domingo, 30 de novembro de 2008

Má-fé

Era um povo muito supersticioso. Em meio a outras crenças, acreditavam que cruzar os dedos trazia sorte.

Acreditavam tanto, mas tanto, que cruzaram não só os dedos, mas também os braços, e ficaram esperando.

sábado, 29 de novembro de 2008

parca







Alguém vaticinou
em eras perdidas,
entre sonhos e
quimeras ,
entre uma volta e outra
do fuso
que não nos veríamos jamais.

Trapaceiro decidi
...vou vendado

fecha os olhos
o vaticínio se mantém
e você não terá me visto
nem eu também

pronto
problema resolvido
sucesso garantido
o resto era acessório

tua pele e a minha
tem um mapa
que conheço bem

....vou deixar escritas
Instruções
Em braile
gravadas na pedra

responde,
e qualquer dia te pego...
numa parede qualquer.


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Casa do Jornaleiro


O céu envenenado disseminava angústia pelo vilarejo. Arrastavam-se os transeuntes de maneira silenciosa, com o ânimo que ainda lhes restava. Árvores de galhos secos ladeavam toda a extensão da rua e ofereciam repouso às aves, criando a imagem perturbadora do fim de tarde. Enquanto os habitantes da rua Thanatos gradativamente trancavam as portas, a figura solitária de Mariane tomava forma e seguia em direção à tabacaria. Fazia parte do ritual. A menina da boneca de pano e do vestidinho branco tinha o hábito de brincar em meio à penumbra, em frente ao estabelecimento do pai.

Uma pequena fresta, ao lado da janela lacrada do sótão, permitia ao jornaleiro observar os gestos do vulto que se deslocava na rua. Às vezes, a pouca luminosidade que incidia sobre a região, geralmente advinda da lâmpada da tabacaria, embaçava a visão do jornaleiro, privando-o, momentaneamente, de fitar o semblante de Mariane. Acometido de curiosidade, o observador tentava conservar os olhos na menina, a fim de se surpreender com o inusitado, embora a longuidão dos dois últimos anos não tenha oferecido o novo ao vilarejo. As ações humanas, exercidas naquele local, mostravam-se mecânicas. Não havia disposição, por parte de algum possível sublevador, para cessar o curso natural dos acontecimentos.
Entrou na tabacaria um peão. Encontrou-se com o pai de Mariane, com o objetivo de cumprir as devidas formalidades.

- Uma hora é o tempo que tens. Não mais! – estipulou o dono da tabacaria.

- Uma hora é o tempo que tenho. Sou cliente assíduo. Hei de desempenhar minha fidelidade. – asseverou o peão.

Ao sair da tabacaria, o visitante foi dar com Mariane.- Diga-me, guria, diga-me o nome da boneca.

- ...

- Ara, pimpolha, tenho um brinquedo que irá agradá-la.

Tomando a menina resignada pelas mãos, o peão a carregou para o lugar mais escuro da rua. Após uma hora, ambos estavam de volta à frente da tabacaria.

A casa do jornaleiro, do outro lado da rua, observava tristonha a inocência infantil. Se não estivesse submetida à ociosidade, certamente tomaria atitudes que seu alojado não providenciava. Mas quem espera que uma casa inconformada adote forças para subverter práticas delituosas? Talvez o jornaleiro, que a tudo observa, mas a nada contrapõe.

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Amanhece no vilarejo. Os louváveis trabalhadores caminham infelizes, cumprindo o ciclo inquebrantável da ordinariedade. Mais um dia que se repete!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Último dos Moicanos



