio da Araguaia, agora faz sentido, o maldito carro morreu de inanição. Ou sede se preferir. Após um cinco minutos de amasso, ambos embriagados, alguns vômitos pela janela, intercalados de beijos, sobre o freio de mão, desmaiamos romanticamente sujos e quase abraçados. A tal batida, de manhã, me acordou. Pequei o galão no porta malas, os óculos e um cigarro dela e fui em busca de um posto, inapelavelmente bêbado e sem saber aonde estava, até que me dei conta e começar esta pequena investigação. Agora era só fazer o maldito Corvett’s pegar e voar para casa. Ainda dá para dormir o dia todo grudado na loira (qual é mesmo o nome dela?) e depois... Pensando nisso, olhei novamente para aquele quadro de Rembrandt, que era ela dormindo, mas alguma coisa ainda me martelava a cabeça e me deixava encucado. Mas o que seria? O carro, eu já estava dentro dele. A gasolina, no tanque. O motor não pegava, óbvio. A gata era gringa. A língua, o alemão. O que havíamos feito, quase nada. Ainda. Como a conheci, na festa da faculdade.
Ops... Festa da faculdade? Mas, eu tranquei a faculdade no semestre passado...
Olho para o teto. Teve infiltração durante as chuvas do final do ano passado e agora descasca em vários pontos. Levanto a cabeça e dou uma busca no quarto. Estou deitado sozinho, novamente. Foi um sonho. Caraca. Como ela era gata! Putz, se soubesse que era um sonho e que não teria muito tempo, teria feito o sexo mais louco do mundo, dentro do Chevette, no meio da Araguaia e em frente de uma multidão de curiosos. Goethe morreria de inveja, se já não estivesse morto.

sábado, 16 de junho de 2007

Crônicas de viagem: Itabira e Cordisburgo

Crônicas de viagem: Itabira e Cordisburgo
Este mês quero compartilhar com vocês experiências literárias que tive nessas duas cidades mineiras, esperando que outros amantes da literatura façam as malas e possam também deliciar-se nesses cantinhos de Minas.Pra quem não ligou o nome à pessoa, explico: Itabira é terra natal de Drummond; Cordisburgo, de Guimarães Rosa.Itabira, localizada a uns 150 km de BH, tem sua força econômica baseada na produção de ferro (leia-se Vale do Rio Doce), mas todos que visitam a cidade não ficam indiferentes a presença de Drummond em suas ruas.O poeta nasceu em 1902, em uma casa na área rural, décadas atrás desmontada pela Vale do Rio Doce, que descobriu uma jazida na região. Isso mesmo: a casa foi desmontada, não demolida. Recentemente, foi reconstruída em outro ponto da cidade.A iniciativa mais interessante, porém, foi a criação de um museu aberto sobre o poeta. Quem conhece sua obra sabe que Drummond escreveu muito sobre as pessoas e coisas de Itabira. Hoje em dia, mais de 40 placas de metal estão espalhadas em pontos da cidade que inspiraram o poeta. O famoso poema "José", por exemplo, foi inspirado em um fato protagonizado pelo irmão de Drummond, em um casarão da família. O casarão virou o Hotel Itabira, e na frente dele está o texto do poeta, eternizado em uma placa.A cidade disponibiliza para seus visitantes um mapa com a localização de todas as placas, e um passeio pelas suas centenárias ladeiras, becos e casarões é realmente imperdível.Pra coroar sua estadia em Itabira, vale uma visita ao Memorial Carlos Drummond de Andrade, projetada pelo seu amigo Niemeyer e localizada em um morro com vista panorâmica para a cidade.A pequena Cordisburgo, a uns 70 km da capital, é muito conhecida por abrigar a belíssima Gruta de Maquiné, e também por ser berço de um dos maiores escritores brasileiros. A casa onde Guimarães Rosa nasceu, localizada bem próxima a estação ferroviária, transformou-se em museu, com objetos pessoais e livros do romancista.Na parte da casa onde o pai do escritor mantinha um "secos e molhados", vendem-se hoje livros do escritor.Outra iniciativa digna de aplauso foi a criação do grupo Miguilim, de contadores de histórias. Todo o dia, no museu, jovens carentes servem de guia e também declamam trechos inteiros de textos do grande Rosa. Bela iniciativa que ajuda economicamente os jovens e incute nos mesmos e nos próprios visitantes o interesse pela obra de Rosa.
Então é isso: boa leitura e boa viagem!

