sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Referência

No calor da discussão, antes de virar as costas, disse que encontraria milhares iguais a ela.

A profecia cumpriu-se.

Desde então, em cada mulher que encontra, há alguma coisa que é dela.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

espanhola






senhora,
tua sombra desliza
ninguém vê

o insólito e anacrônico
festim que sonhei
imaginei,
desenhei
desejei

acordei.
olhos abertos sorriso largo
lá fora a lua estava cheia,
a noite seria longa.

estava só.
inquieto e faminto.


era tão bom senti-la ao meu lado.
carregando minhas lembranças
dores e amores passados.

meu sorriso bobo
revela
amo teu corpo
brilhante encanto
em forma de mulher


*tela de Fabian Perez

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O homem que lia Voltaire


Hoje, ao amanhecer, deparei com dois cadáveres pairando sobre meu corpo. Enforcados e ruborizados. Ambos eram homens, que, de início, tive imensa dificuldade em reconhecer. Conservei-me por um longo tempo na cama, deixando o sangue precipitar-se sobre minha face. Contei as gotas. Abri a boca e busquei engolir os pingos vermelhos que desciam pela corda de aço.

Levantei-me após algumas horas. Preparei o café, mas já estava sem fome. Bocejei com vontade enquanto ouvia as vozes vociferantes que vinham da rua. Um protesto de criaturas inúteis e semicorrompidas. Humanos? Eu os vejo como cupins falantes. Tento não ficar furibundo com os diabos de homens que gritam aos meus ouvidos. Todavia, criei uma técnica: tornei-me gigante de Sírio. Ah, tudo ficou melhor e apaziguado. Mas a droga daquele cupinzeiro tanto insistiu que quase me devorou. Demoro-me sozinho em uma ruidosa gargalhada, pois sou imbatível durante o tempo em que me cultivo Micrômegas. A pequenez dos homens é realmente risível.

Varri meus dentes dourados, beijei o espelho. O nó na gravata, aprendi. Ah, meu terno, tanto me faz feliz! O livro do idiota francês permanecia sobre a escrivaninha. Importantes são os sofismas quando não se sabe interpretar um filósofo. Corri, a passos de tartaruga, para meus afazeres. Dia de cão! Duas horas sentado no banco macio do parlamento, inalando o fedor dos falaciosos emperucados. Quando saí daquele lugar, percebi que minhas axilas também fediam. Mas, pensando bem, chegou a ser um odor agradável.

Retornei exausto à minha casa. Só pensei na cama. Os homens apodreciam sobre meus aposentos. Eram eles: você e ti. Dei uma tragada no sangue de você. De ti, abri as veias, pois ainda estavam aproveitáveis. Depois me deitei e voltei a engolir o sangue, já escasso, que escorria deles.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009


O Raul Cortês


nem sei de quando
vem
nem por que
vem
ou veio, ou véio, gol
veia
ou velocino da preta
véia
sem dente de
ouro
de tolo
amassa bolo
de musgo de
aveia
quac!
de olhos de
baleia
de óleos de
rícino
rico
oco
rente

o grilo falante
besuntado de hidratante
lá do cume do hidrante
profeta, profetiza
precoce, preconiza
exorbitante, exorbita
exegeta, exige a nota
cheio de banca e de pose
distribui amiúde e
de graça, conselhos de graça
sábio artrópode sapiente

sê cortês!
se és o boi de piranha
se és a bola da vez
se és o bode, a rês, o cabrito montês
se o salário não chega ao meio do mês
se o chefe dá sempre razão ao freguês
se te vendem paraguaio por escocês
se a patroa te troca pelo rico burguês
se sonhas recorrentes sonhos de embriaguez
se dois mais dois sempre dá três
se o cachorro do vizinho comeu teu gato siamês
se à tua volta se agiganta a humana pequenez
se só o que vês é cega estupidez
sê cortês!

mandou ver e mandou bem
a boa e redonda letra
que somente iletrados
e letrados sem letra
e letrados não bestas
entendem e compreendem

na birosca do Tião
pedi uma com limão
outra e mais outra
e mais outra e mais

pus rima com cuscuz
avestruz e jesus
eu vi a luz! (porque luz
tem que rimar com jesus
assim como dor deve rimar com amor)

