segunda-feira, 30 de abril de 2007

Laranjas

— 180 quilômetros, Henrique?
— É isso. Cento e oitenta.
— É um trecho bom de estrada. Será que essas laranjas não vão se perder no caminho?
— Não tem problema, Afonsinho. Não tem espaço no porta-malas mas a gente arruma no banco de passageiro. Veja só...
Henrique e o irmão pegaram duas grandes sacolas de laranjas e as alinharam uma em cima da outra no banco de trás do carro. Antes amarraram os dois volumes e os prenderam no banco usando inclusive o cinto de segurança.
Estavam em uma fazenda, propriedade dos pais de Henrique e Afonsinho, que ali vivia. Henrique costumava passar o final de semana no local, junto com a esposa e o filho de 7 anos. Naquele momento, domingo à tarde, se preparavam para voltar à cidade.
Já no carro, malas e laranjas prontas, o filho de Henrique, no banco de trás, tenta inutilmente colocar o cinto de segurança.
— Deixa pra lá, Carlinhos. A viagem é curta e a estrada tá vazia.
E partiram. De fato conheciam a estrada, a ponto de batizar com nomes alguns buracos na pista. A BR estava vazia o que incentivou Henrique a aumentar um pouco a velocidade.
No entanto, não contou com um animal que repentinamente entrou na estrada. Num reflexo, acionou rapidamente os freios; o animal – um pequeno cervo – ficou paralisado no meio da pista, enquanto o veículo se aproximava.
Uma fração de segundo depois, deu um salto e voltou à mata. O carro, rodopiando, invadiu em seguida o espaço que o animal ocupara. Metros à frente, parou, transverso na pista.
Imediatamente, Henrique levou o carro até o acostamento. Então, olhou para a esposa e o filho.
— Comigo está tudo bem. — respondeu Vanessa, ainda um pouco tonta.
O casal olhou para trás: fios de sangue manchavam o vidro lateral e o banco de passageiros. O garoto estava deitado no chão do veículo, desmaiado, e sangrava muito.
Desesperados, dirigiram rapidamente até a cidade mais próxima. Estacionaram em frente a um hospital, e enquanto Vanessa pegava Carlinhos no colo, Henrique explicava o ocorrido para a enfermeira da recepção.
O garoto estava inconsciente e foi levado para a emergência. Após a chegada do médico, constataram-se alguns cortes profundos e uma fratura no nariz. Felizmente, ele não corria risco de morte, mas precisaria passar a noite internado, em observação.
Já de noite, acordado e na companhia da mãe, Carlinhos acompanhava um filme na televisão quando seu pai entrou, com um copo na mão.
— Tome, meu filho, vai ser bom pra você.
— E o que é?
— Suco, feito com as laranjas que a gente trazia da fazenda. Como estavam bem amarradas e protegidas, as frutas não se perderam no acidente...

sábado, 28 de abril de 2007

Panquecas


Para depois do amor. Quando o desejo do amor não estiver mais presente no ar e o perfume se misturar com os odores do amor. Enquanto ela estiver naquele sono profundo do cansaço e você, lépido e faceiro, pensando em mais.
Levante, calce aquela chinela confortável e vá para cozinha. Não faça barulho. Feche a porta do quarto. A da cozinha também.

Bateu saudade?

Volte e abra silenciosamente a porta, sopre um beijo carinhoso na direção daquela boca que acabou de amá-lo. Volte para a cozinha com muito amor para dar.