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Paciência


Estou cansado, exausto. O trabalho aqui na repartição não é para qualquer cidadão. Eles colocam estas máquinas fantásticas à nossa disposição e agora que a gente pega o gostinho de jogar paciência ficam nos interrompendo a toda hora.
Aliás, a paciência modificou totalmente o relacionamento entre os funcionários. Nos bons tempos tínhamos longas discussões produtivas. Discutíamos a importância do sal marinho na dieta dos esquimós residentes à margem esquerda do estreito de Bhering, questionávamos acaloradamente o desperdício de espaço nas caixas de fósforos, que poderiam conter cinqüenta fósforos ao invés dos quarenta e cinco anunciados, fazíamos mesas redondas visando determinar a idade em que as crianças devem ser ensinadas a dar nó no cadarço do tênis, reuniões infindáveis a respeito da influência da escultura barroca no formato do pão francês, contendas incríveis para descobrir o número de notas musicais do canto do uirapuru logo após o acasalamento.
O único questionamento que faz sentido é de um colega do quarto andar que está circulando abaixo-assinado, exigindo adicional de insalubridade devido ao alto grau de adrenalina liberada pelos praticantes de paciência, ou seja, todos aqueles que têm um micro à sua disposição. A justificativa do colega é muito bem embasada porque tem duas justificativas: a primeira é intrínseca à própria emoção causada pelo jogo em si, mesmo quando não envolve apostas em dólares e a outra justificativa é a emoção do escondido o que faz com que cada funcionário esconda do outro a prática do esporte.
– Tá à toa, von Silva?
– Nada. – Mudando agilmente a tela para um gráfico de barras multicolorido. – Estou traçando um paralelo entre a variação do preço do barril de petróleo e o consumo de alface entre a população carente.
Por outro lado, a chefia também vive momentos de altíssima adrenalina por conta da paciência.
Imagine a situação: o poderoso chefe está concentrado deslocando um sete de paus sobre um oito de copas quando de repente, não mais que de repente, a porta se abre e inadvertidamente entra o subordinado perguntando qualquer coisa – subordinados nunca fazem perguntas de valia.
– Diabos! Já disse um milhão de vezes que não quero que interrompam meu raciocínio durante o planejamento do orçamento intermodal fiduciário atemporal. – Cuja tradução seria que odeia ser interrompido justamente num emocionante movimento de um sete de paus sobre um oito de copas.
Já existe um movimento sendo articulado por funcionários de outra repartição no sentido de criar uma associação dos jogadores de paciência. O movimento tem se alastrado com velocidade e vigor, pois nem todos os funcionários têm micro à disposição, assim, nos intervalos entre contendas podem buscar informações para produzir as normas regulamentares de tão importante instituição. Seriam formadas associações municipais, estaduais e federal. A CONAJOPA – Confederação Nacional de Jogadores de Paciência – já foi formada e tem dois deputados disputando cargos para a diretoria. Estão neste momento contatando a American Solitaire Players para oficializar uma liga internacional com sede na Suíça.
Os cartolas e políticos estão apressados em oficializar as associações para sair na frente e partilhar os melhores cargos da liga internacional. Nos bastidores, conforme fonte segura, estão firmando os primeiros contratos com os patrocinadores para a transmissão das partidas pela televisão. As instituições inscritas nas associações terão incentivos fiscais, além de descontos especiais na aquisição de novas máquinas. A fonte confirmou também que já estão bem adiantadas as negociações para que Brasília seja a cidade sede da I Copa do Mundo de Paciência. As outras candidatas são Washington, Londres e Nova Iorque, sede da ONU, e que por isso conta com um número grande de participantes do esporte.
A igreja católica está se opondo ferrenhamente, o que pode ser observado nos sermões das missas domingueiras quando o clérigo se manifesta obedecendo a última encíclica onde Sua Santidade impõe o nome patientia, do latim.
Chega de trabalho! Com todas essas coisas acontecendo mundo afora, tenho que treinar bastante e estar pronto para representar condignamente meu país.


※ ※ ※ ※ ※
Esta crônica faz parte do livro “von Silva” , a editar.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Justiça dos homens


O tiro ecôa ao longe,
No céu brilham metais,
No chão alvos fatais
E choros incontidos.
Não foi Deus,
Não fui eu,
Foram eles!

