quinta-feira, 30 de abril de 2009

Como que sem querer

O amor chega de fininho

E, por mais que chegue em silêncio, desperta algumas curiosidades

Também acorda os medos, que têm o sono ainda mais leve, transtornados

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Avesso das Coisas








queria que contasse
o que vê do alto

desenhos traçados na areia
linhas confusas

essas que se embaraçam
nos meus passos

trançam meus cabelos
que me prendem aqui
no avesso das coisas

queria não ouvir
as canções gritadas no vento

essas notas dissonantes
que me enlaçam
prendem do lado avesso

a pantera fugiu
sou apenas a sombra da fera



sábado, 25 de abril de 2009

Há tempo


Ainda há tempo. Tempo para abrir os olhos, poder caminhar e vislumbrar o brilho que se ostenta lá no céu. E temos chance ainda de soltarmos nossas amarras do preconceito, da hipocrisia e do desrespeito, para darmos espaço à igualdade, fraternidade, a paz, ao amor e a esperança. Temos tempo ainda para pedirmos perdão, esquecermos mágoas e podermos viver tranqüilamente. E ainda está em hora de provocarmos uma mudança em nosso guarda-roupa, uma renovação em nossas atitudes, uma adaptação em nossos comportamentos, uma releitura em nossa mente, uma reconstrução em nossos valores, e reconquistas de velhas amizades.

Ainda tem tempo para apoiar,  crescer e seguir firme, acreditando em nós e na vida. Temos muito tempo para revermos os erros, os tropeços, nossos trajetos, nossas escolhas, dores, sucessos e conquistas. Talvez com isso possamos mais à frente estabelecer uma melhora considerável em nosso jeito de ser, de viver e de estar. Existe ainda tempo para melhorar o ser humano que temos dentro de cada um. Ainda temos tempo de dar meia volta e corrigir certas falhas. Temos tempo ainda para aproveitar bem a vida, mas que seja de uma forma digna, merecida e feliz. Ainda temos tempo para abraçar, beijar e amar.

Ainda há tempo. E tempo é o que não falta para enfim criarmos coragem e sairmos de nosso casulo emocional, de nossa prisão física para saltitarmos pelos jardins da vida, soltos, leves, e sinceros na arte de viver, sem medo de ser feliz ou com receio de encarar a luz, a realidade, ou as pessoas. Temos esse tempo para refletirmos e pararmos para enxergar a importância de pequenos gestos, o sublime contentamento com as coisas simples, e o essencial valor do mundo, das pessoas e de nós mesmos. Ainda há tempo para pintarmos uma nova paisagem em nosso horizonte e um novo brilho em nossa noite. Ainda há tempo para tornarmos nossos dias mais especiais e para realizarmos tudo o que desejamos e sonhamos.

Ainda há tempo para ser feliz.
Basta que caminhemos juntos, e de braços dados.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ruas da Cidade

Atravesso a Rua do Desespero
como um relâmpago corta a carne da noite.

Cirúrgico, venço a Rua do Cansaço
com um golpe de canivete.

(Esperança é um beco
onde o coletivo não circula.)

Deságuo na Rua da Fadiga
onde ninguém transita –
sexo caro fumando cigarro vagabundo,
menina sem horizonte bicicleta morro à cima.

(Conversa de compadres, sobre o gado,
[fascistas não esclarecidos]
impedindo o livre caminhar pelas calçadas.)

O único poeta digno de nota
escreveu no muro: “Rebelem-se
seus vermes!”, e escapou da polícia
pela Rua Sem Nome.




*
Segunda Versão.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Outono... Inverno... (repetição e liberdade)






Em uma noite fria espiava pela janela uma velha Senhora triste. Vestida com meias e cachecol, luvas e casaco, lamentava a sua sorte, procurando fiapos de lembranças para tecer tristezas.


Da frigidez das ruas, espiado por aquela Senhora, um velho Senhor sujo transita livremente na esperança de encontrar algum canto que possa se encostar, que possa aquecê-lo.


