quinta-feira, 26 de julho de 2007
Oração da Biblioteca Central
acender as velas
e ir além:
guiai-me
São Leminski
cheio de álcool
e São Baudelaire
cheio de pólvora
amém
terça-feira, 24 de julho de 2007
POEMA XI
22/12/03
O
O
Ao
* Publicado no livro Memórias à Beira de um Estopim, 2005
(O livro pode ser adquirido pelo valor de 10 reais. Pedidos pelo meu e-mail: nolli@bol.com.br)
segunda-feira, 23 de julho de 2007
FLOR-DE-FOGO
flor-de-fogo desabrochada, hoje o sol exuberou o dia.
E o céu de outrora, diluído em lágrimas,ressurge intacto em etéreo azul,
simplificando os desesperos.
A lâmina fria do vento ainda arranha a pele dos corpos expostos,
mas sopra para longe qualquer farelo de tristeza.
(O agora luminoso impõe sua presença).
A paisagem não mais goteja suas agulhinhas frias,
ela suspira cores novas e nítidas de definitivas esperanças.
Flor-de-fogo, esse sol desabrochado, embrulha o meu corpo em carícias:
no mais íntimo da penetração, tecemos amor no finalzinho da tarde mansa.
Uma lua vermelha, grávida de sol, é cuspida pelo mar em plena ressaca
e a noite vai sendo acesa por um incêndio de estrelas...
*
*
Marla de Queiroz
sábado, 21 de julho de 2007
Anteontem, ontem, antonte e o amanhã
Quince Jones desperta desejo em mim como Maria Bethânia e a terra. São elementos naturais que me provocam o gozo do apartar... um caminho simples pela estrada de terra que me cerca neste instante instigando vôos lisérgicos dentro do mais puro sentido de resignação.
Ontem eu escrevia cartas, recitava poemas e sonhava viver eternamente. Ainda não existiam calamidades nem várzeas à serem colhidas. O mundo era opaco, apesar da clarividência solar e do ressoar lúgubre dos pardais. Não existia a modernidade do silêncio nem mesmo a frieza da solidão. Mas, sim, um cavalo de madeira feito com o rodo velho cheio de farpas arranhando as pernas. Havia emoção salutar e saltitante, o grito, o vívido pensamento leve da eternidade. Agora penso ter sido isso, unilateralmente.
E quando descobrimos que durante a tarde as borboletas não dormiam, nem nos comovíamos com isso, nem dormíamos com elas. Beirávamos a cotovia burlando o ocaso desacreditando mesmo crentes de que tudo os pudesse insurgir. Uma bomba presa nas vísceras sem nome, cordas dadas como no brinquedo do vizinho, baterias novas com a equivalência de um riso em desuso.
Há frouxidão no tempo solto e pleno, sem a sutil consciência do que passou e, por mais que a vida se demonstre cíclica, jamais a veremos adequada ao curso presunçoso do que foi vivenciado. Mesmo que haja, nesses dias, ramificações esverdeadas de uma grama original, massageando nossos pés aos passos curtos em direção do futuro, mesmo que ofuscado. Ouvindo, enquanto exista direção, uma luz brilhar dentro, brilhando intensamente ao som de Jevetta Steele e até Ted Hawkins expulso do Bronx pra ser jogado num lixo do Itanhanhém.
Enquanto a porta se fecha esqueço que tenho braços abertos e gosto de música no cérebro podendo tocar. Esqueço do sol amarelo na rua jogada para fora de mim, e afrouxo a vida com que insisto chamar de minutos, fazendo-me esquecer do chinelo e do bermudão jeans, a bicicleta e o coração de Elis livre, livre entoando a jovialidade que senti nos dias em que ouvia uma multidão desenfreada tatear.