Assistiu, com tremendo desprazer, seus semelhantes rasparem os cabelos e tatuarem suásticas nos braços, nas costas, nos tórax, nas nádegas e nas testas.
Agora, sozinho na metrópole, diferente, perseguido e acuado, vê-se em um beco sem saída, à mercê da salivante gangue de emos que aproxima-se ameaçadoramente. Sem vislumbrar melhor desfecho para o crucial impasse existencial, decide praticar o "do it yourself", antigo lema do outrora glorioso movimento punk. Espada em riste, impiedosa e impetuosamente, ataca. Sodomiza um, dois, três, quatro. O suor escorre copioso testa abaixo, provocando ardência nos olhos; a camisa, com a gravura de Sid Vicious, empapa. Exausto, espada vacilante, percebe a iminência do amargo fim. Os emos são muitos, jovens como o movimento do qual são sectários, vorazes, insaciáveis, multiplicam-se como baratas. Quando tudo parece perdido, eis que surge a salvação, ela é careca, musculosa, tatuada e bastante numerosa. Por deliberação unânime em assembléia, os carecas decidiram acrescentar à sua negra lista, na qual já constavam negros, judeus, orientais e nordestinos, os integrantes do movimento Emo. Caíram sobre eles aos socos ingleses, tapas e pontapés. Ao final do rápido e fulminante ataque, a praça era um mar de corpos maquiados, franjas, cabelos coloridos e roupas pretas espalhafatosas. O combate terminara com baixas maciças em apenas um dos polos.
Minutos depois, vieram os judeus ortodoxos que dizimiram os skins. Depois, apareceram os palestinos que destroçaram os semitas. O moicano virou crente de terno, gravata, Bíblia e cabelo moicano, que virou moda.
Alheio a tudo, o mundo prosseguiu seus movimentos ao redor do sol e de si mesmo, azul, redondo e careca como uma bola de bilhar.

Carlos Cruz - 04/08/2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O PRATO DO DIA

Cometi o pecado de conversar com meu prato. Tinha barbatanas e olhos azuis, escamas cromadas e uma calda lânguida e real. Ninguém podia acreditar que o fiz, sem piedade, parecido com os homens do norte, sul, leste e oeste da terra. Perguntei-lhe o nome, ele não respondeu. Depois desabafei quanto as minhas dores e insucessos – acho que ele riu de mim, e eu, nem percebi – ele riu: como pôde?

Antes de comê-lo pensei em não comê-lo e torná-lo meu amigo, porém, ele era meu prato e só me via como seu predador. Não podia me amar como se ama aos amigos, embora fosse ele a única presença viva em meu espaço.

Ele sabia muito sobre a física quântica e as disparidades da política social. Questionou-me a relevância da perda e dos sentidos invólucros de materialidade e estima demasiada. Não havia terras que ele não conhecesse, sejam essas nacionais ou estrangeiras, orientais ou aqui mesmo no ocidente. De tudo ele sabia, e não sabia pouco de tudo, sabia tudo de tudo como a certeza da morte. Eu pedi para que ele falasse comigo, mas sua sabedoria transcendia apenas os olhos – espelhos quem refletem o Danúbio e a sobriedade desnuda -, tão azuis quanto os céus a espreita do crepúsculo.

Convalescente ele não chorou, mas secou minhas lágrimas e amenizou meu sofrimento. Poderia ter escrito um poema, ou copiado alguma de suas reflexões em um artigo. Mas não se tratava mais de mostrar o que os outros não viam, tratava-se de ser, tão simples quanto um rego ao encontro de um rio. Ou ainda mais simples, tal como o vazio da noite ao findar de um dia agitado.

Eu o comi, depois de cometer o pecado do diálogo o comi vorazmente, impiedosamente enquadrado às etiquetas.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

POEMA # 2

Poema # 2

: impossível sem quebrar uns ossos,
talvez alguns golpes de navalha na face
(como um imprudente zagueiro
ou um barbeiro louco).

: improvável sem queimar algumas casas,
talvez algumas pessoas em praça pública
(como se fazia em nome de Deus
ou de homens alçados a).

: fora de cogitação sem pessoas,
talvez algumas que não existam
(como aquelas dos romances antigos
ou dos sonhos razoáveis).

: impensável sem amor pela vida,
talvez por uma mulher ou por um cão
(como se vê na rua aos sábados
ou nos bares à noite).



