domingo, 30 de outubro de 2011

6º TESTAMENTO


AMANHÃ

um
dia
depois

Era um mimo todo pintado de branco e vestido de branco, de cabelo branco, os olhos pintados de preto. Tinha numa mão pintado NÃO, na outra mão ISTO. Entretinha-se a mostrar: NÃO, ISTO; ISTO, NÃO; ISTO NÃO!
30.09.11

sexta-feira, 28 de outubro de 2011


às vezes a vida nos põe a refletir. há situações, por exemplo,
em que você escuta o som de uma banda que não ouvia há uns dez anos
então, cabe pensar no que você era há dez anos atrás
em geral procuramos coisas medíocres como resposta
- arranjei um emprego, me casei, terminei a faculdade
mas é preciso pensar em coisas mais presentes
tipo, o que sua mão está tocando agora?
qual o cheiro do ambiente em que você se encontra?
o que seus olhos encontram que valha a pena ser observado?
pense em como era você dentro do seu quarto
quando cantava e dançava sozinho diante do espelho
quando se sentia pleno inesgotável em sua solidão
quando se masturbava
então você vai ver que não mudou muito.
não mudamos muito em nossa intimidade,
ela permanece sempre a mesma
sempre fiel, sempre penélope, sempre mãe, para nos receber de volta
o sexo não é o que há de mais sujo. a consciência é que é podridão
em geral, costumo xingar a minha de velha puta
só pra ela saber onde é que fica o seu lugar
na minha verdadeira escala de valores
a razão é algo que deve ser enterrado lá atrás, no Renascimento
a filosofia, a ética, a moral são ideais iluministas, europeus,
não têm nada a ver comigo
eles desenterraram a cultura grega porque careciam de novos mitos.
e acharam que o seu modo de ver as coisas, de repente,
servia pra todo mundo. não serve para mim, absolutamente.
quero enterrar de vez a cultura grega
vou desenterrar, para mim, o xamanismo. a cultura dos índios.
os símbolos da natureza
para os quais aquilo que guia cada um não é a razão,
mas o espírito encarnado na figura de um animal de poder. 
é hora de ressuscitar os índios e manda-los rumo à Europa,
chacinar os gregos e o ideal europeu com sangrentas metralhadoras

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Inquietude






















e o sol 

aquece os ventos 


e nos convida 

à 


verdadeira poesia...



um cajueiro 

em 

flor?




é com eles que 

vou

!



todo o resto parece-me 


agora


um processo 


estúpido de não realização




                     - Graça Carpes -

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A fungada do novo caudilho

No espelho, ele deu uma última conferida no visual. Impecável, como sempre. Sua acessoria era rigorosa, escolhia com cautela as roupas, para que estivesse sempre elegante. Lá fora, uma voz feminina, das tantas que o cercavam, chamou, dizendo que estava na hora. Ele não respondeu. O evento só aconteceria se ele saísse dali. Só seria “a hora” quando abrisse a porta. E ele não faria isso agora. Abriu a gaveta da cômoda e pegou o pó. Sobre a mesa, com superfície lisa e convenientemente polida, despejou-o.
Antigamente, nesse momento, seu coração estaria palpitante, como o de um garoto ansioso por uma grande noite. Ele ajeitaria a carreira com mãos trêmulas, nervoso pelo regozijo que encontraria. Porém, a afobação juvenil estava extinta. Estava tenso, sim, mas porque queria fazer aquilo logo. O que outrora constituía um ritual, agora era executado com o automatismo de quem monta seu prato de comida. Com gestos de um cirurgião afobado, ele organizou seu “caminho da felicidade”.
Organizada a fileira, nela ele se debruçou, aspirando com sede de algo que ele nem sabia o que era. Já tinha tanto dinheiro que nem se beneficiava com o permanente aumento de sua fortuna. Possuía status, era adorado por milhares. Nesse momento, uma multidão o aguardava e explodiria em louvores quando ele surgisse. Todavia, nada disso o entusiasmava. Nem mesmo a coca, que a cada cheirada era consumida em maior quantidade, o animava. Embora servisse.
Nesse tempo, outras vozes já haviam chamado, todas pedindo que se apressasse. Ele as ignorava. Olhou para o relógio, o atraso era mesmo significativo. Que esperassem! Era a terceira inauguração de obra só naquela semana. Dali há alguns minutos estaria diante das câmeras, cortando uma fita na frente de uma nova escola, hospital, ponte, tanto faz. Sorrindo.
Mas não agora. Antes, precisava deixar-se escorregar na cadeira. Ela estava tão confortável...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O OUTRO LADO DA VIA COM BEATRIZ DE LAS HERAS HERRERO