Quando a hora mágica acertar o caminho, quando eu me perder deste caminho não vou querer encontrar, nem lembrar de mim nenhum segundo. Ruflarei asas num pensamento distante onde ninguém me encontre perdido, pois que ninguém se encontre em si, nem eu comigo, fechando o caminho à usura, o afrontamento e a solidão das emoções que nos comovem e aos minutos... sim, aos minutos que nos mostra findos.
quinta-feira, 19 de julho de 2007
quarta-feira, 18 de julho de 2007
LIVRE ARBÍTRIO
Um despertar de raiva. Havia vários jeitos de se acordar, mas o despertar raivoso realmente preocupava. Sempre descambava em merda. Em dias destes, já tinha largado ótimos empregos, terminado bons namoros, destratado péssimas amantes, mudado toda uma vida. Só um fato não mudava. Em dias como este, sempre fazia merda. A raiva incontida, trotoava ligeira sob a fronte, esperando um comentário menos inteligente, uma brincadeira maldosa, um esboço de pensamento para lançar-se mundo afora, represada que era normalmente, disfarçada em um sorriso cortês e gentil; em certos aspectos ainda vivia orientado por manuais de lanchonetes fast-food. Um despertar de raiva era tudo que a raiva podia querer. Concedia condicional para o mal aprisionado dentro d´alma, inconcebível, diante algumas opiniões, inexistente perante outras, detestável e esquecível para quem já o havia presenciado. Janis deslizava pelo ar, ordenando tentar (just a litle bit harder), então era só amar, amar, amar alguém. Quem? A raiva, agora ódio, não sabia responder. Então era isso: o tempo passava continuamente e as possibilidades iam se esgotando. Quanto mais tempo, menos variáveis. Quanto mais experiência, menos lugares para aplicá-la. Quanto mais ódio, menos pessoas para direcioná-lo; o afastamento da humanidade, pelo menos na ótica das relações interpessoais, granjeia adeptos diariamente. Séculos de está bom assim, tá certo, eu concordo e não se preocupe, costumam se incrustar n´alma, se avolumando e enegrecendo humores, causando desconforto e rancores. Rancores estes alimentados diariamente com sucrilhos, adolescentes fortes que se tornam adultos vigorosos, tomam corpo e exigem espaço: pronto, está se formando mais um psicopata.
Pensamentos que ecoam em um cérebro rápido e celerado, dando voltas cada vez mais aceleradas sem pit-stops, levam passos pausados para lojas de armas. Dedos longos indicam, os olhos observam e a boca matraqueia qualidades do objeto procurado. Repetição, eficácia, penetração, alcance e calibre são estudados. Por sugestão do vendedor, que fez vista grossa pela falta do porte de arma, ao ver as notas dispostas em série, a escolha do mais caro: se já tivesse munição, começaria por ali. Um teste, por assim dizer. Se municia falando em caçada, indiferente à indiferença pela mentira, abre a mochila e se vai. O vendedor vai até a porta da loja e dá um sorriso satisfeito.
Uma praça de alimentação de shopping-center, dois ovos maltine e cinco casquinhas depois, observava com frieza o ambiente climatizado. A mão isolada dentro da capanga, esperando trêmula pelo instante, uma faísca que falta surgir. Uma vontade de acabar com tudo que restava ser saciada. Um momento de revide no presente, um retraçar de metas estipuladas em vidas que passeiam paralelamente alheias. O gosto do poder de comandar destinos, na verdade, de destruir sonhos, enterrar esperanças e silenciar vozes. O levantar estático, disposição suicida de não voltar atrás, espera começar pelos que sorriem mais, estes que debocham das dores e dos amores, ao som do mar e à luz do céu profundo, fulguram... Figuram colunas sociais e escândalos nacionais, sob o manto mesquinho e avarento da impunidade; por que todos não somos perdoados? Por que a condescendência atinge somente alguns? Por que a vida nega favores justamente para aqueles que mais deles necessitam? Doze balas iriam dar as respostas que procurava? Talvez não, mas havia trago vários pentes sobressalentes; continuaria seus questionamentos até achar uma resposta razoável. Ou uma morte rápida...