*

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Viagem Clandestina

Depois de seis anos trabalhando quase ininterruptamente, eis que vi na minha demissão a oportunidade de ouro de fazer uma viagem (pobre é assim mesmo, só viaja com o dinheiro do acerto ou para correr da seca). Escolhia entre vários destinos possíveis: Caximbó do Aterro, São João da Piriquituba, Taiobópolis e por aí ia, quando meu amigo Batata chegou quase quicando:
- Aí, fiquei sabendo que você tá querendo viajar!
- Querendo não, eu vou passar uns dias no interior, descansar, pescar, sei lá.
- É o seguinte: estamos, eu e o Juvenal, ajeitando para ir para a fazenda da tia-avó da prima da cunhada da minha irmã...
- Como é que é?
- Enfim, a fazenda é de alguém conhecido, tá afim de ir?
- Olha, eu não sei...
- Vai um monte de mulher junto. Só as gatas. – isso merecia uma longa reflexão.
- Que horas que vocês estão querendo sair?
- Sabia que você ia topar. Mas ó, tem que dar um dinheiro para rachar a gasolina.
- Ah, isso é o de menos.
Ajeitei “trintão” na mão do Batata e marcamos de sair no sábado logo de manhã. Estava tão animado para viajar que nem me importava do risco que corria; no geral, todo e qualquer programa idealizado pelo meu amigo sempre dava em merda. Sem contar que quando ele dizia “só as gatas”, na verdade se resumia a uma ou duas bonitinhas no meio de meia dúzia dos melhores canhões Krupp.
O sábado nem bem havia batido as sete da matina, eu e o Batata esperávamos nossa carona no lugar combinado. Diferentemente de outras oportunidades, tudo se materializou na mais perfeita ordem. Juvenal chegou na hora marcada, dirigindo seu valente Gol 1.8, ano 1995, inteirinho. E ainda por cima, cheio de mulher. E mulheres bonitas, na verdade, lindas! Aquilo era uma visão do paraíso:
- Irmão, tu é o cara.
- Sabia que você ia curtir. Vai por mim, essa viagem vai ser inesquecível.
O que deve ter sido inesquecível foi a cara que fiz ao saber do plano do Juvenal; como as três beldades ocupavam o banco traseiro, ele ia no do motorista e o Batata era passageiro-que-abre-porteira-e-conhece-o-dono-do-lugar, não restava assim nenhum espaço dentro do veículo para mim. Teria que ir de ônibus e eles me pegariam na rodoviária do povoado próximo. Era isso ou quando eu chegasse lá que arranjasse uma carona.
- Ó, é muito fácil. Todo mundo conhece a fazenda por lá, além do mais, é encostadinho na cidade, você consegue, safo como é.
- Sei não, Batata. E a grana que eu dei pro gás?
- Pois é, as minas tão meio na pindura, sabe como é.
Assim contra todos os meus instintos, lá fui eu de ônibus para o interior. Acomodado em uma das poltronas do fundo, saquei minha garrafinha de alumínio e tomei um belo gole de bourbon para acalmar os ânimos.
- O Batata me paga essa. Na volta ele é quem vem de busão. – Depois da metade da garrafa eu já dormia o sono dos justos e o dos injustos.
Acordei com o sol esturricando na cara. O ônibus, parado em uma dessas espeluncas de beira de estrada, estava com a tampa do motor aberta e cercado por peças, porcas e parafusos por todos os lados.
- É grave? – perguntei ao motorista que tirava uma de mecânico.
- Fosse gente – dito na pureza do sotaque soteropolitano - podia pedir a extrema-unção, visse?
- Batata, seu filho da mãe.
- Cuma?
- Deixa pra lá. Continua com o moribundo aí.
Adentrei as espetaculares instalações da birosca sentindo meu estômago acordar. E pelo jeito estava em uma mal humor homérico. Esse negócio de biritar sem beliscar nada ainda assassina meu fígado. Talvez até leve o bucho junto. Decidi dar uma olhada nos petiscos; torresminho, kibe com ovo, salsicha empanada, pé de porco, coxinha; o colesterol nadava de braçada ali e ainda dava pirueta. Apontei o pote estranho no canto.