Entrevista concedida à pesquisadora espanhola Beatriz de Las Heras Herrero da Universidad Carlos III de Madrid.


Beatriz de Las Heras - ¿Por qué empleas el cuento como marco de construcción de alguna de las historias que escribes?
Túlio Henrique Pereira - Não sei se compreendi bem a pergunta. Mas vou tentar respondê-la mesmo assim, tentando abordar as duas possibilidades. A primeira, porque utilizo o conto para abordar histórias? E segunda, porque utilizar a estrutura do conto para construir quadros de histórias, enfim... O conto tem uma estrutura mais objetiva do modo de escrita. Sou muito influenciado pela leitura que fiz das obras de Nelson Rodrigues, e me lembro que a cada conto ou crônica eu sofria de um êxtase, ele contava uma vida toda em poucas palavras, isso me fascina. O fato de no conto você não explicar tudo é outra técnica ou estilo que favorece a leitura dessas histórias, pois o leitor pode completar as lacunas com o seu imaginário. Acredito que o conto permite ao leitor uma interação que o romance muitas vezes não permite, e que a poesia às vezes impossibilita, porque requer um entendimento mais elaborado. A estrutura do conto permite que uma história comece sem o seu início e termine sem que haja um fim. É como pensar no sujeito que sai de manhã de sua casa para ir ao trabalho e ao longo do seu dia acontece algo inesperado. Esta minha escrita tem a intuição sensível de ser rodriguiana, embora me permita inserir elementos textuais que fogem da objetividade da escrita do Nelson Rodrigues. Tenho a intenção de povoar os acontecimentos com as palavras que não são faladas, mas que têm a sua graça e o seu espaço nesse mundo do cotidiano moderno.

Beatriz de Las Heras - ¿Qué influencia tiene en tu cuento la figura y obra de la poetisa ORIDES FONTELA?

THP: Não creio que tenha uma influência direta, mas creio que todos os textos que li ao longo da minha vida influenciaram na escrita dos meus contos, poesias, romances e teatro. A escrita de Orides Fontela me fascina, é uma poetisa filósofa. Ela rompe com a ideia da arte pela arte, da poesia por ela mesma. Ela propõe o debate a partir da poesia, conta uma história em sua poesia. O Brasil ainda não descobriu as construções de Orides Fontela, o que é lamentável, mas creio que ela é a Avant-garde de nossa geração. Seus poemas, que considero estudos do interior humano, são praticamente inéditos dos leitores. Em O Outro Lado da Via, especialmente... Eu já havia escrito o conto, e este conto fala de afetuosidades, idealizações, vislumbre... E quando o editava para enviá-lo à editora, relendo-o me lembrei que a Orides Fontela tinha uma opinião singular sobre essas temáticas, ela fala de lucidez ao se referir ao amor, então eu pensei, é isso. O amor é lúcido, somos conscientes de nossos vislumbres, do que idealizamos ou do que escolhemos para seguir, embora isso nos fira. Mas, será que não queremos sentir essa dor?  Vi que havia ligação entre a concepção dela com o que eu havia exprimido nos personagens deste conto, então decidi homenageá-la com uma epígrafe. De modo que, se alguém quiser entender melhor o sentimento do conto pode ter a possibilidade de esclarecê-lo na obra da Orides, ou também um modo de efetivar uma continuidade da leitura do conto.
 
