segunda-feira, 30 de maio de 2011

(A) PALAVRA-CHAVE

O 1º Testamento estava destinado a ser o último, mas não havia último como o primeiro. O testamento devia continuar, sempre como se estivesse a começar. Começava assim, sempre como se estivesse a acabar. No durante, durando a duração, “a palavra-chave” era o SE da questão: saber o que se sabe, do que não se sabe o que seja mais do que ser, o que se deseja?
Deste modo começo, deixo uma saudação a quem me venha (a) ler. Começo por criar a palavra chave: (o) artigo definido escondido, porta aberta de ou para (um) espanto (ele) mesmo espantoso como a ventosa dum tentáculo de octópode.
O numero chave daria oito voltas à fechadura ac(c)ionando a cada volta um novo avanço da lingueta da fechadura da porta no umbral na parede onde se iria introduzindo mais profundamente, a cada volta.
A a(c)cão cada vez mais visível, visivelmente alterou o curso das coisas, ao tornar-se + real! Era como se uma palavra pudesse desejar, porque não poderia… se ficasse viva?

Nota: “Deste modo começo/ deixo saudação a/ quem venha/ ler” pois, repetindo a ideia, dando-lhe uma f®ase outra, mostro onde encontro o momento onde pensei criar o texto que publico aqui.

Cada pessoa deveria poder ter um deus, não à sua imagem e semelhança, se tivesse uma ideia melhor. Julgo não ter uma ideia melhor, deixando que o meu deus seja cada leitor e cada leitura será, segundo esta escritura: 1º Testamento – no último momento – nunca o derradeiro se for verdadeira a esperança sempre viva, da vida ser a flor da Poesia a rebentar de novo em cada poema; falta um exemplo, por exemplo:

VICE-VERSA

digo o que escrevo
até escrever - silêncio
onde inscrevo a música
ao compasso da quietude
onde abandono meu corpo
sonho que espera o sono ou

domingo, 29 de maio de 2011

Enuma elish...


havia a raiva

feito serpente

bicho ruim

pelos cantos

havia poder

deslindando o caos

dissecando tudo

havia o desejo

certezas vagas

chuva miúda

minha boca na sua

havia tua beleza errática

minhas culpas temáticas

teus sorrisos asmáticos

havia mil beijos esquecidos de se dar

eles beiravam o abismo

e voejam ao teu redor

não vê?

havia você

na tal caixa

que Pandora abriu

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Queda Para o Céu















disseram que
atrás
da porta
a qual estava
continha
um mundo outro

e
como buscava
um novo mundo
aventurou-se

contou
um
dois
e no terceiro riso
jogou-se.

e por não mais
estar
sob nem
sobre
supõe-se
que caiu
no
céu
!


                     - Graça Carpes -

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acredita(r)




Acredita
E sinta a verdade te abraçar
Tenha fé no amor
Que a paz te alcançará

Acredita
Perceba a fluência amansar
Tenha sensibilidade
E não deixe de sonhar

Acredita
Há respostas para a prece
Sinta com louvor
O amor que te aquece

Acredita
A felicidade está ao lado
Aceite com leveza
O teu destino é abençoado

Acredita
Não tenha pressa do amar
É uma certeza
Para quem sabe esperar

Confia
Na esperança e no sonhar
Alimente a alma
Com a força do acreditar

terça-feira, 24 de maio de 2011

Verbete # 36: Rato


Para Sany Lara

O olho lembra uma gota de plástico derretido, dotado de mecânica interna que o rege sem grande alarde – uma gota de solda em circuito de celular, ou outro aparelho pequeno e complexo, nos remete em objetividade e opacidade.
Se na loteria evolutiva acendessem, antes de nós teriam criado um sistema parecido com esse – e nunca chegariam à poesia: seriam burocráticos, elétricos, cocainômanos, propensos a deliberações breves que se resolveriam em silêncio.
Poucos foram os que os viram pequenos, presos às tetas, sorvendo o leite que – talvez – a natureza pouco se orgulhe de ter elaborado: e que nunca chegaria às sorveterias, tampouco desfilaria em propaganda como ingrediente de creme para as marcas de expressão facial. Aqueles que os vislumbraram sabem pouco além de que são úmidos, vermelhos como a glande de um pênis; nota-se à primeira vista que saíram antes do tempo, afetados por elementos pesados ou nocivos.
Animal algum – ferido terrivelmente ou de forma comedida –, lembra tanto o homem ferido. A forma com que os ossos saltam para fora da pata aveludada – coberta com uma fina e bem arranjada camada de bombril – remete a ciclistas atropelados, visualizados pela janela do carro; lembra um cotovelo fraturado em um vôo inconseqüente que termina na lateral da piscina. 
(Uma criança deste tamanho, ou um pouco maior – já em seus primeiros ensaios –, seria incapaz de tocá-lo. O faz com besouros metálicos, baratas lisérgicas; certas vezes puxa pequenas cobras pelo rabo e as leva à boca; come a própria merda sempre que quente e próxima à mão.) 
Em determinado momento parecem movidos por uma insistente voz que os impele ao saque, que os conduzem à pilhagem: atravessam enxurradas obstinadamente – ainda que a anatomia os impossibilite; vencem dezenas de metros de encanamentos até surgirem ofegantes nas privadas – comprometidos, não recuam ou se arrependem; configurados para escalarem árvores e sacadas alçam-se ao alto para devorarem restos de sanduíches e pombos sonolentos.
Nenhum messias entre eles. Ninguém que se destaque em fome ou fúria.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Tudo é relativo


