quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Evangelho de São João Barba de Bode Capítulo I


Olhe.
Pare, olhe, escute.
Sempre olhe para os lados antes de atravessar a via.
O dono do carrão reluzente total flex não merece atropelar você.
O seguro vai cobrir as despesas decorrentes do acidente.
Sua família contratará um advogado.
O advogado vai fazer a engrenagem burocrática funcionar.
Sua família receberá o DPVAT.
O advogado abocanhará, alegremente e com expressão de pesar
os trinta porcento do bolo a que faz jus.
O motorista atropelador ganhará um novo carrão reluzente.
Você não vai ganhar nada, tornar-se-á nada.
Olhe.

Ouça.
Ouça a voz do diabinho verde.
Ele sabe o que diz.
Ele sabe tudo.
Não ouça os crentes, os devotos-autômatos de Cristo-Buda-Confúcio-Maomé.
Ouça o diabinho verde de orelhas pontudas e dentes muito brancos.
Faça o que der na sua telha.
Ainda que cause danos à sua saúde.
Porra, de quem é o corpo?
Foda, foda muito. Refestele-se de carne.
Empanturre-se de carne.
Beba, fume, drogue-se.
Faça o que quiser.
Desde que não prejudique outro.
Ouça.

Cheire.
Sinta os odores do mundo, do sub e do infra-mundo.
Embriague-se de cheiros.
O cheiro do sexo, do perfume barato, do estrume.
Cheire o sovaco, a boceta, o saco.
Cheire o cachorro morto, o marimbondo, o rato.
Cheire a chuva, o esgoto, o mato.
Impregne-se dos olores de vida, morte, coma e sorte.
Aspire a fumaça do pneu queimado.
Queime suas roupas na fogueira santa.
Cozinhe seu cérebro na frigideira de aço inox.
Tempere com salmos, salmonelas e idéias idiotas.
Deixe passar do ponto e coma.
Regue com vinho tinto barato.
Depois, defeque no chão.
Cheire.

Carlos Cruz - 30/01/2008

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Memórias à...



XXV
29/07/03

Eu sou um caçador que mergulha na mais nevoenta floresta para dar cabo à caça. Eu caço belas palavras com as quais lapido feios poemas. Eu sou o verdadeiro aproveitador, aquele que, por um mero acaso, tem o sótão aberto por onde os bichos-idéias vêm ver o mundo exterior e os abate, cruelmente, para expô-los em folhas mortas.


Eu sou o sublime egocêntrico que mostra o pensamento morto como bichos doentios em um zoológico; que faz do crânio um pequeno alçapão, uma minúscula prisão, um Awschitz, para arrancar pobres palavras feridas nas moitas, abatidas nos cantos e revelá-las sem vida, sem brilho.

Pois vê, que serviço sujo e ingrato: adentrar no fosso de minha mente e arrancar de lá uma dúzia de palavrinhas mortas para exibi-las, assim, como medíocres bichinhos empalhados, encharcados de formol, impedidos de sua sina derradeira
– feder.



*

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A arte imita a vida



Foto: Fernando Figueiredo
*

E, de repente...

Enjoei do personagem,

não gostei do figurino,

cansei do cenário,

impliquei com a perfomance

e detestei o texto...

Então,

abandonei o palco

e o deixei ali:

ator-doado em cena.

Dei a mão pra outro

e fui viver,

finalmente,

um amor de cinema.

*

(Marla de Queiroz)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

De Владимир Ильич Ленин aos ratos e baratas

Владимир Ильич Ленин fez do mais livre pensamento uma espécie de religião; da busca por igualdade e justiça a repressão. Mentiu, deturpou, isolou-se. Metamorfoseou em ícones os que faziam ao mundo um convite à reflexão. Atrasou a luta em ao menos um século. E hoje, por outro lado, vemos cá e lá, como se saíssem de bueiros, os deslumbrados atados à suas tristes sinas a decretarem o fim

da História,

do estado de bem-estar,

da verdadeira liberdade,

da responsabilidade pelo outro,

e pelo amanhã.

Homens de bem bradam entre os dentes, nervosos, sorridentes, babando volúpia: “Temos a liberdade!”

...do mercado,

da exploração,

da ganância.

Caricatos filhos de Wall Street, mais um brinde! Mãos trêmulas, ansiolíticos apalpados nos bolsos; sim, cá estão! Próxima dose só às nove, como o doutor recomendou. Está tudo bem, tudo bem... vai passar.

“Ah sim, ô se vai! Estamos trabalhando nisso!”