Deu um passo adiante, já tirava a arma de dentro da mochila quando esbarrou em uma senhora franzina que trabalhava na limpeza. Levava uma bandeja repleta de copos de papel e restos de sanduíche que espatifaram-se no chão, causando uma bagunça e um barulho não observados pelos comensais que continuavam a rir, beber, conversar, comer, mentir e opinar sem darem a mínima atenção ao que acabara de acontecer. Ele abaixou timidamente, desculpando-se pelo acidente. A velha, ajoelhada no piso, deu um sorriso amargo e sincero, confirmado pelo olhar cansado e castanho de muitos anos de luta:
- Tudo bem,meu filho! - Aquelas palavras causaram tanto impacto em sua mente febril, que ele teve que dominar-se para que uma onda de emoção, vinda não se sabe de onde, o dominasse. Acocorou-se ao lado da velha, pensava no que faria, afinal aquela senhora de joelhos em sua frente, não obstante todos os problemas, as dificuldades, humilhações, desrespeitos, continuava a manter viva a chama indomada da esperança em dias melhores; de lutar a cada dia uma batalha que ele já julgava perdida e por isso decidira ir ali, com aquele intento assassino na cabeça...Sentiu que uma onda de emoção percorria seu corpo, coisa que até então não havia lhe ocorrido. Parados naquele instante, pode ver que ela olhava com tristeza para a arma que segurava.
- Isso resolve algo? – apontou para os indiferentes que os cercavam e arrematou – Há algum dentre eles que é menor do que nós, para que possamos tomar as mesmas atitudes que sempre tomam? Em quê melhoramos e onde chegaremos?
Final
Fechando a mochila com um gesto rápido, precipitou-se para a saída. Ao passar por uma lata de lixo jogou o invólucro recheado de morte e pegou o rumo de casa. Por-se-ia a escrever, esta noite. Sua loucura sempre apaziguava quando escrevia.
O sol caia lento no horizonte quando dois personagens se encontraram no estacionamento do centro de compras:
- Você trapaceou... – acusava o rapaz... – Interferiu nas escolhas quando apareceu como uma pobre coitada que levava o mundo nas costas.
- Pensa que não sabemos que você ajudou na aquisição da arma?
- Errr... Hehehe. Continuam de olho em tudo, hein? Ora, convenhamos, no meu caso, trapacear não é novidade.
- Entendemos isso. Por isso a Direção optou pela segunda chance para o garoto repensar o que estava fazendo...
- E o tal do livre arbítrio? Vocês são muito historinha mesmo... Se têm uma coisa que não suporto é quando burlam as próprias regras... Elas se aplicam a mim? Lógico que não, pois se aplicasse não estaria lá embaixo, na segunda divisão! – Saiu andando e esbravejando, sumindo em uma nuvem de enxofre.
Final 2
Jogando a mochila nas costas, com um gesto rápido, levantou-se e apontou a arma para a primeira mesa, no rosto um olhar de ódio, olhava as vítimas, que ainda não haviam se dado conto do que ocorreria... Premia já o gatilho com um gosto de sangue na boca, quando um vulto branco, que podia jurar ser uma imensa asa de pombo, atingiu-o de lado, lançando seu corpo no vácuo... Despencou da praça de alimentação, no terceiro piso, vindo a se estabacar sobre a feirinha de produtos esotéricos; morreu em cima dos cristais que prometiam cura...
O sol caia lento no horizonte quando dois personagens se encontraram no estacionamento do centro de compras:
- Mas, mas que merda foi aquela? – acusava o rapaz, colérico.
- Um espirro... Pedimos sinceras desculpas...
- Isso não vale! Ela interferiu no prosseguimento das coisas! Eu quero uma contraprova! Marmelada!
- Ora, ora... Se não era você quem ajudou na aquisição da arma...
- Isso é, hum... Um detalhe. Suas regras não se assentam muito para mim. Mas eles... Eles ainda têm o livre arbítrio. E vocês não respeitaram isso!
- Quem disse não respeitamos? O que aconteceu foi um lapso e nossa representante já foi inclusive chamada pela Direção, para prestar esclarecimentos sobre o acontecido. Provavelmente estará sob suspensão até novas ordens...
- Sei, sei...
- Regra nº 764736473/E, interferência no andamento natural do Destino...
- Vem cá, você acha que ela vai ser punida?
- Olha, pra te dizer a verdade... Vamos ter que fazer uma CPI...
Final 3
Deixando a mochila cair ao lado, olhou em redor as pessoas que riam e viviam.. Sentiu o peso duro e frio da própria existência, sentiu que a culpa não era do mundo, da vida ou das pessoas... A culpa sempre fora sua, de sua incompetência de gerir a própria existência, sua covardia em assumir riscos e seu medo de viver... A culpa não era daquelas pessoas que alegres viviam; um ser repugnante como ele não merecia continuar respirando o mesmo ar das outras pessoas...
