quinta-feira, 29 de outubro de 2009

um grande abraço



Toda estória, seja ela grande ou pequena, insignificante ou importante, todas as estórias, todas mesmo tem marcadores, sinais que atribuímos e que nos levam diretamente para dentro de uma lembrança. É um processo básico e tolo. Se você algum dia fez amor num vagão dormitório de um trem é provável que fique estranhamente emocionado ao sentir o balanço do trem. O trem, o balanço, os sons que o envolvem são os marcadores, os sinais, os símbolos que te arremessam dentro daquela estória. Eu por exemplo tenho uma relação boa com o chocolate e com cheiro de goiabas. Todos nós temos muitas estórias e muitos marcadores ou sinais. Nessa estória o som dos sinos é o marcador. Não importa se grandes ou pequenos. Sinos. São eles o selo, o convite e a senha para essa estória. Tudo começou numa noite que minha personagem há muito tempo esqueceu. Ela a escondeu sob muitas camadas de estórias mais urgentes. A mulher dessa estória é uma dessas pessoas distraídas e práticas que mal notam a magia que existe á sua volta. Se no café da manhã uma fada surgir e se sentar á mesa exigindo atenção, a mulher conversará com a fada amistosamente e depois vai se despedir apresada e partir para mais um dia de trabalho.
Na noite em que nossa estória começa a mulher estava triste, desesperadamente triste. Um grande abraço era tudo com que ela sonhava naquela noite. Sentia uma tristeza imensa e indefinida, era como se todas as culpas do mundo fossem suas. Um desespero sem nome. Andou pela casa, ligou o computador,conversou,riu até. Mas a sensação permanecia ali, latente e dolorida. Desligou tudo, desligou-se de tudo. Decidiu-se por um longo banho, os pensamentos vagos e confusos. A água caindo fazia um barulho que preenchia todo o espaço do pequeno banheiro, ecoando pela casa vazia e amplificando a tristeza, logo ela estava chorando. Longos soluços convulsionando o corpo frágil. As lágrimas misturando-se à água morna do chuveiro. Mas à medida que se acalmavam os soluços mais sombrios se tornavam seus pensamentos e maior era o nevoeiro de tristeza que a envolvia. Teria jurado que ouvia música, como de fossem sinos... Ou talvez uma risada. Ela balançou a cabeça negativamente e permitiu-se um sorriso. “É um rádio ou uma televisão”– pensou – Os sons deviam vir de um dos vizinhos e, por qualquer razão, ela podia escutar. O curioso era que parecia vir de sua própria casa. O vento fazia esses truques. Enrolou-se na toalha e enquanto escovava os cabelos mal via a si mesma, pensava nas coisas que teria de fazer no dia seguinte, contas, trabalho, almoço com fornecedores, comprar um presente para um amigo, sorrir muito para que ninguém percebesse que ela estava desmoronando, sorrir sempre, especialmente quando a sua família voltasse da viagem.
Saiu para o corredor e ao entrar no quarto o mesmo vento encheu o quarto e fez os papéis sobre a pequena escrivaninha voarem como borboletas enlouquecidas. Ela pegou uma das folhas que caiu perto da cama e leu o texto rabiscado por ela mesma alguns dias antes. "Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles. Você está sempre livre para mudar de idéia e escolher um futuro, ou um passado diferente. Richard Bach” Ela olhou para a frase e devagar, quase religiosamente, dobrou a folha de papel, não recolheu os outros papéis. Fechou os olhos e quase em perceber cobriu as orelhas para não ouvir o riso que a essa altura já sabia, tinha certeza só seus ouvidos ou sua mente captavam. Apagou a luz do quarto e da sua janela viu as luzes dos vizinhos se acenderem brilhando sob o céu estrelado. Deixou a toalha cair e jogou-se na cama, os olhos decifrando sombras, aceitou os risos e a música dos sinos,se era só isso que podiam fazer não se incomodaria,eram os sons perdidos de alguma lembrança eles não significavam nada. Ao pensar isso a risada cessou, mas os sinos soavam ainda. Aos poucos sem perceber ela adormeceu encolhida como um bebê, os braços envolvendo o travesseiro.
Como se escolhe um passado diferente? Você deve estar pensando, mas se você pudesse viajar ao passado e convencer seu Eu mais jovem que aquela determinada ação não lhe faria nenhum bem?Você iria?E se passado e presente não fossem mais que uma ilusão? Se o próprio tempo fosse uma ilusão?Minha personagem estava para encontrar alguém que a conhecia melhor do que ela mesma, alguém que a visitava em sonhos, com quem tinha grandes conversas, um grande amigo, normalmente ela não ouvia seu riso desperta, mas aquele era um dia atípico e como disse antes ela precisava de um abraço. A magia não é uma prática tão obscura e complicada como a maioria das pessoas pensa. A magia é baseada na ciência das vibrações e das suas diversas qualidades. O mago branco comunica aos objetos e aos seres vibrações harmoniosas que favorecem o melhor para todos. Nós enviamos vibrações o tempo todo. Mesmo que não seja consciente disso a mulher triste e nua naquele quarto enviou seu chamado, seu pedido de socorro.Seu amigo estava chegando, pelo ar, sob as estrelas, sobre uma estrada, ele voava. Invisível para você e eu, como o vento, ele voava. Planava sobre nuvens tão macias quanto algodão, parava em árvores, distraía-se com outros voadores e ria dos medos da mulher adormecida. Mas, em seu quarto ela dormia profundamente um sono ainda sem sonhos, trêmula e apreensiva, em sua cama, enquanto uma lua brilhante e cheia erguia-se sobre a cidade, fazendo com que a paisagem se tornasse um mar de prata.Ela o pressentiu e em seu sono abriu os olhos claros e doces, espreguiçando-se languidamente. Sentado à beira da cama, um vulto de o rosto indistinto parecia esperar por ela. Uma voz grave e suave disse:– A senhora queria falar comigo?