Para mim, minha musa não tem nome, mas existe. Ela fica na janela todos os dias, como quem me espera passar. - Ou será sonho meu? - Meus versos são pra ela, meus passos me levam sempre àquela janela de onde ela entoa uma cantiga simples e sonha em se casar. - Será comigo? - Meu respirar é apenas o motor que me mantém vivo pra ela, enquanto ela, diariamente, trança os cabelos e espera... olha a lua e pede aos anjos que guardem seu amor até que ela possa descer da janela e correr para meus braços. - Ou talvez não seja nada disso! - Na verdade ela espera é por meu amigo, que passa sempre ali comigo, mas é ainda mais tímido que eu, e lhe escreve secretamente versinhos de amor, todas as tardes, após olhar aquela bela senhorita, imaculada, na janela. E espera.

(foto: Princess Hend )

domingo, 22 de maio de 2011

Soneto Sem Sentido

Tudo tem um fim.
Não é mentira, ou superstição.
Nem verdade absoluta, ou suprema razão.
Tudo termina. Queira ou não.

Tudo tem um fim.
O sexo para quem deseja.
O amor para quem sonha.
O sucesso apra quem almeja.

Tudo tem uma finalidade qualquer.
Seja para satisfazer o homem ou,
para fazer apaixonar uma mulher.

Mas nada se justifica.
Nem o desamor de quem vai,
nem a paixão extrema de quem fica.

sábado, 21 de maio de 2011

O dia do orgulho

Michelangelo Merisi da Caravaggio, (1571 – 1610). Sacrifício de Isaac. Óleo sobre tela, c. 1598 - 116 cm × 173 cm (46 in × 68 in)

Todo domingo à noite, a sala de aula simples, com paredes enfeitadas de cartazes fabricados pelas crianças do jardim, é ocupada por uma turma de adultos em busca do tempo perdido. As aulas eram diárias no início, mas logo flexibilizaram o horário, pois muitas mulheres casadas reclamavam do período das aulas, alegando a insatisfação de seus companheiros quanto ao atraso no jantar, outros cursavam faculdade e os demais ou faziam inglês ou trabalhavam no turno noturno.

Inicialmente a turma era formada por trinta, atualmente vinte e seis alunos freqüentam o curso: gestão empresarial. Um cursinho de dois anos – todos ali buscam qualificação para se candidatarem a uma vaga no mercado de trabalho que estava escasso na pequena cidade de Itumbiara, localizada ao sul do Estado de Goiás. Com tanta dificuldade no país, o único setor admitindo mão de obra é esse, o indivíduo precisa escolher entre montar seu negócio ou arriscar uma vaga na indústria. A cidade é cheia de pequenos comerciantes.

O professor Mário entra, imponente, com toda a sua altura e altivez: respeitado por todos e admirado pelas solteironas de plantão. Grande momento na sala, sem dúvida era a entrada dele.

Apesar das constantes investidas das alunas, ele se mantém indiferente. Consegue ser esquivo o tempo todo; homem de pouca conversa, nenhuma exposição de sua intimidade; nunca chama a atenção de ninguém, por nenhum motivo; mesmo quando as tagarelices se excedem até o final da aula.