- Aê, que é isso?
- Batata em conserva, vai uma?
- Nem na bala. Vê uma coxinha e um kibe
- E para beber?
- Uma pinga. Melhor, põe logo duas num copo só.
- Para o abrir o apetite, hein? O dono da birosca dava seu “sorriso 1001”, onde somente dois incisivos apareciam, cada um no seu próprio canto.
- Não, é para ajudar a empurrar esse treco pela garganta.
Acho que ele não gostou muito da minha crítica culinária. Nisso uma longa fila de crianças, uma escada perfeita do menor ao maior, sai do banheiro e começa a pipocar pedido de “quero isso, quero aquilo” daqui e de lá. Se a coxinha e a pinga não me dessem uma baita azia, com certeza esses pentelhos conseguiriam. Resolvi ir para fora fumar um pouco e ver a quantas andava o conserto do ônibus. Ou o milagre da ressurreição. Olhava desanimado para aquele monte de peça espalhado pelo chão, quando um anjo travestido de gente abriu a porta de um Doblô estacionado ao lado: o cabelo louro esvoaçante, uma bata branca que revelava os contornos perfeitos de um corpo bronzeado, o provocante perfume que me agarrava pelas narinas, a hipnose dominadora daqueles olhos azul-acinzentados que incrivelmente se dirigiam para mim. Aproveitei a filmada para colocar meu charme de Bogart do Cerrado em prática. Saquei um cigarro com extrema maestria e colei com a divindade:
- Fogo? – dois minutos depois e ela estava quase me passando a senha do Orkut dela. Tenho que admitir, aquele curso de paquera por correspondência valeu cada centavo. Quinze de papo e já sabia que ela era viúva, tinha perdido o marido dois anos atrás, Gérson Ganso, ex-zagueiro do Catulense. Em meia hora, batuta, tinha descolado uma carona com a gata. Ia para a mesma direção, tava dirigindo sozinha, precisando de ajuda na condução, isso é o que chamo de sorte. Quando estava tascando a primeira beiçada, me vi repentinamente cercado pela turba de crianças que havia visto pouco tempo antes, dois casais loirinhos e um japonesinho perdido no meio – ela virou-se repentinamente e animada:
- Crianças, boas novas... – rodopiei-a – Irmãos?
- Filhos. – virou-se de novo – Este é o Juliano, ele vai viajar com a gente daqui para a frente. Esses são Gilson, Gelson, Gérson Júnior, Gilda, Gilvânia, e o Wanderley.
- Wanderley?
- É... O pai dele era nosso jardineiro – sussurrou.
Duas horas de estrada depois, entendi porque ninguém se arriscava a viajar com ela. A doida ia pela estrada como se fosse o Mister Magoo bêbado. Andava um pouco em uma faixa, um tanto bom na outra e seguia cantando junto com a gurizada.
- Eu arrebento o Batata.
- Que cê disse, amor?
A luz amarela, avermelhou naquele ponto. Nem tinha ido pro rala e rola com a gata e ela já tava me chamando de amor? E ainda por cima com aquela molecada cantando “com quem será” o tempo inteiro?
- Arrebentar é pouco. Eu mato o Batata.
Agarre minha garrafinha da sorte, tomando altos goles para ver se conseguia segurar as pontas. A doida aumentava o som do carro e ia gritando as música (aquilo não era cantar, não senhor) junto com os filhos, em um coro desafinado que lembrava o urro de uma manada de quatis com dor de barriga. Concentrei-me em imaginar diversas formas de tortura chinesa para aplicar em meu amigo Batata. Uma chuva fina que começou a vir de encontro a nós e rapidamente se transformou em uma tempestade torrencial, que não deixava ver um palmo à frente. Tentei dizer para a gata ir mais devagar, mas foi como se pedisse para enfiar o pé no acelerador; a estrada foi rapidamente ficando para trás, as crianças gritando, aquela música do fim do mundo, quando o carro começou a girar sobre o próprio eixo, totalmente desgovernado, quando atingiu as amuradas de uma ponte, me lançando no vazio. Ainda pude vislumbrar, enquanto era lançado janela afora, que alguns dos garotos rolavam de rir, achando achavam que aquilo era só mais uma brincadeira. Uns belos filhos da puta, esses sacanas.
