quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Prepositórios



(estafilo)cocos
da Bahia
de São Salvador
da pátria
dos miseráveis
de andrajos
de grife
de merda
do ânus
do sujo
de terno

(do)mina
(de)feca
de cima

(de)mente
(de)clina
(do)ente

(de)clama
da vala
de lama

sub-reptício
réptil
prepõe
pregações

supositoriais
preposições

Carlos Cruz - 26/09/2007

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

FRAGMENTO RETIRADO DE UMA CARTA FALSA

tela de Basquiat


Quem virá me salvar? Quando? Y como? As preces se perdem: o deus-cavalo saxão ñ compreende minhas psicopatologias: quem vem, herói ou vilão, Jesus ou Judas, reerguer-me da briga q se arrasta pelas ruas y q tem sido a minha vida: quem vem, y como, levantar-me d uma queda q se eterniza no impacto com o chão: levantar-me d um tombo fatal, sistêmico: caio, cai minha sanidade, caio, despenca meu juízo – pensei, ontem, em dizer uma palavra mágica, q guardo há muito, q destruiria todas as coisas (voaria antes, eu vislumbrei isso, como o Enola Gay voou [em seu útero um ovo] por sobre as cabeças sem chapéu dos homens); pensei ontem, verbo mágico se debatendo em meus dentes em cela, q essa palavra seria ouvida nos manicômios como um chamado insano à realidade (isso se denomina poesia!): quem? como? onde? virá, se é q se pode, se é q se efetiva, destituir-me d minha dor, levá-la d mim? (Aborto para o lixo; mentira ao coração; ódio aos q vivem em cólera [levá-la como se leva o rosto ao soco, como se lava o sangue das mãos após a carícia dos estúpidos: como se conduz às vísceras o cabo da faca...]). Por um instante, antes d o apocalipse deflagrar, escuto um fallen angel executando um solo d trombeta numa flor d beladona: quem poderá, tira, bandido, Montechio ou Capuleto, dos Elíseos ou dos umbrais, separar-me d meu medo, desencravá-lo d mim? – adestrá-lo, deixá-lo dócil como um lobotomizado a passear sem poder algum em meio aos meus pensamentos sem q os transfigure em verde, sem q os potencialize em dor y os converta em dúvida? Como y quem?



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domingo, 23 de setembro de 2007

Primavera

Foto: José Gama
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Quando setembro flor-ido

primavirá o verão...

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Nasceu ontem meu amor-perfeito
com o sol em riso e a lua em crescências.
Sobrenome, o PRÓPRIO.
Não preciso adubar:
brotou num solo de jazz,
na aur(h)ora da gaita...
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*
*
Marla de Queiroz

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A liberdade de uma vida

Lucien Freud - Naked girl asleep (1968)


Um pouco de contradição, vodca, introspecção, intelectualidade, romantismo e amizade. Coisas necessárias para o sentir da vida num final de semana. Ah, ouvir rock – odeio rock! -, mas Janis Joplin é um pouco de tudo isso que tenho vivido.

Uma sensação de liberdade, perdição e vontade de se encontrar mesmo estando perdido num decaedro. No meio do mato, num ambiente inusitado e pouco relevante se comparado a tudo já vivenciado por um mero adolescente recluso dos prazeres triviais. Cheio de vontades, dentre elas a de sentir o que um corpo comum possa sentir. Acho que os jovens do início do século 21, assim como os outros, sentiram a mesma coisa nesses dias, se não todos, pelo menos aqueles preocupados em dar significado a sua passagem por esse mundo louco e sarcástico... Não preciso trocar o telefone celular por um com câmara acoplado, nem com visor colorido, afinal, só preciso de um telefone. Preciso!? Do que preciso?

Revolucionar o dia como naquele tempo pelado e entorpecido se tomava as ruas, numa vanguarda intrínseca às razões dos sonhos. A utopia sem fim, rebelada com simultaneidade e nudez, entre correntes e opressões lacrimogêneas... pelas Sorbonnes e o desfrute da carne transformando o momento de uma humanidade frustrada em suas respostas.

