quinta-feira, 30 de junho de 2011

CARTA DE AMOR

Um 2º testamento deve hoje ter lugar, cumprindo um compromisso. Se o 1º foi (A) PALAVRA-CHAVE, o 2º bem que pode ser qualquer coisa. Já que, relido o texto, da prosa à poesia, está lá tudo. Vou desmontar um poema, ver como fica:

Em geral escrevo-te um poema na hora, como agora, como se estivesse disposto a inventar as regras da Poesia para fazer algo onde te possa amar de modo a seres, Sim, porque não, tu mesma, a minha Poesia como género de rir do literário e, pelo contrário, respeitar imensamente essa coisa que é imensa e, Sim, porque não, escrever a prosa que me falha quando procuro escrever cartas de amor ridículas como as radículas da raiz do corpo deste amor profundo com que abraço o mundo para te dizer como é meu coração a bater no peito e senti-lo a querer ser boca, lábios, língua… palavras a acariciar o teu pescoço até entrarem no teu ouvido e segredar como as mudanças de linha têm regras tão nossas como promessas à Senhora da Agrela que não há outra como ela, dizem, e faço eco para o boneco, boneca. Vês
como é, quando a minha fé me abandona, improviso sem regras nem Fé? Nunca, a minha fé abana como as ervas, as árvores, as plantas com flor ou sem elas, esperando-as! Quando as flores chegarem, será sinal certo da tua presença.

Depois deixo-o como foi.

CARTA DE AMOR

Em geral escrevo-te um poema na hora,
como agora, como se estivesse
disposto a inventar as regras da Poesia
para fazer algo onde te possa amar
de modo a seres, Sim, porque não,
tu mesma, a minha Poesia como género
de rir do literário e, pelo contrário,
respeitar imensamente essa coisa que é
imensa e, Sim, porque não, escrever
a prosa que me falha quando procuro
escrever cartas de amor ridículas
como as radículas da raiz do corpo
deste amor profundo com que abraço
o mundo para te dizer como é meu
coração a bater no peito e senti-lo
a querer ser boca, lábios, língua…
palavras a acariciar o teu pescoço
até entrarem no teu ouvido e se-
gredar como as mudanças de linha
têm regras tão nossas como pro-
messas à Senhora da Agrela que não
há outra como ela, dizem, e faço
eco para o boneco, boneca. Vês
como é, quando a minha fé me aba
ndona, improviso sem regras
nem Fé? Nunca, a minha fé abana
como as ervas, as árvores, as plantas
com flor ou sem elas, esperando-
-as! Quando as flores chegarem,
será sinal certo da tua presença.

O que podemos dizer das coisas só as respeita se não as altera, posso mudar tudo num texto mas nada altera o essencial «Quando as flores chegarem/será sinal certo da tua presença». Das flores aos frutos, a vida lança as suas sementes.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O escafandro e a borboleta


era bem tarde quando bateu na escotilha
o mar era profundo e vasto

eu vestia meu traje e fugia
hermeticamente refugiado
nas lembranças suaves

pessoas ,sentimentos,coisas,olhares
distantes e extintos
perdido nesse mar

meus olhos de escafandrista vagueiam
enquanto as asas dela se debatem
trazendo sopros ávaros

desejo de tornar a ver ou possuir
o passado que não volta

borboleteava na janela
hermética
mas não existe mais

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O silêncio das bibliotecas

foto: james nachtwey
        
O que pode fazer o poeta ao cantar o Sudão,
uma imensa ferida sangrando no mapa?

Ao modo das agências de viagens
teria ele a coragem de elevar a sua voz

e dizer que apesar dos seus vinte mil órfãos
fugindo pelo deserto
                  aindapraias à serem visitadas?

Fazer como os comerciais e não mencionar
a limpeza étnica que chega ao fim
por não restar mais quem matar? –
ainda que à vontade, herança de Caim
aprimorada com a modernização da máquina
                                                  e da indústria,
                                                  continue viva.

Aproveitar a informação de que de repente cessaram
os estupros, pois nãomais quem seja violado
até a morte? –
             apesar do desejo persistir na carne
             e alimentar o sono dos homens.