ô tião, sangue bom,
manda mais uma, então!
senti próximo o momento
de praticar o ensinamento
veio vindo lá de baixo
o indomável furacão
poderia despejá-lo
no chão, banheiro, balcão
mas não era de bom tom
jorrei volumoso e terno
no enternado
na calça de linho
na camisa de seda
no sapato de crocodilo
desalinhado e irado
pretendeu racionalizar o desagrado
célere, desarmei o desalmado
desacelerei o celerado:
se quiseres, podes me bater
mereço ser castigado
dês a primeira porrada
se não tiveres pecado
o soco veio firme, forte, pungente
primeiro, a inconsciência
o regozijo, a seguir
constatação, revelação:
cortês fui - me dei bem - aleluia!
vi o túnel negro, vi a luz
Vi o sempiterno Jesus!
(reforço: luz, obrigatoriamente, rima com Jesus)

Carlos Cruz (cruz também, saliente-se) - 27/08/2008

domingo, 25 de janeiro de 2009

Liberdade de Ser


Quero poder ser livre,
para não ter, ter;
Para escolher, ser;
tudo ou apenas pouco,
são ou muito louco.

Quero olhar sem ter medo,
de me chocar ou enraivecer;
chorar ou padecer...
num infinito vôo
e me descobrir, renascer.

Quero a liberdade vívida
do brilho do sol,
do canto de um rouxinol
da orquestra desafinada
ou da terra lavrada

Quero apenas ser,
o que posso sorrir,
sem lamentar
da noite gélida
ou da manhã morna

Nada que me prenda
nem me solte,
nesse tempestuoso vento
soprado por Deus.
Porque viver eu vivo...
não invento.

sábado, 24 de janeiro de 2009




III
01/05/04
Memórias à beira de um estopim
para Sany Lara



O poeta habita
tardes escurecidas por nuvens
e, entre gemidos de paz
e declarações de ódio,
lampeja,
em sua mente, o sonho que a geração acorda antes de tê-lo.

Sonha (o poeta)
em noites clareadas por relâmpagos,
entre jogos de guerra e lutas de amor,
o sonho que seu vizinho iria sonhar
se às seis horas não o escravizasse.

Com as memórias pulsando
nas veias e o cérebro injetado de sangue,
entre balbucios de ira e gritos de rancor,
o sonho dos outros lhe escapa pela boca cerrada.

Com idéias de concreto e atos de vento,
contra inimigos invisíveis e armas de plástico
(sabendo ser mero flerte erótico
e intenções carnais a geração que o procederá),
o sonho do homem do andar de cima, que não foi sonhado ainda,
chega-lhe ao peito – numa jornada que intenta a mão.

Entre tristezas que nunca se acabam
e felicidades que mal se iniciam,
o poeta faz do sonho que a chuva e a fome impediu os outros de sonharem
um verso com palavras estáticas e se lança,
de coquetel em punho, contra moinhos de vento.


*

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

MARIA

A lua banha Maria Silva, não sabe ela, nem quer saber se alguém um dia vai despertar um sentimento caro por si. Ou esteja o corpo necessitado do prazer experimentando o corpo de alguém que acredita estar no gozo a razão da sua existência. Sua libido deseja serenidade que se faça sem esforço, do contrário se sacia o desejo da vontade de encontrar resposta no outro, a morbidus avassala lhe trazendo o retornável desejo de saciá-lo novamente. Sendo assim, é sucessível ou nada além de uma experimentação continuada. Então Maria Silva, que mais quer além de suas palavras é encontrar contentamento dentro e não prelúdio que não se acaba.

Traz a música que representa seu destino e passado “Como Nossos Pais” um dia foram, interpretados ícones ou massas. Limitados de vertentes, que agora traga explicitamente pelas ruas do Rio de Janeiro de Jobim e Vinícius, por jovens meninos não sem juízo, mas contaminados pela liberdade que os aprisiona no olhar fatídico de Maria, que se pergunta diariamente o porquê, Maria? Por quê, Maria?

E sofrer a experimentação do corpo livre da conseqüência, ou com essa (conseqüência e/ou experimentação) implícita, guardada em qualquer lugar que não seja a mesma caixa onde está a frustração vivenciada por milhares, entre eles sua mãe, Maria?

É, Maria! Você caminha o olhar nessa lua que te banha, pensando um dia viver aquilo articulado por sua idéia, mas aí, será a prática a sua ideológica experiência? Talvez sim, se o tempo a congelar para que desfrute no seu tempo o que o seu corpo um dia permitira. E talvez não prevaleça, já que a oxidação física não tarda, nem a custa de medicina, tecnologia ou banho de cheiro nas minas do rejuvenescimento que no homem habita.