– Eu te chamei? Não percebi.– O dia inteiro. Vim aqui te ver e você não parecia nada bem. – Ela sentou-se na cama, abraçou os joelhos e apoiou o queixo sobre um deles. Ele aproximou-se e ajoelhou-se diante dela – Não me ouvia por mais que te chamasse, porque estava como sempre fechada a tudo que não fosse real, mesmo sonhando acordada, você me diverte – respondeu ele por fim – Conversava com você mesma, me excluiu de sua vida desperta – adicionou com um sorriso enquanto acariciava distraidamente a perna que ela ainda abraçava. – Por que está tão nervosa? Ela suspirou sentindo-se mais tranqüila olhando para aquele par de olhos cintilantes entre as sombras. – Não sei... Tudo parece errado, mesmo estando certo. A lua brilha no céu. A vida segue seu rumo. Trabalho, casa, trabalho, família, mas eu não me sinto bem, falta alguma coisa. Talvez você!Ele sorriu, ela sentou-se a beira da cama. Os olhos imensamente tristes procurando os dele. – Não estava procurando por você – ele disse - Não quero em minha vida o que quer me oferecer – Você é prática demais, realista demais e teme o que eu tenho o que eu sou. Volte para seu mundo e não me invoque de novo. O meu mundo não é para você.
– Só quero tempo e um pouco de paz. – ela rebatia em pensamento – Preciso de você. O homem se aproximou da cama e envolvendo a mulher num abraço apertado, deixou-se ficar ali de modo que ela podia beijar sua cabeça enquanto ele se enterrava entre seus seios. – Se encontrar o que busca aqui, poderá ficar preso a mim... Para sempre. Está disposta a correr o risco?Quer abrir mão da vida que escolheu? Mudar presente, passado e futuro. Não te quero pela metade. Você queria um abraço, meu abraço... Eu vim e sempre que venho me perco, você me desconcerta....Ela suspirou enquanto o fazia erguer a cabeça e olhava em seus olhos –Talvez seja hora de me arriscar – O que aconteceria se eu lhe beijasse agora, você me esqueceria ao acordar? – perguntava sabendo a resposta. Assim, sem deixar de olhá-la nos olhos, ergueu a mão até o rosto dela e a beijou. Ela estava tão entregue que era tentador aproveitar-se dela. Pensou em acariciar o pescoço com um dedo. Ela não poderia fazer nada se ele resolvesse deslizar as mãos por sua pele. Estava sob controle, entregue, suave, cálida e frágil. Contentou-se com mais um beijo. E com aquele abraço interminável, ela gemia para lhe dar boas vindas, era sua ali naquele espaço ela era só dele. Sua boca ávida percorreu o pescoço, os seios, o tempo não existia. Adoraria leva-la com ele mostrar-lhe o que havia além daquela vida que ela escolheu.
– Dorme e me esquece. – ele disse ao mesmo tempo em que lhe beijava os olhos, ela afastou-se relutante, mas obedeceu. Ele meteu as mãos nos bolsos para resistir ao desejo de tocá-la e suspirou.– Inferno! – se lamentou – Não quero o que me oferece. Não a quero em minha vida. Ele ficou parado à porta do quarto, olhando para ela com uma expressão de tanta raiva que a mulher se encolheu na cama. Estava perdendo tempo demais pensando nela. E isso o irritava mais do que gostaria de admitir. Ela dormia e ele aproximou-se, as mãos desenhando o traçado do corpo dela. O cheiro dela entranhando-se em suas memórias. Ainda que se forçasse a se afastar da mulher, aqueles olhos tristes, aquela doçura o prendiam. Ele a conhecia há tanto tempo. Pena que ela não lembrasse. Decidiu que tinha direito a algum capricho, assim, sem deixar de olhá-la, inclinou a cabeça e a beijou ela não precisava lembrar, ele a queria e a teria de novo, voltaria mesmo que não o chamasse porque precisava dela. Ela gemia em seu sono. Já não o percebia mais. O vento soprou e ele beijou-lhe a testa. – Durma – Seu modo de se mover suave e feminino bastava para deixá-lo louco. Cada vez que ela respirava com os lábios entreabertos parecia um convite e provavelmente era – Sonhe comigo, não vou voltar se me chamar – acrescentou. Mas o vento invadiu o quarto e fez os papéis revoarem novamente, ele viu a folha que jazia dobrada ao lado da mulher adormecida. Desdobrou-a com cuidado e leu o texto escrito em letra apressada. "Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles. Você está sempre livre para mudar de idéia e escolher um futuro, ou um passado diferente. Richard Bach" O visitante sorriu e desapareceu na noite enluarada, com a certeza de que voltaria. A mulher sorria em seu sono.