Em um gesto rápido colocou o cano da arma na boca e premiu o gatilho. A explosão do cartucho aconteceu imediatamente... As bochechas ainda se estufavam pela expansão do ar, sendo empurrado pela bala que ainda atravessava o cano, quando ressoou alto, congelando o tempo e os movimentos:
- Pode parar por aí...
- O que você está querendo fazer? Mexer no contínuo tempo da vida? É total e completamente fora das regras! – a faxineira, junto ao recém chegado, eram os únicos que se moviam no espaço estático.
- Que regra o quê... Peguei vocês manipulando tudo, aqui e agora, sem desculpa nenhuma!
- Tá, quer dizer que você não entregou a arma nas mãos dele...
- Isso não vêm ao caso. O que importa é que isso ia acontecer mesmo...Ele ia sacar a arma e distribuir bala pra tudo quanto é lado... O bonde hoje ia descer cheio. E agora, por sua causa, tão querendo que eu leve somente este banana, isso eu não aceito!
- E quem disse que ele iria mesmo disparar contra os outros?
- Olha aqui, página 9472 da vida do fulano! – Apontou um calhamaço de papel.
- Peraí, como você teve acesso ao Roteiro da Vida ?
- Er... Ah, isso? Nada não.
- Sabia que é uma falta gravíssima ter acesso a “dados ainda não acontecidos”?
- Qualé... Suas regras não valem para mim. Mas alto, lá, me respondam uma coisa: se vocês sabem que exitem um “Roteiro da Vida”, com “dados ainda não acontecidos”, como ainda estufam o peito para dizer que estes coitados possuem “livre arbítrio”? Como vão escolher se já tá tudo escrito?
- Bom, é quer dizer... – um telefone toca- Só um momento... Sim Senhor, ok... vamos resolver tudo. Certo, será tudo feito para sanar isso. Hã? Tá sim... Aqui do lado. Toma... Não queria explicações?
- Não... Deixa pra lá... Nem tava me ligando tanto assim... Podexá que levo esse pôrquera mesmo... Diz que eu já fui...
- Ele não quer lhe atender... Tá... Já esperava por isso,sei... Ok, resolvo tudo por aqui... É, limpeza parece que virou minha área mesmo,hehehe. Já sei o que fazer...
LIVRE ARBÍTRIO
Um despertar de amor. Havia vários jeitos de se acordar, mas o despertar amoroso realmente deixava tudo lindo. Sempre descambava em coisas boas. Em dias destes, já tinha arranjado ótimos empregos, começado bons namoros, encontrado ótimas amantes, mudado para melhor seu futuro... Ele sorriu para o céu e saiu confiante pela rua. Era muito bom sentir que tinha total controle de sua vida...
segunda-feira, 16 de julho de 2007
O Mundo é Delas
Enfim, as próximas cenas se passaram após esse conflito atômico que destruiu toda a humanidade e boa parte dos animais. Os únicos sobreviventes foram as baratas, que agora tinham como companhia apenas o reino vegetal.
O mundo era um rascunho do que o homem promovera nos últimos séculos. Arranha-céus, estradas, ferrovias, maquinários, tudo isso ainda existia, mas iam aos poucos sendo absorvidos pela natureza ao redor, que dia após dia avançava a vegetação para as cidades. Em algumas só se via agora o verde, interrompido em pontos isolados por um ou outro prédio mais elevado, ainda não alcançado pelas árvores.
Aeronaves, caminhões e veículos há anos estacionados em pátios ou ruas viravam verdadeiros fósseis de aço.
Os velhos depósitos de lixo desapareciam à medida que o tempo tratava de absorver no solo o antigo esgoto da humanidade, ou seja, plástico, latas, pneus velhos, eletrodomésticos quebrados e papel, muito papel. Os restos de alimentos já há muito tempo não existia, boa parte deles consumidos pelas próprias baratas.
O lixo acumulado no fundo dos rios aos poucos desaparecia e a erosão em suas margens também sofria o processo inverso.
No céu das antigas cidades não se via mais o cinza, mas o verdadeiro e límpido azul celeste.