E então foi o silêncio. E junto com ele um mar branco, cheio de nada, onde eu parecia flutuar livre de todos os meus medos e receios. Comecei a me dar conta então, que finalmente estava encontrando aquilo que procurei minha vida inteira. Eu estava começando a desfrutar da...
- Vai ficar esticado aí o dia inteiro?
Olhei para o lado e lá estava um senhor vestido de branco e que tinha uma cara engraçada, que pareceu se transfigurar do nada.
- Como é que é?
- Tenho um negócio para te propor. Uma proposta tentadora.
- Propor, o quê? Que estória é essa de negócio, se eu nem sei onde eu estou...
- Ai, ai. Mais um desavisado. É o seguinte; você tá tendo uma E.Q.M.
- E.Q.M. ?
- Experiência de Quase Morte. Era para você ter visto um túnel, vários parentes, o resumo da sua via, mas estamos em uma fase de corte de despesas (morre gente toda hora, o custo dessa parafernália toda é uma nota!), daí que pulamos a introdução. Pois bem, você sempre foi um cara mais ou menos a vida inteira, agora tá entre lá e cá...
- Mas o que realmente me aconteceu?
- Era para ser coração. Básico, rápido e um dos meus favoritos. Mas você se engasgou com um pedaço de coxinha.
- Quer dizer que eu tô morrendo?
- Isso mesmo.
- Ah, se eu morrer eu mato o filho da mãe do Batata! Peraí, quem é você?
- Já me chamaram de vários nomes: Caronte, Nhunhabá, Volstour... Agora me chamam de "o sacana de branco". Sou eu quem leva a galera de um mundo ao outro, bicho, chuchu beleza...
- "galera", "bicho", "chuchu beleza"?
- Pô, xará, os sessenta foram de lascar. Muito psicotrópico, sacou? Mas voltando aos negócios.. Mesmo você sendo um cara meio maneiro, a probabilidade de pegar o elevador descendo tá muito grande.
- E o que eu posso fazer para melhorar isso?
- Seguinte: tava precisando, não, na verdade, tô querendo pegar aquela dona do Doblô, a da mulecada, mas sem a mulecada, entendeu?
- Entendi. Mas se você pode tanta coisa, porque não vai atrás dela sozinho?
- Questão de horário, meu filho. Não tá na hora dela. E vi que você tinha um jeito especial de lidar com estes assuntos. Daí juntei uma coisa à outra.
- Bom, é que... – Será que minha honra começou a ter preço?
- Ah, vamos lá, você tem que me ajudar. – parecia que o velhote não via uma mulher há séculos. No fundo talvez isso fosse verdade, afinal das contas.
- Então você tem como me fazer voltar?
- Claro, seu futuro está muito incerto. Parece até que está sendo escrito por várias mãos. Nunca vi nada parecido. Posso dar um jeito de você voltar no momento propício.
- Mas se eu voltar e fazer esse acordo contigo, quando passar por aqui de novo, pego o rumo de baixo sem escalas, não?
- É verdade. Mas cê já tá quase lá mesmo. E aí topa?
Não me lembro se acenei a cabeça em um sim ou se disse alguma coisa. O que sei é que senti um puxão e acordei deitado em uma ambulância, sacudido pelo choque do desfibrilador operado por uma enfermeira ruiva e extremamente peituda.
- Sorte sua nós estarmos bem atrás quando aconteceu o acidente, gatinho – Eu estava a salvo. Por enquanto.
- E o pessoal do Doblô, as crianças?
- Estão todos bem. Se estivesse usando cinto de segurança, não seria jogado fora do veículo – ralhou com fingida raiva. No final ainda deu uma piscadela.
- Batata, brother – pensei – te devo uma, cumpadre.
Em outra dimensão, um velhinho vestido de branco e extremamente grilado gritava aos quatro ventos:
- Concorrência desleal, essa tal de tecnologia!