sábado, 24 de outubro de 2009

Estúdio Raposa



Meus camaradas, alguns de meus poemas podem ser ouvidos na voz de Luis Gaspar, no audioblog Estúdio Raposa. Feliz demais ao ouvir meus poemas, me deu um ânimo novo em ler, ler e produzir. Só tenho a agradecer a Luis Gaspar por esse presente! Um abraço a todos!




*


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A tua ausência

Essa solidão deixou
teu nome escrito
com letras de espinho
nas paredes do meu coração

Ah meu Deus quanta dor....
E agora amor?
E agora....
Que a tua demora
Fez meu peito se encher de dor
(é a saudade)

E a saudade
Costurou minhas horas
O ontem, o amanhã e o agora
É tristeza que não tem mais fim.

"Felicidade é boa saúde e má memória" (Ingrid Bergman)

sábado, 17 de outubro de 2009

Da parte que me cabe





Os pensamentos torturaram a paz
Atravessaram em alta velocidade
A Av. Conceição, mendigando:

-Piedade!

Os cacos já não colam mais
Espalharam-se pelo corredor
Da minha transgressão,

As teclas do computador e meu coração
Desbotaram nas pontas dos meus dedos
cada letra por direito enfatiza o dissabor
e afronta em mim defeitos e medos,

O que sobrou sobre a mesa da cozinha:
A faca, a bainha, e o pão que embolorou,

O café esfriou, não uso garrafa térmica
Consumo tudo no calor dos momentos,

Alimento-me agora da crença de outrora
E de alguns fragmentos,

E para quem pensa que meu intento é defunto:
- Quero a parte que me cabe deste vasto mundo!




Imagem: http://www.designup.pro.br/files/insp/thumb300x300/1250519367.jpg

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Inoculado - Flá Perez

Sou meteora, gigantesca,
arrasadora

e ao mesmo tempo
a molécula mais rara
encontrada neste século.

Deixei extraterrestres em seu solo.

E essa rocha cética,
ainda que por fora
pareça estar intacta
já tem a marca venérea
desse impacto.