Haveria o poeta de dizer que,
tirante mais de vinte anos de guerra civil,
deve-se ir conhecer o Nilo
            em sua majestosa exuberância?

Aconselhar o turista a olhar sempre para o mar,
com suas lentes digitais míopes
e suas câmeras eletrônicas desinformadas? –
            e nunca especular sobre o interior,
            ondeapenas fome e miséria

e o líquido que menos se lamenta ao ser derramado 
                        continue a ser o sangue humano.

E se o poeta não encontrar metáforas que possibilitem
versos narrando o quanto é usual  
decepar as mãos de quem cometa algum crime
dentre eles o adultério e o
            consumo de bebidas alcoólicas?

(Poderia o poeta, sempre um pobre mortal, dizer:

Ó País Sem Mãos
Quem Escreverá a tua Derradeira Poesia?

e cometer o sublime erro de crer que o problema
da África possa
                        ser resolvido em uma folha de papel?).

E se, de repente, o poeta não achar a frase certa,
que simplesmente uma pirueta estilística,
para dizer algo sobre a mutilação do clitóris,
e em seu trabalho não ser citado
                         a morte por hemorragia
                                   e a certeira infecção generalizada?

Mas como não encontrar
há de se perguntar
com os olhos fixos no mapa
recursos de linguagem para cantar
o ritual comum de utilizar a gilete de barbear
para extrair o prazer do meio das pernas
                                    de pequenas meninas?

Como não encontrar o tom
para cantar os pequenos
            e os grandes lábios
arrancados como pequenos bifes,
num mundo anterior ao éter e a penicilina,
acostumado ao uivo adolescente
de dor e desespero?

Como não achar um verbo enlouquecido
para colorir uma frase que fale sobre
os espinhos de coqueiro usados para costurar
e expulsar tudo o que é prazer de suas vidas?

Como não encontrar um refrão
sobre a cicatriz substituindo a anatomia humana?

Como não conseguir um mote que fale sobre
a pequena abertura deixada para escorrer a urina
                                                  e a menstruação?

E se, esquecido de sua honestidade,
o poeta se olvidar da pergunta
sobre o quanto temos de culpa nisso tudo
com nosso blefe democrático e
            nosso racismo bem comportado?

E se, desmembrado de seu humanismo,
ele se  esquecer de indagar
sobre o tamanho de nossa culpa
ao comprarmos
seus homens como carne em açougue? –
trazê-los para tornar
             nosso açúcar mais doce,
                 com a simples adição de sangue
                                              nas moendas
                        do Império do Brasil!

Talvez o poeta não possa fazer nada pelo Sudão
e sua guerra à beira das bodas de prata.

Pelo Sudão e suas toneladas de ouro e hímens,
pois as palavras não sobrevivem aos
            rios de pus que cortam o seu corpo.

É desculpas que o poeta pede
                            ao se omitir na estante.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Mesmidade

A cabeça e o coração

numa relação passional

juntam palavras vãs,

criam poesia e riem

do pobre poeta que sufoca

com a inspiração no nó da garganta,

e treme

com a rima na ponta dos dedos.


foto: Weheartit

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sem remédio


ASL-90.004/305.B12 acreditou quando lhe contaram que, na face oculta da Lua, havia uma caverna aonde, durante a lua nova, os andróides se transformavam em humanos assim que nela penetravam. Buscou-a com afinco. Nada encontrou além de areia, pedras e uma bandeira antiga, listrada e rota. Desolada, lançou-se no espaço na esperança de que algum raio a atingisse e destruísse. O que não tardou a acontecer.


Márcia Maia

(Sem amém, Ed. Moinhos de Vento, Recife, 2011)