Separe aquilo que vai usar: liqüidificador, xícara vazia, aquela espátula de cabo preto, frigideira. Atenção: ao pegar a frigideira, não esbarre nas tampas das panelas! Elas vão cair barulhadamente e acordar a amada.
Achou tudo? Ótimo. Vamos procurar os ingredientes. Da geladeira, dois ovos e o leite. Manteiga? Ok, hoje, sim. Pegue o saleiro e a farinha.
– Nossa, as bananas estão quase passando! Pegue uma.
No liqüidificador, coloque a banana (opcional), os dois ovos, uma xícara de leite, uma xícara de farinha, uma colher de sopa de manteiga (opcional) e uma pitada de sal. Eu sempre quis saber se existe alguma ordem para colocar as coisas no liqüidificador. Donas-de-casa sempre têm um motivo e uma explicação para a ordem seqüencial das coisas. Eu sei apenas que devemos tirar a calça antes da cueca. E, para colocar, a ordem é inversa.
Só ligue o liqüidificador se duas condições estiverem atendidas: porta da cozinha fechada, para não acordar o amor, e liqüidificador com tampa. Senão, em vez de tesão é pano de chão.
Pode ligar. Um minuto, dois, três, tanto faz.
Coloque a frigideira no fogo alto. Se a frigideira não for de tefal, vai grudar tudo, então coloque uma colher de manteiga na frigideira. Deixe esquentar bem.
É hora de colocar a mesa. Jogo americano, pratos grandes, garfo e faca. Guardanapos de papel.
A frigideira já está fumaçando, então coloque um pouco da massa de panqueca. Só o suficiente para cobrir a parte do fundo. Com movimento, espalhe a massa. E deixe assar. Assar? Fritar? Refogar? Dona-de-casa sempre sabe o nome de cada processo.
Começou a bronzear? Legal, com a espátula já dá pra ver que a massa solta da frigideira. Solte tudo e vire a panqueca. Viu só? Deixou de ser massa, agora é panqueca.
Rapidamente pegue outro prato grande para receber a pilha de panquecas. Pronto! A primeira panqueca sempre gruda um pouco. Depois piora. Ou melhora.
Coloque massa na frigideira e aguarde novamente.
Volte à mesa e disponha os copos. Açucareiro, geléias de uva, morango e minha predileta: damasco. Mel, canela em pó. Reposição de açúcar.
Volte para a frigideira e vire a panqueca. Muito bom. Esta já não gruda. Vira fácil com a espátula. Espere mais um pouco e esta já vai fazer companhia para a outra panqueca.
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Vire. Empilhe. Tá ficando bom!
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Vire. Empilhe. Tá ficando craque!
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Vire. Empilhe. Yes!
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Experimente jogar panqueca para virar. Vire. Yes! Empilhe.
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Jogue panqueca para virar. Vire. Yes! Empilhe. Já está craque!
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Jogue panqueca para virar. Plaffft! Droga de coifa!
Abra a lixeira e jogue uma panqueca fora.
Massa na frigideira. Espere. Bronzeie. Vire com a espátula. Empilhe.
Acabou. Sete panquecas. Quase oito, não fosse a gulosa lixeira.
Dê uma geral na cozinha.

Da geladeira, capture uma caixinha de suco de laranja e coloque na mesa.

Volte para o quarto convidando a amada com uma mordidinha na orelha. Não esqueça de abrir a porta antes de entrar.

※ ※ ※ ※ ※
Este texto é do meu livro Aventuras Culinárias.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Quando chegar o verão

Sebastião percebe que o vento parecia não estar mais soprando. Ele se ajoelha:

- Quando chegar o verão, eu vou te buscar em casa. Vamos passear no parque. Compro para você um sorvete daqueles que aprecia e peço para o homem com o violão me deixar tocar a sua música. A tarde será perfeita.

O vento agora voltou e parece estar mais forte que o comum. Sebastião deixa as flores em cima do túmulo, desiste dos planos e passa os olhos rapidamente na escritura da lápide: “Aqui jaz Sandra Borges de Medeiro, esposa amada e filha querida”. Ele deixa as lembranças de lado e se põe em pé novamente. Caminha pelo cemitério buscando um sentido para a própria vida, agora que a noiva não está mais presente e nunca mais estará. Ele se vê sozinho, sem família e perdido.

Ele sai do cemitério e, mesmo sem saber o que faria naquele momento, sobe no primeiro ônibus que vê passando. Dentro do veículo ele passa a escrever a primeira carta de sua vida, nunca havia escrito uma antes durante seus vinte e três anos:

“O engraçado (ou o inexplicável) é que eu não lembro de ver a cidade assim tão triste. A chuva, que normalmente não cai, parece tentar dizer a todos que alguém dentro de um ônibus, escrevendo, sofre por uma pessoa que conhece há tão pouco tempo. Isso me faz recordar de um filme qualquer, ou então seria tão único que só se vê em filme mesmo.” - Ele tenta se equilibrar no ônibus e escrever meio sem jeito. “Parece que eu te conheço há anos, que eu te adoro desde sempre. Parece que eu te amo desde que eu nasci... Você merece o mundo e eu só tenho algumas folhas de papel em branco, uma caneta e um lápis. Nem mesmo uma borracha eu tenho.”