No chão leitos de sangue
Abrigam corpos calados,
Uns civis, outros soldados
E olhares sobreviventes
Oram a Deus,
Pedem por mim,
Temem por eles!

Seja eu a calar seu grito,
A cravar seu peito insano,
Fazer justiça ao desumano
E tomar de volta a paz
Que Deus quer,
Que Eu quis,
Que me fez um deles!

Cidades refletem nas chamas
A história de cada menina
Sepultada nas ruínas,
Num ritual antigo
Que não é de Deus,
Nem meu,
É dos Homens!


terça-feira, 12 de junho de 2007

Dia dos Namorados

*Lembrei que hoje se comemora o dia dos namorados. Improvisei isso às 10 horas do dia 11 de junho, ontem. Para alguns esse dia não tem a menor importância, para outros (que é sim o meu caso) esse dia é bem vindo. Fica aqui não uma homenagem, mas apenas uma citação. Não é um tributo, apenas um lembrete! Gosto desse dia, mas não mudo o estilo de minha escrita...


O despertador tocou uma hora mais cedo. Ele faria hora extra no trabalho durante a semana toda para pagar o aluguel atrasado. Sara continuou dormindo e não viu Daniel sair. Há quatro meses decidiram morar juntos. Alugaram o apartamento e aos poucos iam comprando móveis e utensílios. A cama de casal quem deu foram os pais dele, já a geladeira foi presente da mãe dela.

Sara despertou lentamente, tateou o lugar do namorado e não o sentiu, supôs que ele já tivesse saído. Ela sorriu lembrando dos planos para hoje. Tomou café, pegou o telefone e discou o número da loja de sua prima.

- Alô!

- Lúcia, aqui é a Sara, a lingerie que encomendei chegou?

- Sim, querida. Você vem buscar?

- Vou sim. Ás onze e meia estou chegando aí.

Tomou banho e foi ao centro. Escolheu duas gravatas pra dar a Daniel, não se importou com o preço, amava-o e queria o melhor para ele. Chegou à loja de Lúcia e viu a lingerie que encomendou. Era preta, nunca havia usado algo parecido.

À noite ligou para um restaurante italiano e pediu um jantar completo para dois, tudo indicado por sua prima. Sentou-se na sala para esperar o namorado. Ouvia Strani Amore na voz de Renato Russo enquanto observava seu corpo. Decidiu não usar calcinha e abrir mais o decote. Sentiu-se excitada. O telefone tocou, era Daniel ligando.

- Alô.

- Sara? Amor, tenho uma má notícia. Não posso ir para casa hoje, o pessoal decidiu fazer serão no trabalho até a madrugada. Compramos café e sanduíches. Eu fiz as contas aqui e hoje é meu último dia trabalhando em hora extra. Desculpa, amor, tenho que desligar, beijos.

Sara fechou os olhos e pressionou o telefone com as duas mãos.

- Desgraçado – gritou arremessando o aparelho contra a parede.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

A mão branca

A noite joga seu manto sobre a luz
E minha vergonha desaparece
Protegido pela escuridão
Fico em paz

Não quero neon na minha cara
Nem pessoas me servindo
Preciso saber quem sou
E do que sou capaz

Penso no que não fui e
No que não serei
Sonho o sonho dos malditos
Não volto atrás

O breu que esconde o medo
Revela o monstro íntimo
Escolho o fracasso da vida sob a luz
Que a liberdade da mão branca