Beatriz de Las Heras Cómo definiría el autor O Outro Lado da Via
THP: O autor de O Outro Lado da Via é também uma personagem. Posso dizer que ele existe em meio a multidão, e também posso dizer que ele não existe em lugar nenhum porque ele observa. Quem observa, de certo modo, deixa de existir, é mais ou menos como fala o poema Descarte no livro O Observador do Mundo Finito, “desapareço quando penso/quando não penso inexisto” (PEREIRA, 2008, p. 27). O autor neste caso é aquele que deixa de viver para viver a vida alheia, aquele que goza com a folha amarelada caindo da copa da árvore. Observar detalhes demanda tempo, absorvê-los e depois exprimi-los leva quase que uma eternidade. É por isso que escrevo pouco e publico menos ainda. Quero ser fiel ao que existe, mesmo que só exista no campo das ideias.

Beatriz de Las Heras¿Qué es la vida para Túlio, el escritor?
THP: A vida é uma construção. O escritor Túlio Henrique Pereira tem várias concepções para definir a vida. Ela pode ser uma maluquice do humano, pode ser a perdição deste também. Mas não a perdição no sentido de suas práticas, mas sim da ideia de vida que elegemos; sua sistematização, seus códigos, leis, símbolos... É tudo tão sistematizado e tão fechado em si, que não sobra muito espaço para a vida de fato. Porque depois que o corpo desfalece, para nós ocidentais a vida deixa de existir, mas para o escritor que aqui reflete ela continua. E continua a partir da virtualidade que ela já existia.

Beatriz de Las Heras¿Que relación hay entre el teatro y la manera de escribir?
THP: Engraçado essa pergunta, porque antes de escrever qualquer coisa pensando na materialidade do livro, eu escrevia textos para interpretá-los. Sou fascinado por cinema e música. Mas antes de visualizar a atuação do ator em cena e o resultado da direção, ou a interpretação de quem canta, eu visualizo o texto. É o texto que estabelece o elo entre o desempenho, seja da música, da dramaticidade das personagens com as sensibilidades do expectador, ouvinte, leitor. Sou atraído pela possibilidade sensível que a palavra me possibilita. No texto quero imprimir essas sensações, por isso a escolha de algumas palavras que estão em desuso, quando escrevo deixo fluir o fluxo, deixo que as palavras se aproximem, e quero que elas se encaixem harmoniosamente na leitura de quem lê, mas quero que elas dramatizem e tenham significado no contexto. O texto para mim é dramaticidade, é filosofia, racionalidade, prazer.

Beatriz de Las Heras¿Te consideras una persona tímida? Tú mirada sobre las cosas que escribes parece ser la de una persona que mira con atención lo que le rodea sin intervenir demasiado, como en segunda línea. Observando con detenimiento cada detalle.
THP: Eu sou muito tímido. Muito mesmo, aprendi a lidar com minha timidez ao longo da minha inserção nos espaços que não me pertenciam. O meu universo eram os livros, o cinema, a música e tudo isso dentro de um quartinho pequeno, mas que paralelamente se constituía no maior universo já pensado por mim. No conto quero uma verossimilhança, quero aquilo que foi visto ou pensando, com a mesma lógica do tempo que foi visto ou que foi pensado. A ação no conto é lenta, até parece inexistir, mas existe porque representa exatamente aquilo, o cotidiano, que de tão óbvio, muita gente não valoriza mais. Eu gostaria muito de sentar em um banco de uma praça pública e ficar olhando o comportamento das pessoas, mas ficar olhando fixamente, absorvendo aquilo, e ir mais além, tentar entender o que elas pensam, e o porquê de agirem daquele modo. Fascina-me o comportamento alheio. Não me conformo com as terminologias que se encerram em si, tais como o ladrão, prostituta, mendigo, gordo, michê etc,. Eu quero saber o que faz um sujeito roubar, se prostituir, mendigar, engordar... Quero saber o que atravessa suas práticas, seus caminhos, e como esses sujeitos se vêem e enxergam seus antagonistas. Com que paixões e afetos eles lidam e se deixam construir. Nada é óbvio demais pra mim, eu quero possuir essas complexidades em sua essência. Ou ao menos tentar me aproximar delas. Gosto de olhar o comportamento dos rapazes jovens no meu país. Está acontecendo um fenômeno, que não sei se é apenas no Brasil, mas é uma loucura, os rapazes de 14, 16 anos, que na minha geração eram crianças, se parecem com a representação de Hércules feita pelos gregos. Estão com os corpos muito docilizados, estão tomando anabolizantes ou se acabando na academia para alcançarem uma normatividade, que nem sei se eles entendem do que se trata. Então para mim eles deixam de existir em função da existência de um personagem, e meus personagens vão a fundo nessa ideia da existência e da normatização. É essa psicologia da vida que me fascina. Mas encerrando, infelizmente não posso observar os sujeitos de modo tão fixadamente, então construo práticas de observação, nas quais acredito que não percebam que os observo, mas os observo do momento que me contemplam.  