“Vai passar... tudo vai passar. Sorriam para a foto!”

Como poucos são os cães que ainda ladram e mais raros ainda os que mordem pelos motivos certos, a caravana vai passar, levando tudo e todos com ela. Diziam: “Somente as baratas sobreviverão”. Doces tempos em que o cogumelo era temido. Mal sabiam que a morte já era embrionária, veladamente, dentro de cada um. O assassinato da alteridade era semeado em cada nova assinatura numa folha de cheque, em cada notícia publicada ou filme produzido. Hoje, cá estão as baratas e os ratos olhando para o que restou do passado e vociferando: “Contentem-se, nosso livre mercado os salvou de Владимир Ильич Ленин e similares!”.

Mentira triste, cinzenta e sangrenta... havia tanto a ser feito, eram tão grandes as possibilidades... mas o bode já expiou, as cabeças já foram oferecidas. Agora, quase ninguém mais se lembra do que havia por trás de tudo... restou o espetáculo dos ratos e baratas que bradam entre os dentes, nervosos, sorridentes, babando volúpia: “Temos a liberdade!” ...

Lançamento "O Observador do Mundo Finito"



Composto de realismo cotidiano o livro é a visão do eu sobre o todo que o cerca, a família, relações humanas, sexualidade, política, mitos e filosofia.
Lançamento

Atualmente na Bahia, Túlio Henrique, assumirá uma agenda curta de lançamento do livro “O Observador do Mundo Finito”, nos próximos dois meses. No dia 08 de março, o evento ocorrerá na Letras & Prosa – livraria e café, em Vitória da Conquista na Bahia, e logo depois em um dia de autógrafos na livraria Nobel no Conquista Center, também em Conquista.

Posteriormente, no dia 20 de março Túlio Henrique, levará seu observador para as cidades de Uberlândia, Catalão, Itumbiara e Goiatuba, ambas as cidades sem local e datas confirmadas. No entanto, em agosto, o lançamento do livro será na 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, na capital paulista.


Pontos de venda

Até junho de 2008 o livro será disponibilizado nas melhores livrarias do ramo no Brasil. Por enquanto é comercializado na Internet, a partir da Livraria Asabeça: http://www.asabeca.com.br/ e Livraria da Lua: http://www.livrariadalua.com.br/ ao valor de 21,50.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Um completo incompleto



Caminhava atento, preocupado, apressado e cheio de planos a serem postos em prática. Com data, hora e local previamente acordado com a sua consciência e agenda.

A sua agenda nunca estava preparada para imprevistos, mas visto que eles sempre acontecem, Pedro falava mal de qualquer um que passasse em sua frente, ou de dois, ou de todos os que ele achasse necessário falar mal até que passasse a sensação de impotência diante da impossibilidade de honrar um compromisso agendado.

Logo ali, ao lado do escritório de Pedro, trabalha Artur.

Artur é um homem paciente e a sua paciência geralmente incomoda pessoas que comem no Mc Donald’s (porque não podem esperar muito tempo por um prato em um restaurante). A agenda de Artur também está cheia de compromissos, tanto quanto a agenda de Pedro. Artur só não admite prazos apertados demais para realizar os seus trabalhos publicitários, não se sente incomodado nem mesmo quando os seus clientes deixam de ser clientes. Artur vai ao cinema, freqüenta teatro, lê bons livros, dorme até tarde aos domingos, vai à academia pela manhã. Muitas pessoas o vêem como um sujeito preguiçoso. Artur sabe que, em suma, a marca mais forte de uma personalidade é o que essa personalidade é capaz de produzir.

Pedro é engenheiro, constrói prédios para abrigar pessoas. Pessoas nascem a todo instante para produzirem mais prédios e gerarem mais pessoas. Essas pessoas consomem produtos que a empresa de Artur faz propaganda. Artur é quem conceitua. Sua metodologia consiste em atender as necessidades do consumidor moderno: praticidade, agilidade e eficiência, agregando a melhor qualidade possível.

Artur vende o conceito que Pedro compra, Pedro vendeu a sala onde Artur trabalha. Ambos trabalham, mas não sabem para quem. Se para os filhos, se para a humanidade, ou se para eles mesmos.

Artur tem mais fotos, têm mais porta-retratos e dois filhos com a esposa de sempre. Planeja escrever um livro e às vezes precisa tomar antialérgico porque tem rinite.