Os grafites e a cola nos braços, dividindo espaço com lenços e reboques. Em transgressões fictícias, no entanto mordazes, tornaram-lhes jovens. Os tornaram capazes de sentir, aquilo que hoje já nem sinto quando teatro minha toxidade numa rua urbana sem muro vivo, inscritos de artes como o nascimento do homem ao ser fecundado no óvulo. Quando Janis Joplin surgiu? Por que a música existe? Qual o propósito dessa mulher, que indiferente de muitos roqueiros de seu tempo até o nosso, sofrem num mundo insólito e superdosado, ou se marginalizam pela peculiaridade de seu psiquismo? O que seria a marginalização intelectual?

Dopar-se até o cérebro escarnecer a alma? Ou ter no gozo o ópio da pureza? Eu quero ceifar esses medos e gritar que o intelecto me cega no mundo que existo sem existir. Virar do avesso com meu sexo barato, comprado no canal aberto da madrugada vazia. Sem entender que a transgressão selvagem e a criação deusificada caminham juntas na mesma calçada restada às prostituas sem nenhum intelecto continental.

Não sei se preciso de álcool para entrar em sintonia com aquilo que realmente seja. Sei que a sensação de me sentir flutuar num mundo concreto e limitado faz bem por alguns segundos. Quando é impossível ser um cara de 23 anos e não se lembrar das vontades escritas por Maria Mariana antes que tudo se acabe. O sentido de tudo talvez não exista: a nostalgia, alegria, paixão. Vontades talvez não existam. O mundo talvez exista pelos simples fatos... algumas lágrimas, risos e uma história para contar sobre eles. A teleologia desses termos deixo para quem queira.

A idéia de padecer sempre me veio como uma solução difusa, embora, pertinente para o acometimento da tristeza e a peculiar melancolia facial expressada rotineiramente. O que contradiz o fato de eu ser o oposto daquilo que pensava ser, e que hoje de manhã acreditei ser e a tarde já não era mais. Mas agora a noite já nem existo mais. O que me faz ser o paradoxo contínuo de tudo que acredito ser diariamente, numa inflexão como medida para todas as coisas, visualização errônea e desnecessária das coisas. Imprudência nas atitudes e desmantelo daquilo que deveria ser tratado com esmero e delicadeza.

A morte me parece uma pluma suspensa no ar, pairando sobre as folhas da figueira, abacateiros, hortênsias, jasmineiros... pouso forçado na terra. Pluma de algodão disforme; penugem de ave disforme; dente-de-leão disforme como o vento leve como a vida nesses dias inteiros de lucidez. Embora, tanto queira abrir a porta e as janelas para deixar a esperança entrar na casa que abrigo no espetáculo trazido pelo vento da tarde. O corpo como uma semente flutuando alto, alto e perdido. No refluxo dum sortimento interiorizando-me.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra


Quando falamos em povo brasileiro surge logo aquela tríade futebol-samba-e-carnaval. Há algo de errado nisso? Não, acredito que não. Não faço parte do grupo de pessoas que querem extinguir por completo os traços de uma nação, alegando que não podemos generalizar, que não podemos simplificar um povo. Acredito, sim, que existem traços culturais que são bem marcados, e essa tríade, futebol-samba-e-carnaval, é verificada de norte a sul do país.
Não importa se o time é de primeira, segunda ou terceira divisão, o que importa é que em todos os estados existem os populares clássicos do futebol. O Samba é outro sintominha da nossa brasilidade, não é difícil encontrar uma roda de samba. No carnaval predomina o samba e seus subprodutos, mas se não tem samba, tem outra porrada de ritmos disponíveis denunciando que é hora de festejar. Mas, festejar o que mesmo? A vida? Só pode ser a vida. Mas, que vida? A minha, a sua, essa que Deus nos deu. Mas, que Deus? Como assim que Deus? Quem ousaria questionar a existência de Deus? Deus é brasileiro, né não? Não sei se Deus é brasileiro, mas sei que nesse cantinho gelado do mapa onde futebol-samba-e-carnaval se faz presente denunciando que aqui também é Brasil, a fé vive em direto confronto com a razão.
Hoje, 20 de setembro, se comemora a Revolução Farroupilha. Revolução que não teve sucesso, mas é comemorada por todos os gaúchos. Uma comemoração que tem como principal característica o cultivo da história, dos valores humanos e políticos, aqui se canta o hino que diz “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Talvez por influência da filosofia positivista, tenha se instaurado um ceticismo que entra em contraste com o resto do país.
Há crenças no Rio Grande do Sul? Claro que há, mas observem que o modelo a ser seguido aqui é o da história do homem: sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra. E devido a vastíssima diversidade cultural do Rio Grande do Sul, negros, índios, alemães, italianos, açorianos..., me surpreendo todos os dias com a determinação de um povo que está longe de ser esteriotipado, generalizado. Definir um único traço para essa cultura seria um perigo, o Rio Grande do Sul escapa dos rótulos. Érico Veríssimo conseguiu resgatar um pouco dessa história de guerras, mas, ainda assim, só uma parcela desse povo é que está descrita em seus livros. Moacyr Scliar, mais contemporâneo e não menos histórico, nos presenteia com algumas histórias do judaísmo...
As pessoas aqui em Porto Alegre costumam dizer que a cidade é um ovo. Porto Alegre hoje tem mais de um milhão e oitocentos mil habitantes, com um ar de cidade provinciana, onde as tribos de alguma forma se encontram. Ao mesmo tempo em que é pequena é enorme porque permite, na sua grandeza, acolher a diversidade de pensamentos.
Talvez a 6ª Bienal do Mercosul seja a expressão maior da grandeza desse povo. Patrocinada pela iniciativa privada, a maioria empresários gaúchos, fazem uma das maiores exposições de arte do planeta. Tendo como elemento introdutório o conto de Guimarães Rosa, “A Terceira Margem”, a Bienal ocupa dois prédios históricos e o cais da cidade. Do outro lado da cidade, um grupo de artistas locais, criaram a Bienal B, o lado B da Bienal. Sem contar que nesse mês acontece o Porto Alegre em Cena, espetáculos teatrais com preços populares com a presença das melhores companhias do mundo, neste ano se destacam: Théâtre Du Soleil, Julio Bocca, Sankai Juku...
A tradicional feira do livro é outro evento que acontece agora, no mês de outubro. Todos esses eventos culturais contrastam com o tradicional gaúcho dos pampas que historicamente vivia em um ambiente hostil e extremamente machista. Só esse povo consegue ser contraditoriamente exemplar. Festejo essa data pela identificação com a história, pelas façanhas alcançadas hoje e pela vida que está justificada pela determinação de conhecer, lutar e vencer.

Da cidade que [dizem] é um ovo.

Freddie Fernandes.

Porto Alegre, 20 de setembro de 2007.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O meu mar



Nos cais
Do meu mar
Ouço os pensamentos
Debaterem nas ondas
E ao se romperem
Entre o horizonte e o céu
Surgem as idéias
Escondidas no ar
Da liberdade
Na busca dos meus sinais
Que tanto anseiam
O meu ser e o mundo
Na vertigem
Do meu esquecimento
Alenta um mar
Calmo e tranqüilo
Para o meu eu
Adormecer
Na escuridão de um mar sem fim
E assim descansar
Em um novo horizonte

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Instruções de como passar um e-mail

Feito como um trabalho de faculdade, foi baseado no "Instruções para dar corda no relógio"
de Júlio Cortázar...
Instruções de como passar um e-mail