Sebastião olha as calçadas, as esquinas, os bares. É hora de descer do ônibus, mesmo sem poder enviar a carta para quem gostaria.


p.s.: confuso???

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Contos de fodas

Suei

Joguei futebol a tarde inteira. O tempo estava úmido e o suor não evaporou. O rêgo da minha bunda ficou tão suado que achei que tivesse soltado um peido acompanhado - se é que você me entende.

Despedi-me da galera e fui para casa aprontar-me para o encontro com a Patrícia, uma deliciosa amiga. Eu a conheci no cursinho e quando vi que ela tomou um fora do namorado, a convidei para fazer algo mais relaxado - como um uísque na minha casa. Ela estava vulnerável.

- Oi. - Ela sorriu, apoiada na minha porta. - Cheguei mais cedo.

Entrei em casa com ela, pensando em correr para o banheiro e me lavar. Além do cheiro de suor com chulé, comum após as peladas, eu sentia também o leve odor da "freada de bicicleta". Ou de trator.

- O que você tem para beber? - Ela perguntou. Adorei a pergunta.

- Uísque. - Respondi. - Doze anos. - Completei.

Peguei uma garrafa da prateleira. No rótulo dizia que o uísque era importado e de doze anos. Eu a enchera na noite anterior com uma porcaria de um uísque nacional. Era só colocar bastante gelo que ela nem iria notar.

Bebericamos uns goles e ela logo acariciou meu rosto. Meu corpo reagiu e lembrei que fedia como um porco. O suor seco ardia debaixo dos braços e minha bunda arranhava como se estivesse com areia na sunga.

- Ao menos nossas bundas estão nas nossas costas, longe de nós. - Disse em voz alta.

- O que?

- Nada. - Retruquei. - Espere um minuto que vou tomar banho.

- Não! - Ela botou a mão na parede, trancando minha passagem. - Eu gosto do seu cheiro de homem!

Eu não gosto de cheiro de homem, pensei. - Quero tomar banho. - Consegui dizer.

Patrícia segurou as golas da minha camisa de futebol e me tascou um beijo. Senti sua língua percorrendo minha boca seca. Ela pareceu gostar e eu adorei. Ela se virou para soltar as alças do vestido e eu dei um gole no uísque. Era ruim mesmo.

Quando vi os espetaculares seios da minha amiga, decidi desesperadamente lavar minha partes. Eu fedia muito.

Ela me beijou e brinquei levemente com seus seios. Não queria me empolgar. Ofereci mais um pouco de uísque, tentando embebeda-la para conseguir fugir e me lavar, mas ela não me soltou. Eu também fiquei meio alegre de tanto uísque.

- Mais. - Ela falou, olhando-me nos olhos. Sua boca tinha sabor de bebida, estava ótima. Rolamos do sofá da sala para o chão. Ao menos livrei-me de minhas roupas fedorentas. Tirei a calcinha de Patrícia sem a empolgação de sempre, pois estava preocupado com minha própria cueca. Consegui enrolá-la para fora dos joelhos rapidamente e a joguei o mais longe possível.

A transa ritmada logo me fez esquecer meu cheiro azedo e minha bunda com restos indecifráveis.

- Ao menos nossas bundas estão nas nossas costas...

- Longe de nós. - Completou a garota. - Você já disse isso.

Assustei-me. Ela se lembrava do que eu falei ou estava também sentindo o cheiro de bosta podre que eu exalava?

Acabei me desconcentrando no sexo. Continuei me mexendo mas tentava afastar minha bunda o máximo possível. Acho que a nova movimentação ajudou a menina a chegar ao orgasmo ou ela fingiu uma gozada para acabar com aquilo, mas logo o ato estava encerrado e ela sorria para mim. Sua pele brilhava.

Ela foi ao banheiro se lavar. Porque mulher pode se lavar a hora que quer? Corri para a pia da área de serviço e joguei água no cu. Ele estava limpinho. Havia um pedaço linha de algodão do short enrolado entre os pêlos da região. Ele havia friccionado a pele do ânus e feito uma pequena assadura. Eu a estava confundindo com uma cagadinha na cueca.

Patrícia voltou do banheiro com o copo na mão. Abraçou-me e me ofereceu bebida e depois os lábios. Ela havia gozado, senão estaria menos carinhosa.