Foi então que duas velhas baratas, andando por aqueles verdejantes caminhos, rememoraram os anos passados que o tempo não traria mais. Passaram ao largo de um córrego de água límpida, que ao tempo delas praticamente secara por causa do excesso de lixo em seu curso; depois seguiram por uma trilha na mata, onde naquele tempo havia um beco com um filete de esgoto a céu aberto que o acompanhava. Por fim, chegaram em um antigo lixão praticamente coberto de arbustos e flores, lugar onde antes se acumulara toneladas de entulho e onde hoje abrigava apenas uma ou outra latinha de alumínio que não teria vida longa. O parque dos sonhos da infância das duas não era mais o mesmo...
O mundo já abrigava a 265ª geração de baratinhas pós-conflito mundial, geração esta que não chegara a conviver com o ser humano, visto entre muitas de maneira quase que lendária, sem comprovação cientifica, algo como a Atlântida ou extraterrestres. É certo que só se passara alguns meses da grande destruição, mas lembremos que o ciclo de vida desses insetos é diferente dos humanos e uma barata, ao contrário dos humanos, pode ser tataravó em algumas semanas...
Enfim, o relato de histórias protagonizadas com os homens era visto por algumas das mais jovens como caduquice das baratas mais idosas. Era o velho conflito de gerações...
Mas as duas companheiras anciãs, de fato, já conviveram com o homem e conheceram o mundo quando os humanos dele faziam parte. E uma delas, ao contemplar aquele ambiente desolador cheio de verde e sem lixo, com gravetos e brotos de plantas a atravessar-lhes o caminho (em vez das latinhas com restos de cerveja ou comida), com lágrimas nos olhos, finalmente exclamou nostálgica e comovida para a outra:
— Puxa vida, que saudade dos humanos!
sábado, 14 de julho de 2007
Manchete
Traficante vende, não entrega e esfaqueia.
Parou no sinal e perdeu o carro.
Pivete chapado mata por um relógio quebrado.
Pedreiro faz sexo com nenê da vizinha.
Derrame de sangue na rebelião do presídio.
É a banalização da morte, a vulgarização do crime. É o cotidiano. Ninguém mais se importa.
Os presídios estão superlotados, os policiais não têm formação, os processos percorrem um lento e burocrático caminho, as leis estão obsoletas e se contradizem, sempre há mais uma instância a ser recorrida, a corrupção atinge até juízes. As estatísticas informam que menos de 20% dos criminosos acabam condenados e destes, menos de 15% cumprem toda a pena.
O bandido tem a certeza da impunidade. Ao cidadão cabe esperar apenas pela justiça divina. Ao perceber à sua volta um rastro de terrores ela passa a desejar a morte do malfeitor. A morte preferencialmente em julgamento sumário e execução em praça pública.
Se não houver uma reviravolta em todo sistema, breve tornaremos à Idade Média e teremos como manchete: Povo brasileiro exige pena de morte.
sexta-feira, 13 de julho de 2007
Pólos que se atraem
Me Morte (foto de Kazuo Okubo)
quinta-feira, 12 de julho de 2007
Peço afastamento do blog!
*Minha rotina está complicada! Adorei o tempo que passei aqui...Peço que me substituam, um abraço forte em todos e até a próxima!
Álcool
Bebe e não é pouco. Passa em média apenas dez horas por dia em estado sóbrio, sendo oito horas dormindo e cerca de duas horas entre o banho e o café da manhã. Deixa sempre uma garrafa próxima ao telefone, muitas vezes ao lado deste.
Mora sozinho, mas nem sempre foi assim. Já foi casado e certa vez quase foi preso por bater na esposa. Ela retirou a queixa na delegacia antes que ele fosse indiciado e os dois se divorciaram. Não tem emprego? Sim. Hoje trabalha em uma loja de sapatos, porém já foi dono de uma empresa de consultorias, já teve até clientes russos e alguns alemães. O alcoolismo o fez perder o controle sobre os negócios, seus sócios então conseguiram, no tribunal, invalidar a sua parte na sociedade e ele perdeu tudo.
Acorda cedo não porque gosta, mas para ter tempo de entrar em todos os bares a caminho do trabalho. Sua função na loja é organizar todo o estoque de sapatos do depósito por marca, tamanho, cor, mais caros e mais baratos. Desempenha um bom serviço, sobrando tempo para desembrulhar a sacola escondida na bolsa contendo uma garrafa, às vezes duas.