O importante é a comunicação. Transmitir a mensagem é o essencial. Assegure que o computador esteja ligado e que você está, exatamente agora, conectado a milhões e milhões de megabites, inserido na teia cibernética mundial. Aproprie-se de endereços sem ruas, residências virtuais sem portas ou telhados, mas que na sua quase totalidade possuem janelas. Em português ou inglês, tanto faz. Não precisa aguardar o ano 2010, faça contato agora mesmo.
A necessidade agora é o conteúdo. As construções sem lajes que são as palavras, as idéias e as coisas expressas sob o signo das letras. Procure aglutinar todas, reunir sob o pendão gramatical correto (muito embora a rede tenha um linguajar próprio, não é muito salutar abusar de seu uso: causa diversos preconceitos literários e grandes vícios, tal como o álcool ou o tabaco), e distribua as frases em fileiras separadas, mas unidas entre si por aquela coisinha que anima a viver. Sentido. Ponha ênfase e coração no texto, coloque alma, dê vida. Introduza imagens, anexe fotos. Ou reproduza como um antigo telegrama. Ponto. Clique enviar. Guarde o rascunho eletrônico. A comunicação é o que importa. Se sua mensagem foi transmitida com sucesso, imprima o comprovante. Isto dá uma impressão de segurança.
Se não entenderem, pelo menos farão versões. Algumas melhores, mas na sua grande maioria, divergirão entre os aspectos da vida e os bolos de cenoura do futuro.

domingo, 16 de setembro de 2007

O Garoto

- Paiê, você não acha que eu mereço? Me comportei direitinho...
- Não sei, Arturzinho, não sei...
- Mas olha só, é verdade, tá aqui o papel assinado pelo diretor! - disse, mostrando ao pai um documento em que constava, dentre outras informações, "bom comportamento".
Quinze dias depois, Paulinho foi liberado pela Justiça. Apesar de condenado a 15 anos por matar um mendigo a pauladas, junto com sua gangue, o pitboy foi beneficiado após 3 anos de pena cumprida por "bom comportamento". E, prosseguindo o diálogo entre pai e filho, agora em uma concessionária:
- É Arturzinho, tô orgulhoso de você... você realmente merece!
E o "garoto" sai da loja com seu importadão 0 quilômetro...

sábado, 15 de setembro de 2007

Insônia


A cama vazia pulsa pelo meu corpo
Mas estou encarcerada na febre
Jaz vivo no caixão do alvoroço
Aquele que inventa o que não deve


Não quero dormir
A noite é felpuda
escorrego entre seus dedos
e desmaio no travesseiro que urra


Sonho um sono que me leve
vazio e transparente
frágil como uma pluma
não insiste em me deixar doente


Quero brincar no escuro
Desvendar as almas penadas
passear no cemitério
Com um cadáver de mãos dadas