Só tenha momentos Maria. Só tenha momentos porque a vida assim se concretiza. E siga o vento, porque o Norte, o Sul, o Sudoeste e o Oeste trazem as boas novas para o seu complexo contentamento, que só trará o contento que vigia, quando você se permitir a qualquer prelúdio infundado, Maria.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Justificativas







Pelo vento que sopra, pelo tempo que passa, pelo ar que respira, pelo relógio que atrasa, pela marca que fica.
Pelo cheiro que exala, pelo beijo que cala, pela palavra não dita
Pela vontade de ser
Pelos conselhos que dão
Por querer ser melhor, duas vezes melhor
Por ser dez vezes pior de quem é duas vezes melhor
Por ser... nos outros
Por estar... nos outros
Por ver... nos outros [a culpa]

Oh, Zeus! Livrai-me das vítimas.
Oh, Zeus! Livrai-me das minhas culpas dos outros.

Queria por pelo menos uma vez ouvir a voz de um culpado
Ser um Ser que interfere
Ser o corte
Ser um no espaço de muitos,
Falar a voz de todos,
Chamar o nosso tempo de nosso
Atravessar muitos modos de existir
E ainda assim Ser Eu um Ser com minhas próprias culpas.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Prisão


Na calada da noite
Mentes vãs
Doses sutis de vozes
Apedrejam as minha idéias
Obsessiva com os erros
Na voz trêmula
Que sufocam a garganta
No fim da minha fala
Engasgada
Como um corte na veia
Para não pensar
Nas noites sombrias
Do desatato das amarras
Que enforcam
Ao pensar em ti

domingo, 18 de janeiro de 2009

(R)evolução

...Enquanto Adão e Eva faziam traquinagens pelados, Darwin empunhava evolucionismo...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Estalo

Açoites

e os maneja com a língua afoita

para sorver o gosto da vida que vaza

Mas não sangra a asa imaginária

Escalavra em seu ruflar

a aurora das palavras

no breu que insistes erigir por minha casa


Iriene Borges

Postagem referente ao dia 14. Por estar viajando e sem internet não pude postar. Minhas desculpas aos leitores e amigos

A Grande Cidade

Caminhando alguns passos mais, estacou diante da via. Sentou-se ao chão, olhando os veículos que corriam a sua frente. Cansara-se. Resolveu esperar algum pedestre, para pedir-lhe alguma coisa, mas quase não passavam pessoas ali. As que se aproximavam, quando não atravessavam a pista, davam-lhe um simples cumprimento, um “sinto muito”, um rosto virado, ou nada disso, quando passavam diante dele como se não existisse.
Parece que a vida terminara ali. Estava cansado. Percebeu um enorme caminhão descendo a ladeira, calculando que estaria ali, na sua frente, em 1 minuto: era a sua chance de se encontrar pessoalmente com o Senhor, mas..., desistiu da idéia, pois não tinha coragem e nem forças para levantar-se dali.
O caminhão passou velozmente, trazendo uma onda de vento que lhe trouxe um pouco de alívio, mesmo que momentâneo, ao calor. Pensou novamente em se levantar, mas desistiu, permanecendo sentado no chão, à espera de qualquer coisa.
Mal percebeu o Sol se pondo. Seus últimos raios iluminavam a cidade, enquanto os milhares de trabalhadores voltavam para casa, numa agitação e correria que ele nunca percebera antes. A multidão o distraiu durante bastante tempo, mas nas altas horas da noite, se viu só. Ao longe uma coruja voava, provavelmente caçando para os filhotes.
Tentou se lembrar dos pais, mas não conseguia. O pensamento lhe vinha desconexo: era talvez conseqüência da bebida. Ou da fome. Ou quem sabe, dessas duas únicas malignas companheiras que insistiam em fazer-lhe companhia já não sabia há quanto tempo.
E filhos? Tivera filhos? Conseguia se lembrar vagamente de algumas mulheres, mas não de crianças. Na verdade, nem seu nome sabia com certeza. Seria Tonho, Totonho, Toinho? Algumas pessoas já o chamaram desta forma. Outros já o tinham chamado de “Pé de cana”, mas achava que isso devia ser um apelido, coisa assim.
Após alguns minutos a coruja desaparece. Veio o silêncio. Sozinho na cidade, sem nome, sem história, sem futuro, abaixou a cabeça, e dormiu.
Acordou nos primeiros raios da manhã, com o burburinho da multidão. Viu os mesmo carros, as mesmas pessoas, os mesmo paletós passando diante de si, que continuava na mesma posição, na mesma agonia e com as mesmas roupas surradas da véspera, embora poucos se apercebessem disso.
Para se distrair, começou a prestar atenção na conversa das pessoas:
“... pelas pesquisas o governador se reelegeria... ”
“ ... e a festa da Carol, no sábado?... ”
“ ... tenho uma prova amanhã... ”
Governador? Festa? Prova? Não sabia o nome do governador, não ia a festas há muito tempo, mas, em questão de provas, era um profissional: poucas pessoas naquela cidade entendiam de provações como ele. Disso tinha certeza.
A sede e a fome começavam a castigar-lhe, no entanto, permanecia sentado. Na hora do almoço (dos outros), uma chuva implacável caiu sobre a cidade, lavando-lhe o corpo e matando-lhe a sede. Por volta das 4 horas, o Sol reapareceu, aquecendo seu corpo e animando-o novamente. Sentia mais uma vez esperança no mundo. Sentia-se bem. Porém, algumas horas depois, a fome voltava novamente. Mas como?? Ouvira numa dessas conversas dos pedestres que o Sol era a verdadeira fonte da vida... Porque continuava a sentir fome?
Pensou em sair dali a fim de procurar alguma coisa para comer, mas não tinha forças. Temia tentar se levantar e cair no chão. Já pensou se desmaiasse com a queda e as pessoas o levassem pro hospital? E se os médicos o julgassem morto? Não queria correr o risco de ser enterrado vivo.
Procurou alguma coisa na calçada, mas só enxergou algumas formigas, que, ora meu Deus, era um homem, não comeria formigas... mas...
Enfim, as formigas acabaram lhe saciando a fome. Mas só por alguns minutos.