Um deseja estar no outro, nenhum suporta o espaço que lhes é dado.


A Senhora queria poder andar novamente, transitar pelas ruas, como fizera no passado. O Senhor queria ter um canto onde repousar, um lugar para acomodar as suas idéias.


Entre a limitação e a amplidão, repousa o lugar que todos queriam alcançar.


Mas, viver é transitar.


Estar em trânsito é saber suportar a impossibilidade de uma liberdade certa.


Somos Seres em busca, buscamos as certezas. Mas, as certezas nos acorrentam, fecham, atam, aniquilam, impede-nos de transitar.


Acertar é aprender a transitar entre as incertezas, tocar verdades sem querer trancá-las em um quarto quente, valorizar a liberdade sem fazer dela um modo de vida.


Nada é.


Tudo o que há são possibilidades de ter sido de outro modo.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Velho companheiro

O aterro sanitário se estendia por uma vasta área plana, já praticamente coberta pelas toneladas de entulho, móveis quebrados (alguns nem tanto), papéis e restos orgânicos, que eram tragos para o local durante todo o dia.
Próxima a um riacho, uma grande montanha de dejetos se destacava ao longe. E é para lá que os animais se encaminham. Detêm-se famintos diante daquele monumental depósito de lixo como se fosse um oásis.
Pertencem a várias espécies diferentes e são representantes de toda a cadeia alimentar: insetos, aves, e mamíferos de pequeno e grande porte. Por conta disso cada um deles estuda cuidadosamente cada concorrente: odores, batimentos cardíacos, músculos enrijecidos, tudo é alvo de atenção.
No céu, abutres e urubus voam ansiosamente em círculos; quando percebessem a presença de alguma carniça esquecida no aterro, investiriam imediatamente sobre o cadáver.
As primeiras, contudo, a provarem do enorme banquete foram as baratas e formigas; tendo como vantagem o reduzido tamanho, conseguiram investir até o interior da montanha, onde puderam se deliciar com maior tranqüilidade.
Ratos e cães de rua então se aproximam, vagarosamente; as aves parecem mais confiantes e começam a pousar no aterro. Todos se misturam aos restos de alimentos ali esparramados e, excitados com a visão daquela enorme quantidade de entulho, se aproximam e começam a escalar o monte em busca de mais fartura.
Mas eis que a tranqüilidade termina com a chegada de outro animal que, sem estudar os arredores, investe ferozmente contra a montanha. Inebriado, talvez, com o odor de algum alimento ali escondido, parecia tentar atravessá-la. Alguns dos cães, já acostumados com a presença constante daquele velho companheiro no dia a dia, não se amedrontam e o acompanham, tal como se estivessem num verdadeiro banquete comunitário.
Outros animais que ali estavam pela primeira vez, contudo, se assustaram com a violência do predador e recuaram um pouco. Mas a fome os fez permanecer nas proximidades, pesquisando os sacos de lixo recém tragos por um caminhão, e à espera do afastamento daquele inesperado e perigoso concorrente.
Pouco depois um outro caminhão estaciona nas proximidades. O movimento dos seus ocupantes descarregando entulhos da construção civil assusta os animais, que não estavam acostumados com a presença de pessoas. Eles se afastam do local e resolvem caminhar em direção ao predador, pois, apesar de sua impetuosidade, demonstrava estar mais interessado no conteúdo da montanha do que em fazer-lhes mal.
Pouco depois o caminhão vai embora com os trabalhadores. Logo depois, o predador também se afasta.
É ele conhecido como Carlinhos: tem 7 anos e se dirige então ao barraco onde vivia, calçando apenas um pé de chinelo. Na mão, carrega uma lata vazia, cujas bordas afiadas ele percorria ansioso com os dedos e a língua, a procura dos restos de leite condensado já endurecido. No chão ele vai jogando insetos que estavam no interior da lata, já apreciando o sabor adocicado do creme.
Depois ele lavaria a lata e faria um cofrinho, para ajuntar as moedas que eventualmente encontrava. Moedas que ele descobriria depois já terem saído de circulação da humanidade.
Como ele, que talvez nunca fizera parte dela.