Mantém a voz firme e aveludada sempre no mesmo tom, desde o inicio de uma explicação até o “boa noite” de despedida sempre motivo de fofocas ao final da aula. Tinha cabelos castanhos e sedosos, vestia-se sempre de roupas sociais com cores mortas, mantinha a barba serrada e a pele limpa: “o homem ideal para qualquer mulher” suspiravam as plantonistas solteironas.
A cidade acabara de promover grande movimento em respeito ao Corpus Christi, neste ano deu-se no dia 10 de junho, quinta-feira, prolongando o feriado. Todos os alunos do curso participaram da barraquinha que, além de angariar recursos para as paróquias através de leilões e comercialização de comidas típicas, realiza neste ano um seminário com o tema: “A reeducação cristã para o fim da tolerância do pecado no Século XXI”, até o professor Mário conhecido como um respeitado mestre em exatas, contribuiu com suas palavras carregadas de sabedoria e legitimidade. Tudo isso só fora possível, por intermédio das carolas, que freqüentavam o curso, ardorosas por aquela figura.

O domingo após o feriado foi especial: término de outono, quase início do inverno, estava muito frio. Todos extasiados pelos frutos que o feriado de Corpus Christi havia provocado na pacata cidade. Não se falava em outra coisa, a não ser nas premissas do “abençoado professor Mário”, “o anjo que faltava à comunidade”, “o santo que caíra do céu para levantar Itumbiara e outros blá, blá, blás...”, o fato é que nem mesmo o Padre Gusmão com todo o seu discurso, sem falar na longevidade, fora tão elogiado pelo povo quanto o contido Mário.

Como de costume ele entra, deixa a pasta sobre a mesa e sem nenhuma palavra nos impõe o silêncio. Pega um giz, faz uma breve linha vertical na lousa e escreve o seu nome, e respectivamente a data do ano. Se vira para a classe e retira a blusa de lã que o protegia do frio. Diz a todos “boa noite” como nunca dissera anteriormente; um sorriso enorme no rosto feliz combinando com a estampa colorida da camiseta; um belo arco-íris sob a palavra “Rainbow”.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Aniversário

No dia em que a dor abrigou-se em sua casa, tomou uma decisão. Colocou na parede, um calendário. E enquanto dia a dia, mais tirana do que hóspede, invadia e devastava os recantos mais secretos de sua alma, ela esperava. A cada manhã, tendo sobrevivido a outra noite de terror, lágrimas, medo, e solidão, arrancava uma folha do calendário. A cada dia, uma dor, uma folha, menos um dia. Assim viveu durante quase um ano. Contando dias. Rompendo prazos. Colando cacos de alma e coração. Migalhas de amores. Agora, apenas uma folha restava. E a dor cicatrizara feito rocha em seu peito. Mas ainda imperava soberana sobre a casa. Acordou cedo. Fechou portas e janelas com cuidado. Em cada canto, porta, armário, piso, pia derramou solenemente a gasolina. E antes de riscar o fósforo e pôr fim à invasão e à tirania, arrancou a última folha do calendário.


Márcia Maia

de Sem amém, Ed. Moinhos de Vento, Recife, 2011.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

dúvidas acenando ao longe

estão indo ou vindo?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Celebridade






Surgira para o mundo das celebridades após a participação em um reality show.
Depois de sair da “casa”, já reconhecido como um dos drag queens mais criativos do mundo LGBTTXYZ, posou nu várias vezes para a G Magazine e revistas congêneres, tornou-se destaque anual de paradas gays e estrelou uma série de filmes pornôs voltados para o público homo.
Após décadas de sucesso, escreveu sua bombástica autobiografia e espantou meio mundo, após revelar o que ninguém esperava...
...Assumiu a heterossexualidade.





Crédito da foto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Isabelita_dos_Patins


Obs: as pessoas da foto, Salete Campari e Isabelita dos Patins, apenas ilustram a historieta acima e não tem suas biografias retratadas na mesma.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Lagarto Terrível *


Ao acordar, sentiu falta do dinossauro: e agora?
**************

O humano parecia surpreso em me ver ali.
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Para eles, sou terrível. Para mim, são divertidos. 
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HOMO SAPIENS = Sabidos por igual



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*Série em homenagem a Augusto Monterroso (1921-2003),
 que, entre outras coisas, foi precursor dos microcontos atuais.
 Alguns textos dele podem ser
lidos aqui.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Um dia é da pesca

          O garoto foi pescar com o pai, adorava esse tipo de programa. Ele e o pai juntos, viagem até o rio, aquela sensação de acampar - mesmo estando hospedado em um bom hotel - e pescar. Só tinha uma coisa que o incomodava: limpar os peixes. Ele não conseguia enfiar uma faca nos pobres peixes e arrancar-lhes as tripas com as próprias mãos.

          Ele e o pai passaram o dia pescando no barranco, cada qual com seu baldinho. Os baldinhos encheram-se, as horas também e o pai começou a limpar os peixes que pegou. Enfiava a faca, colocava no rio e tirava as tripas. Enfiava a faca, colocava no rio e tirava as tripas.