- O que você quer dizer com aquela história da bunda? - Perguntou. Ela estava satisfeita com o sexo, mas eu só havia começado a relaxar.

- Ainda bem que elas estão atrás de nós, pois se estivessem na nossa frente estaríamos andando atrás das bundas. - Girei a mão como se enroscasse uma lâmpada. - Entendeu? Atrás das bundas?



Outros contos de fodas .

terça-feira, 24 de abril de 2007

Farrah Falsett


Me dá um pouco de paz, eu te dou um pouco do meu desassossego
Nasci de uma mãe com mancha castanha no olho verde e esquerdo
E é por isso
Eu sou habitada por um cardume de criaturas cegas
Que comem morcegos

E é por isso que eu tenho tantos nomes
E nenhum deles é meu.

Cuidado com o nome que chama,

Você pode trazer os demônios à baila
E me diga
Você já
Dançou com o demônio
À luz do luar
?

Porque às vezes eu sou ciano
E às vezes, cianureto
E às vezes eu sou pinóquio
E às vezes, gepeto

Porque às vezes eu sou nuvem de inverno e às vezes
eu sou o demônio de mãos pequenas
e caninos vermelhos.

Cuidado com o nome pelo qual me chama
Não convide os monstros pra montar
Cidades de lego


Porquê às vezes eu sou bambuzal
e às vezes,
sou prego.

E Cuidado com o modo que me chama

porque

Enquanto Samantha canta

Enquanto Eduarda guarda

Enquanto Sônia sonha,

Clara pára
Rita grita
Emma toma.

***
grandes olás a todos os colegas manufatureiros :)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O COMPROMISSO

Ah, o compromisso
de dizer em poesia
dizer, sim, mas sem
a flecha das cartas
e sem o levar omisso
elevar o sentido.

Ah, querido pacto
tão incompreendido
perdido em plásticas
palavras de edifício
arapucas, labirintos
as if is cool.

Ah, contemporâneos sem grafite
o erudito, tenho dito
limpando a meca é submisso
apertem os sintos
e vomitem o rei
que pra que serve eu não sei.

domingo, 22 de abril de 2007

Breve carta de até breve.

“A.,
não quero que me perdoes pelo erro não cometi, não quero que me esperes na calçada de um domingo, não quero que sonhes comigo. Não quero nada disso. Nem perfeição nem negligência. Quero uma coisa somente.Estejas bem e não-tão diferente, na mesma casa, talvez mesmo jardim. Mas, sendo de mudar, desejo bons caminhos. Que a janela continue dando pras estrelas mais distantes, que a música vezenquando se alimente.
Que as aulas estejam sendo boas; adoráveis os livros, singulares as pessoas, em ordem os discos. Ou desordem, se quiseres.Vai bem a família? Lembro-me do verão passado, de Cecília, de Drummond. Lembro-me de filmes antigos, mas sobretudo os vindouros, que têm gosto de morangos (morangos mofados?).
Lembro de um teu sorriso, aquele que na alma me gravaste e, decerto, não te lembras nem desejas. Compreendo – mas lembro.Sorrio ao pensar que essa carta é um silêncio enrustido. E o que não houvera sido, “desde tempos imemoriais”? De silêncio em silêncio vive o homem, ainda que eu discorde. Hoje desfaço a coerência, sem disfarces nem ausência: tento. Percebes?Olha, agora me vem à cabeça aquela cena, daquele banco, daquele dia, ah, daquele dia. Talvez nem lembres, aliás, bem certo, mas não tem importância, já disse não ser o que quero.
Tens visto ainda os meninos, ido muito ao nosso lugar? Há tempos não vou mais. Não por não sentir falta, mais por falta de tempo.E se o tempo? nem sabes... Sonhei contigo e até, muitas vezes, escrevi cartas, mas o mar era bravio: não chegaria.
Escuta, escrevo estas linhas em um banco de estação, um copo na mão – nem sei o que bebo, parto bem breve. Compromissos, profissão, pelo sim e pelo não, aceitei uma proposta. Vou como costumo ir, bem sabes, com a blusa aberta e uma rosa em botão, que esperar me estorva.
Falar em esperar, esse trem que não chega. Mas por certo não é nada, só minha velha mania de chegar cedo. Pois bem, não sei o que te dizer. No momento mesmo em que te falo, um garoto me sorri. Pede um isqueiro pro pai, uma pena, eu não fumo. O menino se vira e vai embora. Tão estranho, uma tristeza pesada me bateu com o bater daquela porta... Uma lágrima, no agora. Ando assim mesmo tão frágil?Talvez tenha visto a mim no menino. Ou, o que é mais provável, visto a ti. O sorriso ou o sentir, nem sei.