(E os animais, sem o perigoso concorrente, voltam tranqüilos a montanha).

terça-feira, 14 de abril de 2009

enquanto houver amor em mim

Nada posso senão amar
Enquanto for romântico e vulgar
entretanto real o estampido
da bala de festim
cabe cair e morrer sem sangrar

E fechada a cortina
levantar e sair
sem ver a platéia em catarse
a rir
do desempenho ridículo e sem par

Iriene Borges

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Ao Machado


Como quem toma vinho
pra ficar embriagada
certa que é passageiro
e o dia seguinte quase nada

Era assim que te gostava!

Feito língua no sorvete
eu te gostava. Falo!
Feito moça indecente
eu te falava. Calo!

Eu te gostava perto do normal
dentro de mim apenas,
como se fosse carnaval

Mas o sol se antecipou ao dia

Feito o êxtase de uma balada
na noite de uma segunda-feira
na alegria da madrugada
e já sofrendo pela terça-feira

Era assim que te precisava

Feito quem chora saudade
eu te precisava. Fato!
Feito fosse realidade
eu flutuava. Ato!

Eu te precisava e não era banal
tão imprescindível
feito rabanada no natal

O dia não lembrou da noite

Como quem encontra realejo
e vendedor de abacaxi
como se todo o antigo peso
fosse perfume de alecrim

Feito sabor de cicatrização
dos dias de espera e ansiedade
Feito calcinha de algodão
eu te gostava isenta de sanidade

Mas a noite lembrou de amanhecer

Eu já te gostava com escândalo

Hoje tudo que posso
é te gostar, sendo eu o sândalo


Barbara Leite

Imagem retirada do site: http://farm1.static.flickr.com/9/11207739_f37c8409e0_m.jpg

terça-feira, 7 de abril de 2009

Perdoa-me o silêncio
Já não há outro caminho
Senão resguardar-me da angústia.
Não fosse essa falta de abraços
Haveria nos lábios o antigo sorriso.
.
Perdoa-me o desencontro
Já não há outro caminho
Senão encruzilhadas perdidas.
Não fosse essa falta de sorrisos
Haveria ainda muitos sonhos.
.
Perdoa-me a dúvida
Já não há outro caminho
Senão um vulto de incertezas.
Não fosse a distância dos sonhos
Haveria ainda um mundo inteiro.
.
Perdoa-me as lágrimas
Já não há outro caminho
Senão esse rio de misérias.
Não fosse a ausência de olhares
Haveria em mim resquícios do que fui.
.
Perdoa-me a loucura
Já não há outro caminho
Senão encarar a hora fatal.
Não fosse a indiferença das palavras
Haveria uma vida a viver.
.
Perdoa-me o verso
Já não há outro caminho
Senão abismar-me na poesia.
Não fosse a dose mortal
Haveria ainda um último romântico.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Água de mar, cheiro de banho

Nas aberturas da alma relaxo
e permito-me visualizar o destino.
Em minhas bolas de cristal
antevejo minhas desilusões,
todas as desilusões pelas quais anseio por passar

Noutros instrumentos de magia reveladora,
confesso minhas esperanças num futuro,
confio na razão mística das minhas crenças
e sentado olho o movimento no horizonte.

Quando acordo do transe entorpecente,
as ervas fumegantes ao meu redor
abrem a passagem pra fora.

quarta-feira, 1 de abril de 2009























limítrofe

devotei-me à traição
e amo-te em mosaicos conflitantes
resisto ao seu querer
e persisto dissociada
em dúvidas e orgias ficcionais
extremos passionais

soul-te inteira
sem limites tênues
errante e impulsiva
idealizo tudo
a crença utópica
do endeusar pagão
dilacero-te e peço-te
não me deixe morrer só!