A mão precede a mente e o ser
A mão é branca mas a alma negra
quer dia

domingo, 10 de junho de 2007

retrato em preto e branco

As paredes ainda têm gosto de cal. Se meus cabelos ficarem brancos, é que voltaram à cor original.
Falsas oferendas para falsos deuses. Pobres flores.
Pobre dela. A gangorra não sobe nem desce, está sempre em equilíbrio.
Naquela época lhe encantaria qualquer coisa que eu dissesse.
Naquela época, o sol subia, implacável, dotando a brancura de pequenas ilhas. Constelações nadando no creme das nossas peles. Melanoma basal.
“com esse maiô, você parece uma frutinha” mas o maiô era preto.
Minhas lembranças mais tenras usam bóias de braço. Bom que não se afogam.
Vovô nos levava ao parque da água preta. Eu pregava botões em panos brancos.
Tudo me parece agora
figurinhas autocolantes de fauna e flora
cartazes de cartolina e aquele livro das fadas, dos animais de nuvem e dos oito horizontes.
Eu ria toda vez que ouvia palavrão.
Ela se chamava marina e me achava linda. Um dia enjoei dela e disse que o passarinho de massinha representava nossa amizade, com a maior esperança de que o material frágil se desfigurasse. As unhas do pé do pai dela eram pretas.
Naquelas férias eu quebrei o braço num brinquedo do parquinho e não conseguia dividir as frações, não podia segurar a régua.
Não doeu. Tirar o gesso faz cosquinhas, o braço fino e empoado, todo maquiado pra receber mais uma vez a luz do dia.
Decepções maiores, só depois. Mas sem lágrimas.
Eu odeio chorar em público.

sábado, 9 de junho de 2007

QUENTE MEMÓRIA

Quem te levou
quente memória?
O fim que te mora
é frio agora?
Onde queda essa ausência
que em vão demora?

Não sei, não sei.
Não sei da tua hora,
rosto ou seio,
a quem sorri o corpo.
E o olho come alguém?

Não, meu bem, não sofro.
É que a procura de um poema
pede pena, pede pena
e um tantinho de amor também.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Das mais cartas.

A,

Você não entende e não está ouvindo nada, está só se vendo nesse espelho idiota. Falando dos dias que não são, jogando as culpas pra mim e a maquiagem na bolsa, reclamando do tempo e do espaço, riscando os olhos e a boca, quando será que vai me ver? Esperar eternamente que eu resolva sua vida e seus problemas, amor, não vai dar. Qual é mesmo o seu nome? Você nem sabe mais. Me pergunta todas as noites e esquece que o faz, troca de roupa e finge mudar, pelo amor dos deuses, SEJA. Não quer me ver, ótimo, mas seja. É degradante esse sorriso cínico e, entenda, não é só a mim que destrói.

Cansei dessas máscaras eternas, de piadas internas, de frios irresolutos, de brincadeiras estúpidas, de fingir e de novo fingir.
Você ainda é A.?

Entre nadas e nadas, você constrói uma nova vida velha, repare só no seu ridículo, e, dentre todos os ridículos, o único que não entendo é, ainda assim, amar você. Será que me fiz hábito? Ou é só falta de mim? Quanto mais você abre essas portas, mas eu penso em ir mesmo, como é que você vai lidar com a solidão sozinha? Não me preocupo mais, mas, sim, repare, está se manchando ali na direita.

Ajeite os brincos e vá dançar, A., há alguém esperando. E, quer saber, posso até apostar que é você na próxima porta. Boa sorte e não me volte: mas me chame. A droga inteira da vida é justamente essa, querer que você me ame. Caminhos opostos, pois muito bem, falei sério, embora eu chore, não implore, ainda que em silêncio... Vá dançar, A. Cuidado com os saltos, eles quebram.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

RELÂMPAGO



...E se eu te dissesse
Aquilo que eu não pudesse ouvir?
Seria demasiadamente correto
Acreditar naquilo que não pudesse ver?
...E se eu te dissesse
Que a razão de tudo isso é você?
Esperaria a chuva derramar seu lamento sobre nós?
...Talvez você me dissesse
Que acreditar ou não, não faria sentido nenhum agora.
...Talvez você me dissesse: a vida é tão simples e os livros tão belos!
...E eu te dissesse: o mundo perde o sentido
Se a espera é infinita e o amor um relâmpago!

terça-feira, 5 de junho de 2007

Nas Águas do Capibaribe

Na noite recifense,
Num céu negro,
Atravesso, displicente,
A Ponte Duarte Coelho,
E vejo,
Lá embaixo,
O rio Capibaribe,
Adormecer
Num sono calmo.

Enquanto eu, bêbado,
Vejo, tal qual um espelho,
O reflexo
Das estrelas
E da Lua,
Nas suas águas
Que, à essa hora,
Parecem-me escuras.

- de dia são apenas belas e sujas -

E vendo todo Universo
Em reflexo,
Mergulho.

- pois é o mais perto -

Bem nas águas do Capibaribe.