Essa espera me consome, preciso não esperar. Às vezes tenho a impressão de que os minutos matar-me-ão mais cedo que a bebida – grande conclusão, vês, já que não bebo. Decerto sempre supus minha ebriedade, ebriedade da vida que a mim me basta (frase não minha, de Pessoa, diga-se de passagem). E nunca basta.E me disseram, olha se tem cabimento, que as nuvens não são feitas de algodão (!). Sim, começo a perder o lugar de meu eu, que será que digo sem me saber.
Ah, não te incomodes nem te machuques, pelo amor dos deuses nossos, jamais meu intento. Queria, pudera, diminuir o silêncio. Silêncio aqui dentro, silêncio dessas vozes nas ruas, silêncio nosso de cada dia. Quis, será que entendes, dizer adeus já que abraçar-te não podia.E mal imaginas o aperto do meu peito ao proferir palavra adeus.
Paro pra respirar e olhar o céu, é dia claro, sabes? De um azul até invejável aos melhores vestidos, e aqui sorrio, por que será.As pessoas andam rápido, fogem de si mesmas? Parece que vão perder o trem (um espasmo, um gargalhar, que humor angustiado esse meu: humor de amor que se perdeu). Pois é como te disse, parece que vão perder o trem, e perdão pela bobagem. É minha maneira de continuar. Esperando?

Começo a pensar que errei a hora.Olha, andorinhas. Estorninhos e pombos, quantos deles e eu nem notava! Seria bom ter algo a dar-lhes. Não tenho, realmente vou de viagem e só levo o chapéu, bagagens me deprimem. Talvez penses no disparate disso tudo, se lá vou morar, mas, ora, já me arranjo, não foi sempre assim?Vejo rostos conhecidos que nunca conheci – nem irei conhecer. Ah, sim, minto! Trouxe um livro, poemas. Não, não escolhi, foi o primeiro, o que vi sobre a cama. E adivinha. Era Hilda, que profético. Lembras dessa palavra? Tão vivaz a infância. Prefiro crer que eu só continuo. Jamais em pureza, mas em tentar.Sim, e se alguma vez me magoaste, ah, sem hipocrisias, te perdôo. Não por bondade, mas e mais por precisar. Porque amo. Porque só assim posso. Continuar, sim. Se às vezes te odiei por quase mais que segundos, tanto mais te amei ao amanhecer. Não levo mágoa, levo dor. Não são iguais, digo-te, e precisamente sei que sabes, mas quis repeti-lo. De ti, levo as tardes. E as estrelas e as cartas. Ah, pois é, outro esquecimento, mas dessa vez não uma mentira, esqueci mesmo:As tuas cartas. Ficaram, lembro, na mesa da cozinha, quando eu relia ao tomar café. Não pude o café, não pude as cartas; saí e esqueci-me de voltar.

Não, A., não me esqueci de coisa alguma. E, se o tiver feito, foi a mim: esqueci-me de mim ao acordar de um grande sonho. Outra coisa – o que tinha de entregar-te dei ao nosso amigo. Se as quiseres, ele há de dar-te.Por favor, não penses nunca que eu não quis. Ou, muito menos, que te quero mal. Jamais houve, e aqui te juro, quem eu quisesse mais. Tampouco pra ser meu, o bastante pra cuidar. Ontem assisti a uma peça e quase te chamei. Mas, depois de tanto tempo, talvez eu tenha aprendido a respeitar a tua escolha.E, ora, ora, se não é o meu trem. Parto em quinze minutos. Parto, já tendo me partido. Quase que te digo, mas achei por bem dizê-lo agora.Cuida-te bem, desejo o de melhor. Para ti e para todos que tu queres. Teus caminhos e escolhas: viva, muito. Não chores (e não creia que aqui a prepotência de crer chorares tu por ir-me embora). Por mim e por ti, não chores. Ainda que às vezes em ti doa, ainda que quase nada eu seja, hás de ter-me sempre ao lado. Se quisesses, num chamado...Agora vou.Não tive a coragem de tentar mais uma vez. Talvez porque não houvesse o mais. Minto, esse ainda é um tentar.Um dia dei-te a alma em um segredo. Hoje dou-te o segredo em minha alma. Deixo-te essa carta embaixo desse banco; o mar era bravio – não chegaria.