          O filho já estava enjoado e o pai, volta e meia, ainda falava:

          - Olha, esse aqui tem ova! - E levantava as mãos exibindo algo não identificável e bem sujo de sangue.

          Ao terminar de limpar o balde todo, o pai virou-se para o filho e perguntou:

          - Não vai limpar os seus?

          - Ah. Já limpo. Empresta a faca?

          O pai deixou a faca e foi andando na direção do hotel; Agora era só ele e os peixes. Olhou para o balde, faca na mão, suor na testa, olhos de peixe e mãos tremendo. Olhos nos peixes, mão no balde, suor na testa e hesitou. Não conseguiu pegar nenhum. Ficou apenas pensando na crueldade que era fazer aquilo com os animais.

Pensou mais um pouco e decidiu que ia soltá-los, todos. Decidido, foi até o balde e pegou o primeiro peixe na mão. O peixe se debateu, pulou contra seu rosto, fazendo-o gritar, escorregou entre suas mãos e foi para o chão.

          Ao lado, dois moleques que acabavam de chegar riam da cena e o imitavam em gestos e no grito. O garoto não teve dúvida, olhou bem nos olhos deles e enfiou a faca. Depois colocou no rio, tirou as tripas;  E repetiu o processo até esvaziar o balde - sem culpa ou remorso, afinal, era ele ou eles.






Texto publicado no livro Vem cá que eu te conto:

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Empatia


Empatia não é apenas sentir, é estar!



Difícil ser além de você
sentir, ouvir, transportar-se

Fácil esquecer, passar ao largo
ouvidos cegos, olhares surdos

Ser amargo

Impossível sentir, coração letárgico
sem entrada para possíveis amigos

Visão sonhada, na outra margem
mas não constrói pontes para passagem

Ser estático

Pessoas rindo, outras chorando
Compartilhando o dia, conforme sentiam

De repente, coração enlouqueceu
batia no ritmo de outra pessoa

Ser amado

Aprendeu gostar, começou descobrir
como saber do outro, sem ao menos ver

Agora, nunca mais separado
chorou, riu, esbravejou, sentiu

Ser humano


Joakim Antonio

domingo, 8 de maio de 2011

Vingança

Foi surpreendida pelo encarar de oito olhos atentos e ameaçadores.
Assustada e apressada, pegou a única arma que estava a seu alcance: o sapato de sair.
Com apenas um golpe a aranha se transformou em vestígio na sola do sapato.
Mas a morte ainda era pouco.
Foi para o baile e dançou a noite toda sobre o cadáver.


sábado, 7 de maio de 2011

Tudo fantasia




Toda força que se move
De dentro para fora
Como explosão de estrelas
Que se chocam

Todo o delírio que invade
As sombras da alcova
Como o silêncio de morte
Que nos atravessa

Todo segredo que se esconde
Ante o manto fúnebre
Como um corpo febril sob a seda,
Que nu, se oculta

Todo lampejo que vibra
Entre códices e signos
Como o contágio de dores
Que nos aniquilam

Toda forma que se define
Entre o acerto e o erro
Como estetas de idéias
Que reinventam mordaças

Toda loucura que move
Entre a prosa e a poesia
Como mulher seminua
Que nos conduz à orgia



quinta-feira, 5 de maio de 2011

Vida Fácil

é noite e microssaias nos passeios
ofertam seus serviços e atributos
olhando carros cheios, vários putos
perguntam preço, pedem fantasias
e – regra de mercado – negociam
carícias, falas, posições, minutos

cavalas dadas mostram dentaduras
com hálitos alcoólicos, mentiras
atiçam vaidades como piras
o fim perdoa a usura dos seus meios

sussurros solitários pedem beijo
insatisfeitas lábias à procura
à noite alguns desejos ganham fúria
e tons enrubescidos são desfeitos

de madrugada o nome faz sentido
e a puta assume a máscara que cria
é filha, insulto e mãe da criatura
rebola, entre a cobiça e a água fria
ciente que alma triste não tem cura
mas finge, e qualquer trago lhe alivia
e o dia que alvorece, tão sem culpa,
ofende como fosse hipocrisia

domingo, 1 de maio de 2011

irrelevante

é uma revolta concreta
uma dor ereta
que penetra, estupra

um vômito atônico
no mar de incertezas
reviro-me em poesia

uma batalha perdida
cada luta um verso
vencido, atônico

um atar de nós que não fiz
em distâncias que não percorri
de caminhos que desconheço

mas nem assim, cresço
quanto mais sou
menos me reconheço


vago em cantos
que não sou meus
utópicos, impróprios


sou gozo em primeira pessoa
do plural
calado, inválido.