P.S. Conto feito em partes, algumas postadas na comunidade "Contadores de Causos":
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=21661322&tid=2491747672918963349

HENDA




A água corre rubra
Permeando as mil colinas
A rua anda aos gritos,
Amanhecido desejo de paz,
Munhungu!
E ferve a dois graus
do sul do equador
as lembranças sórdidas
marcadas pelo horror,
Mukondo!, tristeza!

O lago kivu transborda
Pesadelos e nevralgia
Dos dias vermelhos
Entre tutsis e hutus,
Masoxi!, lágrimas!

Sobreviventes do caos
Balbuciam compaixão
Pelos ventres de kigali,
Fetos contorcem o genocídio,
E clamam absolvição.
Ufolo! < Liberdade!

Maria Júlia Pontes

Ducionário Bantu:
Munhungu= vertigem Mukondo vertigem Masoxi= lágrimas Ufolo=liberdade
Henda = Misericórdia


POstagem de 17/11/2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Manchetes de jornal ou Moto-contínuo

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JOÃO HÉLIO FERNANDES









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João Hélio Fernandes
ISABELLA NARDONI










João Hélio Fernandes
Isabella Nardoni
ELOÁ PIMENTEL









Isabella Nardoni
Eloá Pimentel
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Eloá Pimentel
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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Refletindo Silêncio

Para longe de mim
Equilibrando-me
sobre o fio esticado
entre sonho e juízo
prestes a estatelar-me
na rudeza dos fatos
prestes a alçar vôo
rumo a pouso impreciso

Para longe de mim
A ressonância da tua voz
provoca tremores
muda o curso da libido
no murmúrio raso
do discurso fluido que escorre
para minhas profundezas

Para longe de mim
Que a figura
debruçada na janela irreal
seja a imagem colhida
pela menina em meus olhos
a ostentar indiferença

Estrela longínqua
refletindo silêncio
no mar

Iriene Borges

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

As três mães




Agradece, criança
cada dia teu
às três mães que tem.
À que te balança
à que vê do céu
e à outra que não convém.

Agradece, criança
às três protetoras
que te fizeram luxo:
Quem cuida por bonança
quem cuida todas as horas
e a que te guardou no bucho

Agradece, criança
quem acompanha teu fado.
Pois conhecem tua oração
- não quem no mundo te lança -
mas a que perdoa pecado
e quem ama por opção.

(Matheus Costa)

sábado, 8 de novembro de 2008

Para plantar lembrança


Não tem mais tic tac
Os relógios correm digitais
Até o merthiolate
Quando uso já não me arde mais

Eu já não ouço o tempo
Mas ainda sinto dor

Não tem mais telegrama
Sentimento é virtual
E a música baiana
Resumiu-se em carnaval

Eu já não mando cartas
Mas ouço os filhos de Canô

E diante das mudanças - Ando
Diante das andanças- Mudo
Diante das mudanças - Muda