André Espínola

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Ritual de Renascimento

Joguei fora todos os vícios
Suplícios
Renovei as gavetas
De lembranças doces
Organizei os armários
Pérfidos cenários
De loucuras brandas
Suicidei de mim todas as fantasias
Podres alegorias
De um carnaval sem rei
Subi no tablado
Dediquei-te um canto
E, de um desencanto,
Renasci de um tom

domingo, 3 de junho de 2007

Artifícios


Tentou primeiro subornar meu querer com seu olhar de afeto
Depois inundou meu ser de suas mentiras bonitas...
Assim me seduzia. Fazia o que gosto, riscava o que detesto
Mas no fim só me dava a secura de sua persona talhada em mão hábil
Escondendo-me o que está debaixo dessa sua sedenta pele débil

Talvez até gostasse do que há nessas suas vísceras, no profundo
Já que sua talhada de pau-oco me serve só para enfeite, não me completa
Mas falar-te de coração é como dizer um adeus para um ateu...
Então lhe dou um adeus mais sincero que qualquer coisa que já viera da sua boca
Teu amar é tão quente e previsível quanto um filme barato e mal acompanhado
Onde a melhor parte é o intervalo da sua vida, mas ele nunca chega...

Meu artesão de falsidades, faça sua própria cova e lápide com alguns artifícios vazios
Se torne um Narciso de sua talhada e elaborada imagem na busca do impecável
Mas eu? Ah, se só isso me bastasse, mas sempre preciso de algo mais
Eu quero alguém com distorções, manco e infame, mas franco e (talvez) mais nada!

Acho que você não percebeu, o meu riso ali era honesto (e não era para você)...
Eu estava livre do seu "te quero", leve e letal como uma granada...
E acho às vezes que o seu ser sincero é ser falso, talvez... Ou talvez eu que não seja burra,
Sou um pluriverso dinâmico e cafona e você é estatueta numa prateleira moderninha

Você ainda me pergunta se eu tenho certeza do que decidi. Mas o que importa essa certeza?
Até os loucos têm certezas de estimação cravadas em seus hospícios
O Certo não é a questão, a questão é cardíaca e por isso ausente de certeza...
E para você? No final e na melhor das hipóteses, conseguirá a proeza de realmente
Convencer o mundo que sua talhada persona pode ter vísceras vivas!
Ah, mas só se for de vermes da madeira, exatamente aquilo que te consome...

Augusto Sapienza

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Manifesto de apoio ao Teatro Oficina Perdiz

Manifesto de apoio ao Teatro Oficina Perdiz, de Brasília

Permito-me entrar no coro de vozes que pede pela manutenção do Teatro Oficina Perdiz!
A oficina foi fundada em 1966 por José Perdiz e a partir de 1988 abriu suas portas também para o teatro, a música e as artes plásticas.Para quem não conhece ou não é de Brasília, o espaço é uma oficina durante o dia e um palco durante a noite, instalações improvisadas, mas que guardam em si o charme do inacabado.
A ironia é o toque de "déjà vu", parece-me que a história se repete, como em São Paulo, o Teatro Oficina sofre com a possibilidade de ficar isolada por conta de um "Shopping" do conhecido apresentador, Silvio Santos e do grupo Abravanel, o teatro daqui de Brasília sofre pressões, mas lá é um grupo empresarial e aqui é política!
Quem seria o Silvio Santos daqui? Este se esconde na bata vil do anonimato? Especuladores do mercado imobiliário, Governo do Distrito Federal?
Uma série de histórias mal contadas, onde dinheiro, propina e denúncias de irregularidades, estão por toda parte!
Déjà vu? Pode ser, mas como os colegas de Sampa lutaremos pela permanência da arte e da cultura popular! O que sei é que "A Luta" permanece, mesmo que não seja uma peça teatral como a encenada no Teatro Oficina de São Paulo, os apaixonados e simpatizantes da causa lutam!Junto me ao coro para gritar que: "Queremos o Teatro Oficina Perdiz!"E tentaremos garantir sua existência, vida longa ao teatro!
MERDA para todos do Oficina Perdiz!

http://www.youtube.com/watch?v=mTKuTWsIgog&eurl=

Venha hoje, dia 1 de junho, abraçar o Teatro Oficina Perdiz, previsão para as 19 horas!
E participe da vigília de 24 horas de cultura, traga sua poesia, seu canto, sua obra, sua força!
E a LUTA continua!