domingo, 19 de junho de 2011

A outra que sou eu

Passei trinta anos sendo traída.
Sempre a mesma coisa, depois de.
Semanas de cabelo desgrenhado, remedinhos na estante, filmes de amor com lencinho de papel e panela de brigadeiro.
Aí ele apareceu, o casado.
Enroscamos de jeito que não solta mais.
Jeito de bicho.
Vidinha solitária, essa de ser a outra.
Não muito diferente da vida que eu tinha quando era a traída.
Afinal, eles sempre estão com outra.
Sendo assim, não importa o lado em que estou.
Interessante foi o que aconteceu comigo.
Foi como atravessar uma catraca de metrô, onde você tem que tirar a roupa, o espírito e o falso moralismo -claro- pra entrar no trem.
Entrei medrosa nesse novo estar.
Silêncios, segredos, cautela, discrição, semi-discrição na sorte de que nunca. Né.
É tenso.
Amante tem que ser confiante.
Bonitona, gentil, simpática, segura de si, sabe?
Um jeito irônico de trabalhar o amor próprio.
Traída tem olheira, lava louça, corta unha do pé.
Eu não.
Não mais, né.
Agora é lingerie, restaurante, salão, champagne.
Passeios inesquecíveis, beijos ardentes.
Ele sempre pensando que eu vou fugir.
Que eu tenho muitos outros, isso e aquilo.
Agora acho que eu sou sensual.
Brega essa palavra né?
Ufa! Até que enfim!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Divulgação de blog

Venho sugerir sugerir algumas leituras no meu blog, "Prosas e Viagens":

Hipocondria e Ponto de vista: poesias visuais que tiveram boa acolhida na web - http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Poesia%20visual

José Alencar, herói ou homem comum? - crônica sobre ao papel da mídia na cobertura da doença do ex-político - http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Cr%C3%B4nicas

Catetinho e Museu Vivo da Memória Candanga - Comentários e fotos sobre esses museus do Distrito Federal; até o momento, a postagem sobre o Museu Vivo é a mais visualizada do blog - http://prosaseviagens.blogspot.com/search/label/Turismo%3A%20o%20DF%20n%C3%A3o%20%C3%A9%20s%C3%B3%20Bras%C3%ADlia

Boa visita e boa leitura!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Semi deus


Escreve uma história de heroísmo no meu dorso:

começando pelos ombros

e descendo,
vai desafiando meus demônios
e vencendo todos,

até a curva das minhas costas
- estrada tão macia
para o que há tempos fantasias
receber em troca de toda essa luta -

e pontua tatuando a tua boca
no teu prêmio
e dele, desfruta.

domingo, 12 de junho de 2011

sábado, 11 de junho de 2011

Presente de grego


Pediu com tanta fé, que lhe nasceram asas. Correu todo contente para o prédio mais alto e se jogou. Sentiu o vento cortante no rosto, enquanto das janelas todos apontavam incrédulos, alguns histéricos gritavam ser obra do demônio, outros ajoelhados exclamavam ser obra de Deus. E ele, enquanto rodopiava e caía sem controle, pensava: devia ter testado essa bosta antes.

Joakim Antonio 

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ensaio sobre...?