Pedro é separado, casou duas vezes: tem dois filhos do primeiro casamento e um filho do segundo. Namora Tatiana, vinte anos mais jovem que ele. É hipertenso, fuma e consome bebidas alcoólicas.Pedro gosta de lugares caros, sofisticados, sem barulho e com pessoas de um nível cultural elevado. Não suporta imprevistos.Artur gosta de conhecer novos lugares e costumes. Acha agradável ser surpreendido. Gosta de karaokê e reuniões em família nos finais de semana.

O sonho de Artur é fazer rali.

O projeto de Pedro é terminar o ano com um lucro maior que o do ano passado. Não pensa em casar e acha perda de tempo ler crônicas.

Artur chegou cansado em casa, tomou um banho, jantou e, depois, foi até a sacada onde estava à esposa e, com um ar de todo sorriso, a abraçou.

Ela perguntou o que havia acontecido, ele sussurrou algumas palavras no seu ouvido. Ela sorriu e o beijou.

Pedro chegou cansado em casa, sentou no sofá, colocou uma dose de uísque, fumou um charuto e adormeceu ali mesmo. Despertou com um telefonema que o deixou irritado, tomou alguns calmantes, ligou o despertador e dormiu pensando sabe-se lá em quê, ou em quem.

No outro dia, as manchetes dos jornais davam conta de um estudo científico denunciando o aquecimento global e algumas previsões apocalípticas. Um dos dois ficou preocupado ao ler a reportagem, o outro estava preso em um congestionamento, observando crianças fazerem malabarismos, não leu nada, não sabe de nada, até agora.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A guerra de Hannah

.
Hannah tem ataques de saudades
quase kamikases:
grandes cargas,
explosivas nas profundidades
(do ser),
detonam mísseis de amores perdidos
exterminam exércitos de corações rendidos

Ela comanda desígnios

Nas trincheiras dos destinos
batalhões enfileirados
tratam com desvelo
rajadas de paixões feridas

Hannah bombardeia as nossas cabeças

Torpedeia os pensamentos que navegam
para longe dela
aos que tentam se ver fora de sua guerra
(particular e inexplicável,
como todo bom conflito)
como tudo que já foi falado
pensado ou dito:

A batalha de Hannah é mundial

Afinal,
todo mundo luta por alguma coisa.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Jardim do Éden


Naquele jardim, a Margarida iniciou um caso com a Espada de São Jorge. No outro dia tava todo mundo sabendo.
A mãe das mexeriquinhas tratou de espalhar a novidade.
Também, é a maior mexeriqueira.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Eu tô voltando

Eu tô voltando

pro mato, cerrado

para casa



Eu tô cansado

da cidade, cercado

de nada



Sim tô voltando

ou aqui no nada

me mato

sábado, 9 de fevereiro de 2008

SOBRESSALTO EM DOIS TEMPOS

1.
Meus olhos se encharcaram
Mas só a água do rio é que correu
Deve ser porque ela é suja
As águas do meu amor, como são puras
Guardo aqui no peito meu

2.
Alguma poluição deve haver pra forçar tais quedas d'agua
E em muitos casos creio se chamar ela realidade
Tão dura que fura - e tudo que é líquido desliza
Gota a gota (a gota a gota a gota a gota...)
Pelo rosto exposto a um mínimo buraco no sonho

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quando o carnaval passar...


Nem bem passou a ressaca do ano novo e o carnaval bateu à porta. Pelo menos assim o Brasil volta aos eixos mais cedo, pois, diz um dito que: “por aqui as coisas só funcionam após o carnaval”.
Vão passar os dias da festa mais popular brasileira, no entanto, 2008 promete muito mais ao longo de seu percurso. Saem de cena os arlequins e colombinas, os foliões voltam às suas vidas, recolhendo-se à rotina de mais um ano que, enfim, se inicia, abrindo assim, o espaço para os confetes e serpentinas do círculo político.
As cidades se cobrem do brilho dos holofotes apontados aos possíveis candidatos que logo estarão colocando seus blocos nas ruas em desfile de cores partidárias. Alegorias de todas as formas tendem a se manifestar diante da multidão. Proibiram-se os “showmícios”, porém, mantêm-se as máscaras e fantasias, mantêm-se a mesma conversa fiada, os mesmos gestos que se repetem em precisos intervalos de quatro anos.
Logo principiarão os cumprimentos cavalheirescos, os sutis abraços, apertos de mãos e animadores tapinhas nas costas. As visitas inesperadas no meio das tardes, os discursos. O sorriso estampado no rosto, os clichês de sempre, sem dizer as promessas. Estas se arrastarão no decorrer da campanha e da possível estadia na “casa do povo” (câmaras e prefeituras), que se tornou na verdade “a casa da mãe Joana”.
E o nariz de palhaço vai para...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Pseudo-Cores Estalantes

Peço desculpas aos amigos leitores e blogueiros pela ausência no mês passado!