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Casa para alugar

Cecília retornou à cidade natal depois de ser escolhida entre uma centena de candidatos à vaga na indústria de laticínios. Cecília queria o emprego. Cecília precisava do emprego, mas acima de tudo Cecília queria resgatar o passado.
Aconteceu na última quarta-feira de agosto de 1947. Na semana anterior Cecília soprou quatro velinhas brancas e ganhou uma caixinha de música. Tudo foi muito rápido. Ela acordou no meio da noite com o barulho de vidro estilhaçando no chão. Em seguida gritos e mais gritos. Um estampido forte e mais outro estampido. Depois, o silêncio. Não teve coragem de abrir a porta. Deu corda na caixinha de música e esperou a mãe. Ou o pai. E deu mais uma vez corda na caixinha de música. E mais outra vez. E mais outra vez. E outra vez mais. Nem pai, nem mãe. Só de manhã, quando o sol espiou pela janela a tia entrou no quarto, abraçou Cecília e pegou-a no colo. Ainda de pijama entraram no carro e viajaram. Cecília não chorou, Cecília não perguntou. Cecília não ouviu. Apenas viajaram. Cecília nunca mais viu seus pais.
Agora, moça feita, estudiosa, bonita e seios fartos. Formou-se na primeira turma de engenharia de alimentos. Aos vinte e cinco anos tinha diploma e três anos de experiência na fabricação de queijos. Voltou para ser gerente de qualidade na maior indústria da região. Era uma vencedora. Hospedou-se em um pequeno hotel. Tinha quinze dias para encontrar moradia e se instalar. Seria muito fácil. Tinha apenas livros e poucas roupas.
Cecília não conhecia a cidade e procurou uma casa próxima à fabrica. Nada agradava. Não queria uma daquelas casas geminadas. Tampouco queria lugar com árvores pequenas. Não havia muitas opções na pequena cidade. A dona da imobiliária sugeriu uma casinha mobiliada de dois pisos próxima à praça do coreto. Era perto da igreja, próximo ao banco e também tinha comércio além da padaria. Seria o lugar ideal para morar.
Pegou a chave na corretora e foi a pé até o endereço com a placa de aluga-se.
Abriu o portão de madeira, deu cinco passos à frente e enfiou a chave, girou duas voltas e a porta se abriu. A sala era pequenininha. Duas poltronas, uma radiola e uma estante com uns vinte livros enquanto do outro lado havia uma mesa redonda e um balcão onde deveria estar a louça. Cecília foi até a janela e puxou a cortina empoeirada. Queria mais luz, queria ar. Precisava de ar.
Cecília olhou para a cozinha, mas dirigiu-se para a escada. Parou antes do antes do primeiro degrau, pousou a mão no corrimão e olhou para cima. Fechou os olhos para concentrar a audição nos ruídos da casa. Arrepiou-se. Pé ante pé começou a escalada. Pensou que já tinha olhado outras casas na cidade e que não havia motivo para ter receio de entrar em qualquer casa. – Mas esta tem ruídos – falou alto. Mais um passo e a madeira ressecada gemeu com o peso da visitante. Cecília parou e apurou a audição novamente. Não sabia se a música vinha de dentro ou de fora. Bem suave. Quase inaudível. Cecília chegou ao patamar do meio da escada, virou para a direita e continuou vagarosamente a ouvir os lamentos da madeira do piso em dueto com os passos. Mais dois choros e alcançou o segundo piso.
Era um corredor estreito e iluminado por janelinha suja de tempo. Havia três portas fechadas. Cecília intuiu que a primeira porta seria a do banheiro. Sem receios, segura, abriu e confirmou sua expectativa. A segurança foi trocada pela dúvida. Avançou mais dois passos e estancou na frente da segunda porta. Os joelhos fraquejaram. Cecília respirou fundo e colocou a mão esquerda na maçaneta girando o trinco dourado. A porta que estava destrancada abriu-se lentamente. Não havia nenhuma luz naquele quarto. A música vinha dali, agora tinha certeza. Não era qualquer música. Vinha da caixinha de música. Não sabia se de dentro ou de fora da sua cabeça.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Naufrági(l)o


De longe vi o barco. Nadei na correnteza, subi, chorei no leme, peguei no choro, dormi.
De perto era o mar que via longe, a terra, bem longe. Era o mar bem perto. O mar e suas batidas, nas pedras, penhascos, fiascos dessa vida que o mar enterra.
De longe ouvi o som, Sereia, na areia, no tom. Senti o seu feitiço, o viço, canção.

Nas ondas do mar,
Nos sonhos do céu,
Navegar bem longe,
Te levar bem fundo,
Para o meu lugar,
Te roubar do barco,
Mesmo sem ser roubo
Pois meu canto encanta o mundo.

E o mar bateu na pedra. E a pedra bateu no mar. E os dois no peito meu, conquistando o mundo e os olhos teus.
E a dor se fez ao som da batida, pois quando o mar bateu naquela pedra, foi a vida que fez dela o sentido da dor doída. E a pedra se abriu em ferida, mais que guerra, fez sua partida, levou os olhos meus em vida.

Me Morte
(foto de André Viegas)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O HOMEM QUE OLHAVA PARA O CÉU

(O homem que olhava o céu?)

(É.)

O homem olhava para o céu no meio do pátio universitário. A boca estava meio aberta e os olhos apertados. Parecia forçar os olhos a procura de algo. O que ele procurava o deixava espantado.

-Ah.- Exclamava.

Um cabulador escutou a interjeição e, para matar o tempo, olhou para cima a fim de descobrir o que assombrava tanto o homem. Nada achou, mas já que estava ali, deixou-se ficar.