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Fábula

Foto: Coingny



A palidez da pele e os olhos parados a olhar-se no espelho davam-lhe a certeza da brevidade de seus dias. Não queria crer em mais nada, nem confiaria na existência de algo maior que seus próprios medos. O sentimento que lhe arrebatava em imediatos segundos devolvendo-a estupidamente à realidade era algo indesejável ao mais louco dos homens. Sentia repulsa de si mesma e dignava-se a cortar a pele com um estilete improvisado de gilete. O sangue escorria livremente nas ranhuras manchando os lençóis. Ela se sentia só e sóbria. Soberbamente realizada. Não queria morrer. Nunca sentira necessidade de acabar consigo mesma. Tudo era apenas um belo ritual de auto-purificação. Fixava o olhar na lâmpada negra ao centro do teto e devaneando encantos se via deitada ao centro de um imenso jardim. Roseiras cresciam desordenadamente abraçando-lhe o corpo. Os espinhos rasgavam-lhe a carne encharcando as pétalas de um vermelho púrpuro desigual. Seus lábios simulavam beijos que nunca encontravam uma superfície quente e úmida que retribuísse as carícias ensaiadas. E lá, ao centro do quarto, ficava deitada à espera que o desespero que lhe assombrava tomasse a forma inesperada de um macho que sem qualquer pudor invadisse-lhe a alcova e desfrutasse de toda sua vulnerabilidade. Sonhava digladiar-se, contorcer-se febrilmente, rompendo com todos os valores, escandalizando a quem lhe cobrava compostura. Desejava escandalizar-se, rasgar-se inteira e completamente, sangrar até a última gota de esperança. Gozar minutos inúteis em futilidades bestas. Desejava amar, amarrar-se a sombras, deglutir prazeres frenéticos. Gozar inutilmente. Desejava o mais viril dos homens lambendo-lhe as entranhas, estranhamente desvendando-lhe o sexo. Desejava a mais fútil inutilidade. Um prazer de repente no meio da noite, em silêncios e gemidos de brisa. Em sorrisos e gemidos de brisa. Em gemidos e gritos de vento.
A friagem da noite arrepiava todos os pelos de seu corpo. Inconseqüentes delírios deitada ao mármore frio. O quarto se alargara em um imenso brejo. Acariciando os seios sorria enquanto a outra mão tocava a virgindade despudorada. Fechou os olhos tremulando inteira. Impossível revelar as sensações, impossível nomear-se. Impossível não ser em profundo êxtase. Impossível ser. Quando abriu os olhos percebera quão inútil desequilíbrio. O quarto estava cheio de sapos, saltitantes com suas línguas enormes a lamber as muriçocas que voavam em torno das lâmpadas. Todos os sapos, enormes, miúdos, verdes claros, escuros, marrons. Rãs, pererecas, cururus, sapos-boi, zolhudos, tomates, ceras e todo tipo de anuros. Saltavam ao redor de seu corpo, atraídos pelo cheiro emanado. E, os sapos saltavam sobre ela, lambendo o sangue em sua pele, e surgiam mais sapos, infestando o quarto com um coaxar ensurdecedor. Fechava os olhos tentando lembrar-se do próprio nome, tentando esquecer a saparia, tentando não crer na existência de sua loucura. Mas, ao abrir os olhos podia perceber que havia mais sapos sobre a cama, sobre a cômoda, sobre todos os móveis do quarto. Os sapos se multiplicavam e tomavam conta de tudo. Aos poucos, ela sumia. impossível ver-se ao espelho, impossível vê-la. De súbito, um sapo enorme abrira a boca e engoliu aos poucos aquela criatura que nem mais parecia gente. Sua palidez foi desaparecendo lentamente, enquanto o sapo ficava cada vez mais gordo. enorme. Os olhos do sapo cresciam, seu corpo inchado se expandia pelo quarto. Suas cores transmutavam. Em alguns instantes o anuro explodiu, espalhando uma gosma esverdeada pelas paredes. Lá no chão, um corpo se contorcia misturado a uma estranha placenta. Virgínia renascia.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Contra-manual das mentes primárias

Imagine-me estando na tua cozinha
sorrindo e te perguntando onde guardas o café.
Quem sabe tenha mais de palhaço do que estimo
e me envolvo na pele da mais puta palaciana.

Mesmo ainda que falsos, amores, eles existam.
Minha palmeira pela manhã me vê desmontada,
cuido que se esqueça dos gemidos e promessas.

Tenho fantasias para mais de cem prostíbulos.
Abri meu guarda roupa de drag e, que sorte,
descobri esperanças a serem jogadas fora.

Caio de joelhos, de lama sujo o sexo de macho.
Os mesmos desejos nos trazem aqui na sacada,
tenho alma de lince, isso meu cachê não cobre.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Miniconto


Ela e toda sua essência deixavam-se cair sobre seu colo. Naquele momento, não se importaria se todos os pássaros deitassem em revoada e a carregassem ao céu... A morte, não faria o mínimo sentido.

Ninguém consegue viver com tanto veneno... a verdade liberta... o frio seduz apenas os libertinos...

Pensava que nos arredores de suas imagens fractais, apenas um ser conseguira aproximar-se da verdade de suas horas mais inóspitas. E era dele o colo no qual realmente conseguia descansar suas máscaras.

Genuinamente, pensara, não há coração sem razão a lhe oferecer paz. E neste momento ela chorou.

Caroline Schneider

sábado, 1 de novembro de 2008

Reconstrução

Estamos em reforma, e será muito bom contar com pessoas novas e engajadas!
Obrigada aos que se vão e sejam bem vindos os que chegam!
Espero duas coisas, garra ao participar em seu dia e críticas de qualquer cunho aos colegas!
Propagar o MANUFATURA também é muito importante!
E vamos em frente, sempre!