Dentro do depósito ele tinha acesso a todas as informações omitidas pelo dono da loja como sonegação de impostos, mercadorias falsificadas e preços alterados. Sempre teve vontade de ganhar dinheiro com uma chantagem, ameaçar ligar para a Fiscalização Pública, no entanto sabe que não tem coragem de enfrentar o patrão.
Seu maior medo era ser descoberto se embriagando dentro do depósito. E foi. Demitiram-no. Nesse dia não voltou a sua casa. Chegou somente pela manhã, cambaleando, quebrando alguns objetos da sala como o cinzeiro favorito e um porta-retratos. Largou-se no sofá e deixou o chapéu cair ao chão. Viu ali uma garrafa em cima da mesinha do telefone. Alcançou-a, tomou três grandes goles daquele líquido e discou um número que havia decorado.
- Alô! – a voz saiu com dificuldade. – É da Fiscalização Pública?
quarta-feira, 11 de julho de 2007
A vingança de Anabela
- Foi o tio.
Olhei para Lulinha e balancei a cabeça afirmativamente. Ele estendeu as mãos para que eu soltasse as algemas. Acertei o tiro entre os sobrolhos.
Sim, menti para o bandido. Disse que o soltaria se confessasse, coisa e tal. Tratei-o sempre bem educado e calmo. Sou diferente do que ele tá acostumado: a intolerância, o linguajar xulo, a gritaria. Ele confiou em mim. É preciso conhecer o homem para ludibriá-lo.
Entrei no caso Anabela a pedido dum sujeito que viu o Lulinha perambulando no local onde a polícia achou o corpo da menina. Ela estava desaparecida há 56 dias, haviam achado seu crânio há mais de uma semana. O corpo foi encontrado só no dia seguinte. Pensaram que ela havia sido decapitada, mas descobriram que o crânio caiu num deslocamento do cadáver para escondê-lo. O sujeito me mandou um email assim que viu na televisão a polícia desconfiando do bandidinho.
As investigações estavam difíceis, a família parecia não colaborar. Descobriram, contudo, possibilidades sórdidas, um provável caso de vingança. Alguns anos atrás, o irmão de Anabela havia estuprado a prima. O tio, pai da menina, jurou vingança. Na época abafaram o caso, como se isso contornasse o problema.
Capturei Lulinha e ele confirmou a história. Disse que um cara o havia pagado para estuprar uma garota. – Até de graça. – Respondeu o bandidinho (que agora é comida de minhoca). Ele pegou carona com o cara e a menina, que parecia ser parente, foram para um matagal em Samambaia, o tio saiu do carro e Lulinha cumpriu o serviço.
- Você é um filho da puta. – Ela urrou. – Vai morrer com um tiro no sobrolho.
O bandidinho contou que não gostou da palavra, ficou com raiva. Quem era a vagabundinha para falar assim? Ele havia acabado de lhe botar no cu e vinha agora com aquela babaquice de tiro não sei onde, querendo tirar sarro de esperta? Deu um soco na têmpora da menina. Ela caiu com o pescoço sobre o câmbio da marcha, sua glote fechou. A violência do soco já a havia ferido seriamente com um deslocamento na nuca. Em minutos ela estava em convulsão.
- Juro, falei para ele levar a garota para o hospital. – Confessou Lulinha, algemado. – Mas o tio preferiu deixar a moça morrer. Disse que esconderia direitinho o corpo.
- Por que vocês mexeram no cadáver uns 20 dias depois, quando a cabeça caiu? – Perguntei.
- Fui eu sozinho. – Revelou. – O caso ganhou os jornais, os canas começaram a fuçar, resolvi esconder melhor a menina pois minha porra ainda tava nela, né? O tio deixou o corpo numa beira de córrego, disse que ia apodrecer. Se achava malandro, queria que me ganhassem. Me pagou em dinheiro, eu não teria como dedar o patrão para amaciar com os canas.
- O chefe de tudo, então...
Ele confirmou que foi o tio e atirei. Joguei o corpo na caçamba da camionete, cubri com a lona e liguei para o meu contato de um orelhão.
- Você estava certo. O serviço está encerrado.