Beatriz de Las HerasHay algo de sensitivo en tu cuento, de obsesión por marcar las sensaciones (ya sean táctiles, olfativas, visuales, …) con palabras, como si el lector pudiera sentir lo que sienten tus personajes. ¿Qué hay de cierto en esto?

THP: Antes de escrever eu sou leitor. E sou leitor do que escrevo, principalmente. O ato da observação me transporta para o observado, ou seja, me coloco no lugar daquilo que observo. Sinto aquilo que observo e quero que as palavras remetam a ideia do que quero mostrar. O conto tem que ser catártico, e quem vai promover essa catarse é a palavra e sua estrutura na frase. Quando as palavras não são escolhidas adequadamente o sentido se perde e o texto vira superficialidade. As palavras existem em multiplicidade exatamente porque conduzem a sentidos múltiplos, se nos resumirmos a repeti-las de modo referencial, como se faz no texto informativo, deixa de ser arte, deixa de fazer sentir e passa a apenas noticiar. O livro é mais que um produto de informação, ele é um produto artístico nutrido de sensações, energias, vidas e as palavras são a síntese de tudo isso. Desse modo elas precisam ser funcionais no sentido de manter a magia da literatura, precisam cumprir sua função de abstração, de misticismo, de generosidade para com aqueles que lhes decodifica no ato da leitura. Trabalhei por dez anos da minha vida na redação de jornais relevantes no meu Estado e sei bem o que configura um texto referencial, não quero que este estilo de texto prevaleça na minha literatura, mesmo que isso me custe o anonimato.

Beatriz de Las Heras¿Qué hay de Túlio en el cuento “O Outro Lado da Via”?
THP: Há o experienciado. Sentires e saberes que me atravessaram ao longo da vida até aqui. Vislumbres. Por exemplo, quando remeto o leitor até os sentidos olfativos da esfiha recheada com creme de leite e milho. Essa passagem no conto foi inspirada em uma cena da minha vida, quando era uma criança muito pobre que andava de pés descalços com outras crianças pela rua, e me lembro que havia uma quitandeira no meu bairro que morava perto de uma praça. Sou fascinado pelos espaços das praças públicas. A quitandeira morava na esquina, de frente para a praça, e quando brincávamos na praça sentíamos o cheiro de seus quitutes, e corríamos todos para a casa dela e ficávamos admirando a beleza dos salgadinhos, mas apenas olhávamos com os olhos e lambíamos com a testa, pois éramos todos muito pobres e não tínhamos moedas para comprá-los. O sabor das esfihas eu nunca experimentei, mas consegui imaginar como seria se os tivesse colocado na boca, ou sentido a textura daquela massa macia na pontinha dos dedos. Muitos dos contos e, especialmente neste, aparecem de mim as idealizações daquilo que não vivi, mas que imaginei. Ou daquilo que presenciei na rua, no passeio pela praça, nas férias na fazenda observando os lagos, os riachos... No mais, o Rio dos Bois existe e está localizado em Goiás, próximo à Itumbiara, a cidade onde nasci. É um rio muito lindo e caudaloso... Quando o observava, ainda na infância, desejava muito que as vidas dos outros pudessem se encontrar às suas margens.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Evocação inútil

Foto: John Sexton


Ó menino que fui
dono de uma infância sabor novalgina
sofrendo delírios por doses excessivas
de xarope para o pigarro e a tosse! –
infantil viagem sob o sol
                        dos trópicos, onde te perdi?