-Ah.- disse o homem que olhava o céu.

Um grupo de moças, com a curiosidade inerente às mulheres, parou e cochichou, perguntando-se o que o homem olhava. Como as respostas foram vazias, passaram a procurar no céu o que atraia sua atenção.

Uma turma de rapazes que esperava a próxima aula, sentados nos corredores entre as salas, viram o amontoado de garotas e chegaram mais perto para ver se elas usavam ou não sutiã. Notaram que todas olhavam para o céu, deviam estar vendo alguma coisa interessante.

-Ah.- Falou o homem que olhava o céu.

-Aaah.- Repetiram alguns que ali estavam, para dar a impressão de que também viram.

Professores que andavam pelo local pararam e começaram a pesquisar o céu. Faxineiras, maravilhadas, estavam adorando participar daquele movimento estudantil. Funcionários da Universidade também estavam ali, com o intuito de descobrir se aquela agitação lhes traria algum indesejado serviço extra. Vendedores de balas, aproveitando a concentração, encostaram com seus carrinhos. E estudantes, muitos, pararam, viram o pessoal e olharam para o céu.

-Ah.- Anunciou o homem que olhava o céu.

-Aah.- Assustaram-se uns.

-Aah.- Disseram outros.

-Aah.- Contemplaram alguns.

-Aah.- Entenderam algoutros.

-Aah.- Repetiu o resto.

Uma verdadeira multidão agora estava em torno do homem que olhava o céu. Alguns perguntavam o que eles estavam vendo.

-Ali.- Respondiam-se sussurrando. -Lá em cima, não tá vendo?

-Ha hã.- Claro que estava, não admitiria que era o único a não ver.

Católicos, protestantes, crentes, macumbeiros, teosóficos, numerologistas, tarólogos, brancos, pretos, amarelos, vermelhos, verdes (havia uma gestante quase parindo e ela estava verde de enjôo), operários, empresários, gerentes, vendedores, advogados, médicos, engenheiros, vagabundos, cabeludos, carecas, gays, heteros, bis, dois olhos, quatro olhos, petistas, peemedebistas, pedeessistas, doentes, saudáveis, atletas, ociosos, inteligentes, burros, bonitos, feios, virgens, tarados, aidéticos, fumantes, não-fumantes, drogados, prostitutas, clientes, vicentinos, assistentes sociais, roqueiros, jazzeiros. Muitas, muitas pessoas estavam ali. De todos os tipos. Todos cercavam o homem que olhava o céu.

-Ah.- Disse ele.

-Aaah.- Responderam todos, espantados.

-Nhé.- Respondeu o bebê, que nasceu ali mesmo.

-Ah.- Repetiu o homem que olhava o céu.

-Aaaah.- Responderam todos, em coro.

A multidão estava unida pela curiosidade e pelo respeito ao evento que estava prestes a se desencadear. Todos tinham um só pensamento e uma só voz.

-Ah.- Novamente o homem que olhava o céu.

-Aaaaah.- A multidão.

Todos ficaram nervosos.

-Ah.- Mais uma vez o homem que olhava o céu.

-Aaaaaah.- A multidão, mais alto.

A coisa estava acontecendo.

-Ah.- O homem.

-Aaaaaaah.- A multidão.

Subitamente:

-Athin.- O homem que olhava o céu agora olhava para baixo, depois de ter espirrado em todos na sua frente.

(Espirrado em todos que estavam na sua frente?)

(É, ele não colocou a mão na boca.)