Até sempre,
S. ”

[Marília Passos]

sábado, 21 de abril de 2007

Mesmo que morra um pouco de mim... Sobrevivo!

Não pensei duas vezes ao receber o convite da Larissa. Estou muito feliz por fazer parte deste belo grupo que de mãos unidas tecem as peças deste blog. Num trabalho digno de quem tem as Letras por maior paixão. Muita Luz a Todos!
Paz e Literatura, sempre!



Morro a cada morte estúpida
Morro a cada dia de ausência da poesia
A cada Índio Galdino assassinado
Em todos os sem-terra que banham o chão
De sangue
Morro a cada bala perdida que se acha
A cada crime que se presencia
A cada vida que se torna inválida
Morro ante a violência urbana
Ante a mente desumana
Ante o caos social
Morro
Aqui
E no outro canto do planeta
Morro na África
Em meio à fome e a guerra civil
Morro em cada criança
Que leva nas mãos seu fuzil
Morro assim, sem esperança
Morro a cada corpo que cai
A cada torre que cai
A cada prédio em ruína
Em guerra que nunca termina

Morro no Brasil
Na Candelária, em Vigário Geral
Na Rocinha
No Carandiru
Em Eldorado Carajás
Na Avenida Paulista
Na linha vermelha
Em qualquer estrada rural
Morro aqui
Morro no Iraque
Em cada bomba que cai sobre o Líbano
Morro em Israel

Morro na luta por idealismos
Na luta por fanatismos
Na guerra do terrorismo
E na falsa ilusão
Que não acaba mais...
Quem sou eu?
Qual meu nome?

Tristemente
Me chamam PAZ!

sexta-feira, 20 de abril de 2007

NOSSO TEMPO (carta para os humanos)

Quero agradecer a Larissa que me convidou para participar deste projeto e estar ao lado de grandes escritores.
Meu primeiro post foi escrito há 1 mês atrás e foi uma grata coincidência postá-lo hoje, pois acabei de ver o documentário "Uma verdade incoveniente" do candidato derrotado à presidência da república dos EUA Al Gore.
Amigos, já é passada a hora de cuidarmos de nosso planeta!




Querida, vivemos em um tempo muito diferente de tempos atrás, um tempo que não pede trégua, não nos acolhe nem justifica nossa existência.
Nosso tempo dá voltas ao redor de tudo e de todos, nos comprime e oprime em questões fundamentais, para de propósito, nos afastar do foco.
Nosso tempo, criado a nossa imagem, nos devolve o retrato fiel do que realmente somos hoje.
Crimes hediondos, pais e filhos hediondos, governos hediondos, filosofias, partidos e homens hediondos.
O mundo gira sem peso, sem centros, sem acima ou abaixo, sem fé.
Criamos e matamos em nome do tempo em que vivemos.
Não é sua culpa querida, nem minha, nem de ninguém, a culpa é do nosso tempo, sem tempo para parar e olhar ao redor.
No meu tempo, no seu tempo, no nosso tempo não era assim, não havia tempo para essas coisas.
A violência, os homens, o mundo, tudo agora faz sentido para mim.
Através da janela, com a cara colada no vidro, vemos nosso tempo acabar com tudo, inclusive com a vida, pois não há tempo para se preocupar com algo tão passageiro quanto a existência humana.
Não esqueça querida que somos nós que fazemos nosso tempo.

RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS E A PROPRIEDADE INTELECTUAL.A cópia não autorizada implica penalidades previstas na Lei 9.610/98.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Buscas e Sonhos

É uma honra e uma experiência muito positiva participar deste Blog. A cada dia vou conhecendo novos escritores e me surpreendendo. É isso aí. Sucesso para todos!


BUSCAS E SONHOS

Busca-se o nada
No inalcansável.

(Busco teu amor,
Teu corpo,
Teu gozo).

Sonha-se uma nova vida
Em algo irrealizável.

(Sonho com a ventura
De uma vida isenta
De noites e noites
Taciturnas).