Ó fotocópia do pai
imprudente criatura
amassando com o calo dos pés
os caramujos da esquistossomose:
educado naturalmente por um brejo
povoado por destemidos vermes
que vida era aquela
onde a felicidade se escondia
no pequeno peixe que resistia
                em meio às fezes e ao detergente
                expelidos pelos intestinos da civilização?

Ó minúsculo sonhador
que escapou do coice de cavalos humanizados
pelas placas de trânsito
            e a convivência com as rádios AM –
que motivo havia para se ser feliz
nas axilas daquela cidade
que produzia mangas
           e goiabas melhores do que homens?

Ó incansável infante
que o tempo mastigou com tuas engrenagens
até torná-lo meu antepassado
te procuro tremendo de medo
                     das guerras televisionadas
                                  em horário nobre;
dos vazamentos radioativos
discutidos nas mesas de bar

que estupidez geográfica te levava
a crer que a tua casa seria o próximo alvo?

Ó ignorante de si mesmo
te procuro mijando sobre as flores do jardim
num dia esquecido por todos
por não haver algo de novo nele –
que risos você riu nessas tardes
por nada que valesse a pena
                                     ou merecesse apreço?

Ó curioso moleque
interessado na decomposição dos ratos
na fratura exposta, no fogo nas petroquímicas
me encontro em ti
no olhar     no passo     na voz

e retorno em seguida
            para a merda da vida que será tua. 

domingo, 23 de outubro de 2011

Bloco de notas

foto: CROMA91


É tanto que preciso
e observo nas linhas de minhas mãos
uma saudade antiga,
que não devia mais doer.
Queria sentir só saudade doce,
daquela que trás luz aos olhos...
queria só atravessar a rua
para chegar ao outro lado
e não o mundo inteiro.
Preciso de tantas coisas
e me apego a tantas outras
tão passageiras
que as vezes até me esqueço
a dor do poeta é maior e melhor que a sua,
que enxergar no escuro é coisa para gato
e que a saudade
é mesmo aquela meia velha que a gente usa pra dormir
quando a lua é pouca
e o vento canta na janela...
Acho que preciso me lembrar disso,
anoto num canto qualquer
porque a agenda já está cheia
com tanta coisa que preciso esquecer.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

rotina dantesca

no inferno há muitas pessoas que amo. a trilha sonora é boa, há conversas, risadas, alguma gritaria e segredos incríveis bem guardados. a pena é que as pessoas vão embora quando mais preciso, e aí tenho que ficar lá sozinha, suja, no escuro, esperando que elas voltem no dia seguinte. às vezes demora.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Reminiscências

Quartos de fundos
lugar de entulhos
(pertences simbólicos)

prateleiras de alvenaria
rascunhos

aposentos da alma
subterfúgios

 minas de tantos cantos
couves, quiabos e joaninhas
alpendre e porão

diamante na moela degolada
da estrela do sul de beleza
exorbitante
distinta meretriz
Dona Beija e a fonte da juventude

Ponte passárgada
pro nada absoluto de um riacho
corrente em sombra de tranquilidade

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Parar para mim

http://fromme-toyou.tumblr.com/














Consumo tanto o meu tempo
que acho que o tempo me consome.