Esse conto vem de longe. É algo que me dá alguma coisa e que tenho a pretensão de dividir. E ele se divide entre mim e você, como um coração que se sente solitário e ao mesmo tempo se esconde com medo de ter tudo que não pode alcançar. O fato é que esse conto me dá alguma coisa que nunca pedi, mas espero há muito!
Ele está em forma de ‘um segundo atrás’ – fala do passado – mas é atual como a estrela que ainda não morreu. E contos são como árvores de plástico – tão reais e tão inverossímeis! Esse conto é uma mistura de canções no ouvido e palavras na boca. Esse conto se basta, mas não é o suficiente para ser lido. Não pretendo ter – conseguir – nada com ele a não ser as formas que os espaços em branco desenham no texto – marcando a retina com pseudo-cores estalantes.
Sucede que a breves intervalos não programados posso me dar ao luxo de terminá-lo sem dar um sentido para o fim – porque mesmo o fim não tem um sentido – visto que (se a eternidade é para o fim) nada será contra ela.
Diz-se então que nada tem fim, nem a vida – mas uma alteração: a morte. E a morte nada mais é que a passagem do estado sólido para o gasoso. Esse conto é essa dicotomia. Assim eu descanso em paz. Sem dor. Sem nada dizer a meu favor. E esse conto fala disso, dessa desnecessidade de precisar se explicar. Talvez esse conto não fale de nada ou fale de tudo – contudo é aqui que ele termina.


LEIA TAMBÉM EM:
FÁBRICA DE HISTÓRIAS
LIVRO ABERTO
MOSTRA PLURAL

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Poemetos Sobre Uma Noite de Carnaval no Recife Antigo

I

Edifícios antigos
dançam frevo
querendo pôr os pés
debaixo das
sombrinhas.

II

Um plástico
ao vento abraçado,
pula encantado
ao som de "Vassourinhas".

III

Os postes
cantavam "Voltei Recife"
com vozes
de quem decidia
se vinha
ou se
ia.

acabaram ficando presos
no mesmo lugar.

IV

E como todos,
frevando eu me fervo
seguindo o bloco
completa(a)mente
bêbado.

André Espínola

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Alegorias

assintonia
comiseração da alegria
vida de lágrima
na face de Pierrô
sou Colombina
descreio sempre
da esperança
desvalida
mito de riso
choro, dor
lágrimas
ao findo dia
cansei-me de viver
Alegorias
em cada carnaval
tu, Arlequim
traz-me destino
sonho de ópio
disritmia
tríade de desventuras
desta venturosa
vida?
o que é isto
que pulsa
no ritmo
do enredo
que um deus
carnavalesco
escreveu sob
sangrenta pena
em nossos corpos
pintados sob amanhecido
segredo
de’uma quarta-feira
de cinzas?
Alegorias
frívolas, possíveis ruínas
trazidas pelo vendaval do tempo
réstias do sol
jazidas
sobre confete e serpentina

Num mais um dia qualquer


Espiei curioso pelas duas janelas da face
Dentro da frágil casa de carne, ossos e já poucas vísceras

E assim vi um ego formoso de terno fino a mesa
Brindando com tal de "Sr. Sucesso Moderno"
Levantando uma taça de sorriso tinto barato, escarrado...
O tim-tim das taças rimavam com gemidos do quarto escuro do ser
Onde a alma se prostituía fervorosa com a insanidade,
Produzindo sons que seduziam até o celibato do racional

Ao lado e em pé vi uma mulher frágil, esquecida e suja
Vagava pela casa com um olhar tenso, vazio e preocupado...
Era a identidade, estava cheia de "se" e vazia de si,
Poderia ver-se num espelho que não reconheceria a si própria...
Queria encontrar a si apenas se fosse num lugar fora dela

Por fim percebi algo passando rápido e rasteiro,
Era a mente, que parecia estar com disenteria
Corria despejando fezes midificadas pela a casa...

(suspiro)
Isso tudo apenas com o rosto de frente para um espelho
Num mais um dia qualquer desses por aí...
Não é à toa que a auto-crítica é a mais odiada pela casa,
Nessa casa composta apenas de um cômodo... Eu, acomodado...


Augusto Sapienza