André Espínola

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Sensações da arte

Sinto-me em casa... tantas são as mãos por aqui, tantos talentos, que terei todos os dias uma nova e reiterada oportunidade de ser mais feliz!!! Agradeço o convite e farei o possível para responder à altura das grandes feras que fazem parte da "coletânea" de mãos que integram este espaço. Beijos a todos!!!


***

segredos calam
não os quero ouvir!
batidas fortes
tão negro sentir
intensos cabos que gemem
em ofuscadas sensações
no corpo-semente
de gélida estátua marmórea
construída por frio escultor
que cava seu vento interior
em cada detalhe da peça
marcas do tempo
fincadas por solstícios ciclos
rebatem forças dos vendavais da vida
não importa quantas estações se passem
gravadas na face
do imóvel busto
remanescem intransfiguráveis
sensações da arte
traduzidas, combalidas
do negro véu interno
das mãos do artista!

***

RESPEITE O DIREITO AUTORAL E A PROPRIEDADE INTELECTUAL - Lei nº 9.610/98.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

No escuro de si

Antes de tudo, queria expressar o meu prazer em participar desse projeto com todos os membros. Sou um cara perdido no universo frio e calculado das ciências exatas, sou da área da Ciência da Computação, e encontrei nas sombras dos pensamentos, as palavras, uma forma de canalizar minha humanidade, por mais perversa que ela possa ser às vezes.

No escuro de si



Cerrando esses olhos cansados
Só resta o escuro, se faz pleno!
Tal esse que me toca tão ameno

Posto que se ao invés do breu
A luz sob essa casca, a verdade,
Revelasse-me nu, cru em mim,
Não restaria nenhuma sanidade
Na minha falsa-belo vida-jardim

E tendo o pesar maior que mundo,
Doloroso reconhecer(-se),
Cedo em desespero, em medo,
Na proeza de fugir de si mesmo,
Pois é menos árduo compadecer
Com toda humanidade do que
Admitir-se em plena vontade

Então deixe-me nesse repouso
Teimoso e irrefutável...
E já não durmo, vou além, hiberno!
E o cotidiano-travesseiro moderno
Não me é duro, me é bem confortável...


Augusto Sapienza

domingo, 15 de abril de 2007


ensinou-me os paraísos
em todos os sentidos
aguçou minhas sensibilidades
debulhou imprecisas possibilidades
foi-se sem aviso
dilacerar novos seres...

e no negro da noite
esperei por ti
reinventei-te
em tragos descomunais
porções de haxixe
campos de papoulas...

e no negro da noite
entreguei-me a outros braços
a outros vícios
quis-me paraíso narciso
com cipós brotando nas narinas
seus olhos habitando minha vagina...

e no negro de meu ser
seu sexo ereto em minha boca
o martírio de vitórias-regias
em meus olhos
acordo sozinha
vazia de nós.




RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS E A PROPRIEDADE INTELECTUALCopyright © 2007. É proibida a venda ou reprodução de qualquer parte do conteúdo deste site. Este texto está protegido por direitos autorais. A cópia não autorizada implica penalidades previstas na Lei 9.610/98.

Cortando a fita...

Estou cortando a fita do nosso espaço, como somos um grupo acredito que todos saibam as regras básicas de respeito com os outros participantes. Todos os que já estão cadastrados têm a liberdade de postar seu texto dentro do prazo de 24 horas, que é estabelecido. Se o participante não postar o texto no prazo das 24 horas, ou em dia errado, por duas vezes seguidas ele perderá seu dia.
Abriremos esse mês, uma excessão por estarmos começando com menos participantes que o esperado, seguiremos a ordem esposta à direita do blog, portanto eu que postaria no dia 01, postarei hoje, amanhã dia 16 é o Augusto que me ajudou a colocar as idéias em prática e o participante do dia 02, que é Otávio (autor e dono da "mão do blog") colocará seu texto dia 17 e assim por diante, até o fim do mês, reforçando que é uma fase experimental.
Alguns participantes têm habilidades especiais, além da literatura, sendo assim poderão postar textos sobre suas outras habilidades e também sobre literatura.. Mas estes serão informados separadamente.
Sejam bem vindos! E qualquer dúvida, me escrevam : larissapin@hotmail.com
Beijos e bom trabalho!

Lembrando que é um texto de um autor por dia. Abrirei excessão por causa desse convite de boas vindas!