- Como é? – Falou. – Você ainda não viu as notícias? – O silêncio o incentivou a continuar. – A polícia descobriu provas contra o tio. Barro e plantas no carro coincidem com as encontradas na área da desova, ligação de celular no dia do seqüestro da mesma área, até encontraram porra no cadáver. Divulgaram agora que estão procurando o tio para um exame de DNA. Com mandado e tudo.
Com o bandidinho morto no meu carro e a polícia ao encalço do tio, eu teria dificuldades em terminar a punição. A grande vantagem de caras como eu em relação à Justiça é que não precisamos de leis. Descobrimos o culpado e o executamos. Sem defesa, sem desculpa. Nenhum contraditório será capaz de justificar certos atos agressivos à condição humana. A eles, a morte. Uns requintes de crueldade também são benvindos em alguns casos aberrantes. Para o tio eu pensava em algumas decapitações de membros. Mas agora eu havia perdido a surpresa e a liberdade de ação. Justiceiros sempre agem na tocaia, contando com a surpresa da vítima. Em combates corpo a corpo sempre acabo machucado. A polícia me apavora. Cumpro todas as regras para sumir com os vestígios, porém posso dançar se agir muito perto das investigações. Tento sempre ficar na surdina. Teria que dar um jeito de pegar o tio sem me sujar.
- Sabem onde ele está?
- Acabou de passar por aqui. – Falou. – Eu queria te ligar mas você não tem telefone... – Choramingou.
- Alguém mais o viu?
- Todo mundo, né, o tio da Anabela tá na televisão. – O sujeito estava informado.
- Ligue para a polícia e diga que o que viu. – Expliquei. – Está tudo resolvido. – Murmurei.
Fui para a região de Samambaia. Larguei o cadáver atrás dum morro. O revólver com a numeração raspada deixei na beira da estrada. Estava limpo de digitais, indício que foi utilizado pelo assassino. Nem me importei se viram meu carro. As provas já estavam engatilhadas contra o tio.
A polícia chegou e logo atrás veio a imprensa. Acompanhei tudo de binóculos. O meu contato disse aos canas que o tio havia passado pela estrada em que fiz a armadilha. Acharam primeiro o cadáver, como eu previa. Buscaram ao redor e acharam o revólver. Concluíram corretamente que o responsável era o tio. A imprensa narrou as descobertas ao vivo e informou a caça ao indiciado. O tio foi preso em seguida. Foto na televisão, coisa e tal.
Revelada a vingança do tio, a sociedade se estarreceu. O sujeito que me avisou por email, no anúncio dum fórum de justiceiros, virou herói pela denúncia à polícia. Discursaram que o cidadão tem a obrigação de agir nos momentos difíceis. Eu o alertei que se citasse meu nome o mataria como a um cão. Ele respeitou o pedido.
Anabela acabou justiçada. O tio que tramou o crime certamente levará umas curras na jaula. O bandidinho virou presunto. A vida da moça foi encerrada por vingança à um erro do próprio irmão acobertado pelo pai. Na minha visão também são responsáveis, mas a polícia dificilmente encontrará provas para chegar até eles. Se os prende, ainda, os tribunais os soltarão por conta de bobagens jurídicas.
Talvez eu faça uma visita à antiga residência da moça, assim que a poeira baixar.
terça-feira, 10 de julho de 2007
constatação.
Hoje em dia, ninguém mais morre de amor.
segunda-feira, 9 de julho de 2007
PC: Reino do Rei Nu
escrever sobre
o sobre
e ainda assim
fazer-se
entender
há quem
porém, escreva
sobre nada
ou só palavas
no ar
ininteligível
tá na moda
também, escrever
sobre a roupa
do rei
mas gritarei:
"- Hei!
Ele está nu!"