Multiplica-se
e devagar se espalha,
recombinado em qualquer rima,

pra cair depois na sua veia,
o vírus sulferino
da obra-prima.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tarja Preta

Tua voz tange minha retina
indeferidos brados
ribombam no céu da boca

Sismo
catarses violetas
entredentes dissipo o eco
em beijos acres

A cidade alucina
Entre o crepúsculo brocado
E a sombra seda fosca

Cismo
tinjo as tarjas pretas
verde, champanhe, prosecco
delírio tinto em cristal ocre

O raso é sem fundo
quando desfraldas tuas velas
entre o inefável e o hostil

pelo vidro vejo o mundo
que desbota e amarela
sob teu olhar incivil.

Rosa Cardoso e Iriene Borges

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Passou o dedo pela cabeceira e mostrou para a garotinha deitada na cama:

- Olha essa sujeira, minha filha, isso aqui está uma vergonha!

- Mas, mãe, não fui eu que sujei.

- Foi você sim. Está aqui no seu quarto.

- Mas...

- Nada de mas. Ainda hoje você pega um paninho e limpa. Quando eu voltar quero ver isso aqui brilhando!

A garotinha, ainda deitada na cama, refletiu sobre o pó em cima da cabeceira e sua relação de culpa em relação ao pó.

Quando a mãe voltou, a cabeceira ainda estava toda empoeirada. Ela então cobrou a filha:

- Por que é que a cabeceira continua toda cheia de pó?

Com um ar de saber só de experiências feito, a garotinha respondeu, até com certo descaso:

- Não adianta limpar. Vai sujar de novo. É pó de gente.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Morada Para Barbara

Morar numa canção de Chico
quando nada fizer sentido
se o problema for desgaste
recomendo uso de Buarque
mas se decidir por uma festa
divirta-se ouvindo o Cesar
Caso o problema seja desgosto
experimente um cd de João Bosco
Abstinência de toxinas?
dope-se com clube da esquina
Se for por falta de maça
encoraje-se ouvindo Djavan
Se for alguma desavença
faça as pazes ouvindo Alceu Valença
Se precisar da loucura de éter
substitua por doses de Cassia Eller
Se está preocupado se vacine
com sacadas e bom gosto de Lenine
Se o dinheiro estiver curtinho
churrasco na laje com Pagodinho
Se estiver farpado feito arame
sugiro descobrir Marco Vilane
Se acha que ninguém te gosta
sofra com pitadas de Gal costa
Se é problema passageiro
encare o relógio ao som de Baleiro
Se a ferida requer atadura
envolva-se na poesia de Cazuza
Se o incômodo for distância
Encurte-a na afinação de Betânia
Se acaso entrou pelo cano
aplique na veia Caetano
Se tá curto seu pavio
Medite com o senhor Gilberto Gil
E se a angústia for maior
suma um tempo feito Belchior
Se é ausência de faz de conta
recomece com Paulinho Moska
Se for coisa pequenina
uma faixa de Elis Regina

Mas se nada disso fez sentido
eu me recolho ao meu lugar
na mais linda canção de Chico
eternamente posso morar

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Conversão

Franco Fontana


Em solavancos vou levando a vida.
Escrevendo livros que se perdem
Em esquinas obscuras e obscenas.
Vou poetando o que é suburbano,
Subumano, sub-mundano.

Vou me pervertendo,
Convertendo-me insanamente.
Trocando olhares com prostitutas
E beijos com donzelas mais putas que as putas.

Vou bebendo o fel como se fosse mel,
Veneno diário que me sustenta.
Vou me alimentando de orgias
E fazendo cirurgias pra mudança de sexo.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Beleza

Persiste a beleza ainda que
Tudo esteja disforme
Ainda que eu me confunda
Ao olhar arredores
E perceber que já não sei

Ainda há beleza escondida
Em teu olhar de rosa

Mesmo que nas esquinas
Se escondam olhares estranhos
Que nas calçadas
Se arrastem pés cansados
Ainda que me entristeça
Ao procurar por ontens

Ainda há beleza escondida
Em teu olhar de rosa

quinta-feira, 1 de outubro de 2009






















sob os horizontes
tombam olhos famintos
vontades permissivas
exércitos sem causa

calam-se sob o tempo
essas lutas vãs
ecos de derrotas
mortos e famintos

e todo o resto se amontoa
quando os amanheceres
se tornam garrafas vazias
de bebida barata.