Quero as atribuições todas de uma vida de ócio de filosofia. Pois que meu cérebro se tem dissolvido em coisas múltiplas, se distraído com questões de superfície. Tenho ficado inteiramente absorta com assuntos exteriores, mas minha ansiedade afoga-me em águas densas e violentas. Sinto e sinto tanto! As dores que me navegam; como se suor fosse pouco, e sangue mais, porém menos, menos do que isto que escoa cujo nome desconheço. Milhares de aros me cobrem num corpo tão pequeno. E pelos ouvidos adoecem cada nota antes de serem interpretadas pela mente e serem motriz de alguma força esdrúxula, dessas que ricocheteiam nos dias de crise. Sou uma mulher velha em corpo de menina. Floresço e desfolho com a mesma velocidade e vitalidade das manhãs em dias cinzas. De forma moldada, porém sem essência, sem gosto, inacabada. Sou receita de cozinheira matreira, dessas que experimentam, encostam a ponta do dedo na panela quente e lambem para ter certeza de que o processo está vivendo. E os voos dados, todos claros, límpidos, quantos tantos e quase raros, escasseiam a cada ano, como se os aniversários fossem pilhas de tijolos quentes, endurecendo a estrutura com o passar do tempo.
E estou aqui, desempregada, desnutrida e com amnésia. De seios gastos e chinelas sem adornos, ansiando por ressurgir em outro ponto da historia, em alguma parábola antiga – chinesa ou indiana – cuja mistura de espiritualidade e filosofia transcendam o ser – este como verbo e não como estado. Porque a água já ferve há anos e o vapor de tão efêmero e longínquo causa-me bolhas grandes, inchadas, espalhadas em todo o corpo. É uma alergia, sim, acredito nisso. Talvez possa ser uma febre interna dessas que rebentam e sangram. O que não sei e o que penso saber – sou uma dúvida e um caminho sem volta, mas ainda tenho esperança. O que me faz desejar mais a vida do que a morte e mais a eternidade do que a existência. Os dedos arroxeados, os cabelos sem viço, os pés inquietos, o rosto contraído. Diga-me: há algo diferente do que vês? estas palavras são as gotas que param sob o vidro de uma janela trincada; o dia está fresco de chuva recente e a despeito de tudo você sorri como se a estiagem durasse dias.
Eu quereria ser homem neste corpo de mulher? Se pudesse levantar o dedo – primeiro tímida, depois obstinada – e me permitissem falar, eu recusaria, sim recusaria tudo o que me é dado em excesso. Porque sei o papel, conheço suas atribuições, e não saber o que se quer com exata noção de detalhes pode ser confundido com leviandade. Por causa de outras tolices me deram igualdade de acepções e conjugação, mas ter liberdade não é ser igual, é reconhecer que se é diferente. E não ser diminuído por isso, certamente. Porque estou certa que a guerra foi por causa disso, da diminuição de importância e não por causa da desigualdade, já que o contrário nunca existiu. Mal interpretar é pior que não interpretar nada, é beber um ácido em lugar de água e discorrer sobre a defesa do ato apesar de sua dor de agulha.
Não sei, mas tenho quase certeza – e talvez precise morrer para saber – que eu não nasci na época certa: nasci atrasada.
Foto FEMALE NUDE by Pierre-Paul Prud’hon, a French painter of romanticism style. (Image Courtesy Wikimedia Commons)
-------
Nota: Queridos amigos, informo que esta é minha última contribuição aqui no Manufatura. Foi uma honra publicar aqui todo dia 10.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Clara

Clara, sinto falta de tua voz, por isso sussurro ao teu ouvido. Porque não cantas mais? O que farei nos dias tristes, como esse, sem tua voz?
 
Clara, tua palidez lânguida exala uma paz que se reflete no silêncio amargo deste salão. Pelas flores em teu cabelo e teu vestido branco rendado poderia dizer que estás vestida para uma festa, se todos a tua volta não estivessem de luto.
 
Clara, agora só resta a treva. Nossos olhos já não se encontram, pois tuas pálpebras rígidas não se movem, assim como não se encontram nossos lábios, pois os teus mantêm essa sobriedade fria. 
 
Clara, não sei se ainda sonhas, mas enquanto dormes teu sono, saibas que fico, insone, a velar-te, sonhando acordado com o dia em que despertaremos juntos no paraíso.
 
Isaac Ruy

terça-feira, 7 de junho de 2011

Velhice

No copo sobre a mesa
- a dentadura.

Roupas velhas,
jornais e revistas.
tudo que preciso
era guardado
sob o colchão.

um pedaço de papel
uma caneta
um verso qualquer -
atropelado -
enrolado em teus cabelos.

Trêmulo, ainda rabisco palavras,
construo desaforos,
desabafos que se perdem
sem rimas ou objetivos.

Da música lembro-me vagamente.
Descompassados sorrisos
ao trinado de Miles Davis.


A poesia ainda pulsa
desordenadamente.
Os versos se perdem,
pendem do peito
entre os retalhos da vida.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Alice despedaçada

sonhei com outro presente para mim
que não incluísse bebedeira
e filhos bastardos para criar

as meias arrastão e a jogatina
acompanhadas de bebida forte
abrandavam devaneios

mas minha perdição
era a fumaça do cigarro
que fazia voar

veio cair em minha mão nada mais
que um ás e uma rainha de copas
olhava para as expressões pacíficas
de outros jogadores
naquele jogo a verdade
era o que menos importava

sem xícaras de chá ou botões
na lapela do Chapeleiro Louco
ou qualquer outra coisa
que viesse da terra dos espelhos
eu era igual a todas as outras

não fosse aquela rainha de copas
mal me lembraria de quem fui.