(Ah.)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

cruzes

Estão tentando riscar a morte das nossas vidas. Já não existe os olhos nos olhos (ou no vazio) que brilham por dentro do capuz. Nossos bichos mortos vem esterilizados em bandejas de isopor nos supermercados. E compre saquinhos de AB à parte se quiser uma galinha a cabidela. Nossos parentes ignoram a chegada da morte atados em máquinas que respiram, mastigam, apitam por eles e quando a hora chegar serão encontrados com uma miríade de fios nos pulsos e ninguém para segurar sua mão. E eles morrem e não seremos nós a fechar seus olhos e só nos dignaremos a vê-los de novo depois de vestidos na sua melhor roupa de festa, penteados, perfumados e corados da maquiagem lindamente aplicada para nos fazer acreditar que estão apenas dormindo. Dormindo! Como se tivessem esquecido que iam a alguma festa e dormissem naquela posição estúpida e desconfortável em seu caixotinho de madeira rodeado por velas e flores pretensamente cerimoniais (mas preste atenção, menino, preste muita atenção) mas que estão lá simplesmente para esconder a verdade que é o cheiro do morto, a verdade que é que ele está frio e que fede.
Posto que restam poucos a transitar na necrópole minguante e paralela, médicos, assassinos, funenários, açougueiros e matadouros e vez ou outra alguma criança que com crueldade inocente observa o peixinho que se debate ou esmaga uma aranha entre o indicador e o dedão. E que podem seguir em frente com olhos grandes e sem piscar e sem jamais, sem jamais desviar o olhar.

domingo, 9 de setembro de 2007

DO FECHAR DE OLHOS

Eu poderia fechar os olhos
e contar até três:
distância, distância e distância.

Em uma das voltas
escrever um romance impossível
e cantar previsível final.

Na volta seguinte
Vinho, noites e a metafísica
de acordar.

E também é possível voltar,
recontar migalhas de padaria,
reinventar destinos em velhas vias.

Mas eu ainda posso fechar os olhos:
piscar,
dormir,
so-

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Teu Escravo

Dá-me a cicuta de teus lábios
Embriaga-me em teus prazeres
Mata-me agora com teus venenos
Faz-me teu escravo, teu zumbi

Mumifica meu corpo
E introduza-me em teu mausoléu
Rouba-me deste chão
Rouba-me do céu

Leva-me aos teus lençóis!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Pela Janela


Ao olhar a janela, podia ver que o tempo não a poupara de nada.
Ao olhar pela janela, podia ver que lá fora tudo estava exatamente como sempre foi, menos ela.
Podia ver que muita coisa havia mudado, dentro e fora de si.
Com olhos marejados limpou as marcas do tempo que enfeitavam a janela.
Todas elas eram testemunhas da mudança que havia ocorrido.
Ela viu então que dentro e fora, agora, nada importava.
Importava sim o como e quando.
Que o coração não sentiu, a saudade não levou e o tempo não apagou.


Alexandre Costa

Leia mais em: http://fabricadehistorias.wordpress.com

terça-feira, 4 de setembro de 2007

pés de nuvens

(waves of colors - by tju tjuu @www.deviantart.com)


As ondas
das ruas onde pisam
meus pés de nuvens
nuas cores que passam
através
do tempo ligeiro
escorrem
pelos bueiros
e pelo revés
do amarelo do entremeio
dos portões da vida


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Da série do meu dicionário individual conotativo: Realidade


Acho que cada um tem a sua...
a minha é inverossímil
Onde a vida é uma vilã com requinte de crueldade
E morte às vezes me aparece como a libertadora
e ora como quem castra...
E eu que nem não sou personagem disso?
Sou apenas boneco de "ventrílouco"!
Preso por fios, em nós que me atam
em regras sociais e de tola existência...
Pior que no fim, posso estar preso por nós,
mas só existe eu em mim...

Acho que o grande defeito da realidade
É não aceitar minhas verdades que eu tento impor...



Augusto Sapienza

Obs: Foto de Daniela Macri, conheça o trabalho dela em: http://www.olhares.com/galeriasprivadas/browse.php?user_id=26110

sábado, 1 de setembro de 2007



Impero-te soberana
Sou rainha de teus poros
Musa de teus pensamentos
Não respiras sem mim
Meus olhos te protegem de tudo
Minha boca profetiza tua história
Minhas mãos afugentam teu medo
Minha voz faz vibrar teu coração...
Só conhecerás a felicidade ao meu lado
Sou teu centro, teu absurdo
Meus ombros carregam tua vida
E cativei-te sempre
Para ter-te por completo, no fim.

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