toda vez
sábado, 7 de julho de 2007
Exílio
Preciso fazer tanta coisa. E o relógio continua disparando aquele tiquetaquear doido, doído. Precisava dizer tanta coisa, mas a vida não me deu oportunidade. E as que tive desperdicei. Hoje os dias passam ligeiros, as horas se escasseiam e eu perco tempo demais escrevendo tolices que não me levam a lugar algum, mas que me alegram. Teria tudo nesta vida. Teria vida a viver. Viveria. Procurei o amor em vários olhares, nenhum correspondido. E que culpa tenho eu em ser assim? Não. Não é culpa minha, nem de ninguém. É culpa desses dias que ficam cada dia menores. E, eu tenho tanta coisa a fazer que nem tenho tempo de amar. Busco por uma luz. Seja do céu, seja de um olhar. Que seja luz. Preciso iluminar meus dias. Preciso sorrir como sempre, continuar fingindo a felicidade. Estou sentado e sóbrio. Olhando o horizonte de tantos sonhos desmoronar. Não falo em ideais de vida, nem em idéias pré-concebidas. Falo de uma dor engasgada a estrangular o peito. Falo desta loucura em que vivo. Este exílio voluntário. O que parece loucura é tão normal quando se está perdido num deserto de incertezas. Ou quando se está certo que nada de novo irá acontecer para trazer brilho aos dias exaustivos que transcorrem.
Pior que a dor de amar sem ser correspondido, é não ter ninguém em quem pensar. É estar numa solidão constante e assoladora. Falo estas coisas não por ser assim. Grande parte do mundo é. E, eu tenho medo de me tornar um deles. Não estou longe. Estou tentando fugir de qualquer forma deste mal terrível. Entrego-me de corpo e alma às amizades, temo a solidão.
sexta-feira, 6 de julho de 2007
Todos querem se fazer ouvir!
As palavras compõem todo o nosso ser, atravessa dimensões que vão desde a vida diária até nossos sonhos. Com elas falamos, pensamos e escrevemos a nossa história.
Em muitos momentos até brigamos com elas na tentativa de organizar nosso pensamento e nossas idéias.
Pensamos para falar e, às vezes, falamos sem pensar. Escrevemos para que os outros reconheçam em nós a voz do outro. Assim, a linguagem e a escrita desenvolvem a capacidade de comunicação com as palavras e nos fazem sentir mais livres.
A liberação da linguagem e do pensamento passa necessariamente pelo espírito para depois despejar-se no mundo material através da fala e da escrita.
Escrever é comunicar o que foi ou está sendo vivido; é resgatar em cada linha aquela lembrança ou idéia que merece ser compartilhada; é enunciar os desejos e as esperanças.
Escrever também é esclarecer e organizar as idéias, porque precisamos das palavras tanto quanto precisamos de amor.
Por isso, escrevam livremente, naturalmente, ouvindo sua própria voz interior.
Afinal, não existe escrita que não seja construída com o corpo e com a emoção.
quinta-feira, 5 de julho de 2007
Tuas Poesias
Vejo nos teus olhos
(Janelas da Alma)
As palavras
Das minhas poesias.
Mas elas são tuas,
Não minhas.
André Espínola
quarta-feira, 4 de julho de 2007
Prenda-me
Se for capaz
De seduzir
Meu lado lunar
Que em fases
Troca em metades
De negro pra branco
Meu sol que pulsa em
Lençóis e hiatos
Há ecos retumbando
Em faróis de meus eclipses
E em minhas crateras
Há fases nuas
Sem luz ou figuras
Onde me escondo
Entre nuvens escuras
Não me vês
Apenas sentes
O clamor alucinante
De meus olhos ardentes
Por isso,
Não me veneres
Pois que sou reles
Lua com sintoma bipolar
terça-feira, 3 de julho de 2007
Pedras do castelo
Um dia vou construir um castelo
...
Por muitos caminhos não retos devo guardá-las?
Todas essas pedras que colocam em meu caminho?
Para construir o meu esperado castelo
Na larga terra escolhida para meu definho?
É esse o tal esperado vindouro?
Quando chegar lá, será de pedras o meu tesouro?
Apenas pedras postas ali mesquinhas e obtusas?
Apenas pedras frias, pesadas e mudas?
Elas não passam de frustradas, isso sim!
Pois das montanhas não passam de farelos...
Servem apenas para levantar paredes,
Jamais por si suficientes para construir castelos!
E as janelas, jardim, cama, endereço?
E o reino, rainha, portas e portões?
As pedras têm objetivo maior que o tropeço,
Elas juntas têm habilidade de formar prisões
Assim só terei pedras, apenas pedras terei...
Além de paredes o que mais eu farei???
Talvez me apedrejar de forma voraz...
Então escrevinho:
As pedras no caminho? Deixo para trás...
Nenhum dia vou construir qualquer parede...
Obs: Nemo Nox é o autor dos versos da primeira estrofe