E eu
que sou meu próprio relógio
não sei administrar minhas horas.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

anotações para um dicionário improvável (5) *

loucura (s.f.) :
  1. Estado de lucidez extrema, em que um indivíduo passa a ser um risco para a sua própria convivência social;
  2. Em termos relativos, tudo aquilo com que um indivíduo auto-denominado como "normal" considera inaceitável no convívio social; paradoxalmente, inclui uma série de atitudes, valores e fatos de foro íntimo (mas sempre alheios);
  3. Justificativa de caráter político-moralista, coberta com um véu de preocupação com a saúde, para se afastarem indivíduos perfeitamente lúcidos do convívio social;
  4. Estado em que se postula que um indivíduo se torna um perigo a si mesmo.
louco (s.m.): Indivíduo portador de loucura. fem.: louca.
obs. alguns loucos se dão bem na política, mas estes são verdadeiramente doentes e perigosos.

louco (adj. m.) fem.: louca:
  1. ato relacionado à loucura ou atribuído a esta em suas cauas ou consequências;
  2. interessante, curioso, lúcido iluminador de idéias, causador de insights.
louco manso: diz-se do indivíduo que, sendo excessivamente lúcido para seu próprio bem (ver loucura) não representa perigo senão a si mesmo. Podem serclassificados em dois extremos, a saber: o louco manso melancólico e o louco manso cínico, embora a maioria dos indivíduos nesta condição se encontre em algum ponto entre estes dois extremos e possa transitar, ao longo do tempo, entre eles.

louco manso melancólico é aquele que desistiu de tentar mostrar às outras pessoas a loucura do mundo, e se fecha em sua lucidez, como em um calabouço escuro e triste. Apresentam olhos baços de tristeza e até seu sorriso é triste. É pouco perigoso e o é muito mais para si mesmo do que para a sociedade, podendo até mesmo ser adotado sem perigo por famílias caridosas, para companhia ou pequenos serviços, sem grande perigo. Suas idéias raramente contagiam.

louco manso cínico (ou irônico), é aquele que, após desistir de tentar mostrar a luz aos não-lúcidos, decide usar a luz para o seu próprio bem ou para o bem da humanidade. Olha para o mundo com misericórdia e comiseração, compungido verdadeiramente pela patética condição dos que não vêem o óbvio. Tem a capacidade de, em muitas situações, esconder o próprio sofrimento e solidão com uma capa de humor e socialidade. Sua loucura pode ser contagiosa e pode tornar-se um grande perigo para a sociedade e para si mesmo. Frequentemente são tornados mártires, canonizados ou divinificados, dando então origem a seitas, agremiações e outros movimentos políticos, religiosos, etc. cujos patronos, em vida, seguramente combateriam com fervor. Este paradoxo é a ironia final da loucura cínica.
Seguidores de seitas assim formadas podem obter destaque como sacerdotes, profetas, ou na política (ver obs. em louco, s.m.).
____________________________________________
*publicado originalmente nos ecos diversos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Desencontros



Hoje fui pego pelo desprezo
interrompido meu sossego
pois um signo fugiu

Simbolo de todo começo
principio de todos eixos
destituiu-se de mim

Descobri seu recente sumiço
depois de escrito o texto
no último visto

Espero muito que retorne
e se você ler isto
fique certo, sempre

Te  mo  migo querido!

Jo kim  ntonio 


  

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O fio da meada (ou papo de bar)


Um colar de pensamento dá um nó.

E quanto mais se tenta desenrolar,
mais aperta no pescoço.

De repente, com o corte, um choque inevitável:
todas as pérolas se despedaçam.

sábado, 8 de outubro de 2011

Borderline

Era uma pessoa difícil, vivia cortando relações. 
No fim, sozinha, só lhe restaram as cicatrizes.

Isaac Ruy

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

jazz

foge-se o tempo da
mente quando anoitece e
o wynton marsalis
habita o ar



sábado, 1 de outubro de 2011

A febre

“There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
When she gets there she knows if the stores are all closed
With a word she can get what she came for” - Led Zeppelin

a febre continua
enforquei todas as Alices em mim
ao som de Alice in Chains
não há País das Maravilhas
enquanto ardo

matei-me várias vezes hoje
pensando em minhas mãos lavadas
nas cadeiras que desocupei
nos silêncios que reverenciei
basta!

cansei-me de ser casta
e conjugar os verbos
no antônimo de minhas vontades

mudei de estação
Led Zeppelin me faz esquecer
que estou morta
suspensa nos cadafalsos
que construí.