A noite caiu novamente. Quando se viu mais uma vez sozinho, procurou a coruja, mas não a encontrou. Uma ligeira tontura o acometia. Pediria à coruja um pouco de alimento, mas ela não apareceu. Ninguém apareceu.
Abaixou a cabeça. Ninguém, no outro dia, veria as lágrimas no chão. Com a cabeça baixa, pensou em toda sua vida, em todas as imagens, pessoas e lugares por onde passara antes, até chegar ali, próximo a um viaduto, a poucos metros de uma via.
Dormiu. Dormiu pesadamente. Mas não acordou mais.


Seu corpo continuou na mesma posição, com a cabeça pendida entre os joelhos. As pessoas mal o percebiam. Permaneceu ali, estático, por um, dois, três dias. Seu corpo se desmanchava lentamente. A coruja, durante a noite, o visitava, mas só nos primeiros dias (os filhotes reclamaram a qualidade da carne). Após alguns dias, restaram-lhe somente os ossos.
O governador se reelegeu. E para comemorar resolveu construir alguns jardins pela cidade.
Os trabalhadores chegaram com um grande caminhão de terra para cobrir o terreno. Não se importaram com os ossos, provavelmente julgando que fossem de algum cachorro. Alguns reclamaram da limpeza pública. Por fim, cobriram toda a área, incluindo seus restos, com a terra, e, por cima, plantaram belas flores brancas, amarelas e vermelhas, que melhoraram o aspecto daquela área, como que sepultando de vez a decadência e a miséria que por ali rondava. Os jardins foram cercados, a fim de evitar que crianças de rua, cães e mendigos permanecessem ali, denegrindo o ambiente. Aliás, a cerca fora sugestão de alguns pedestres, incomodados com a presença constante de um mendigo semanas antes.
Pela primeira vez, Antonio de Melo Alencar estava protegido.


Mil anos se passaram. Arqueólogos, que talvez sejam no futuro a principal profissão, desenterram as ruínas da grande cidade. Encontram um dos principais viadutos e, próximos a ele, os restos mortais de um homem.
Retiraram aquelas verdadeiras relíquias com todo o cuidado. O que faziam ali, no centro da cidade, longe dos cemitérios?
Fizeram exames, estudos, análises, tantos que conseguiram descobrir até a posição em que o homem estava quando morreu.
E vieram filósofos, e sociólogos, e biólogos estudar-lhe os restos. Era a descoberta mais importante dos últimos tempos. A imprensa mundial acompanhava tudo, extasiada. Após alguns meses de exaustivos estudos e debates, os cientistas reuniram a imprensa, para transmitir ao mundo as conclusões sobre aquele importante achado.
— Temos a honra de poder satisfazer a curiosidade de todos à respeito dos ossos encontrados sozinhos no centro da grande cidade. Pelos nossos estudos e exames, chegamos a uma conclusão: este homem, encontrado sozinho nas ruínas, era provavelmente um grande líder, uma pessoa muito respeitada pela sociedade, pois primeiramente, morreu numa atitude de grande contemplação espiritual, e, por fim, em uma prova de grandioso respeito das pessoas que o cercavam, por sobre seu corpo foi construído um grande jardim, com belas flores brancas, amarelas, e vermelhas...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Meretriz em Núpcias


Com postura nada tímida
ela insistia
em olhares insinuantes,
que eu percebia
a cada alçar das pálpebras

Era mais baixa que eu
que me equilibrava em salto.
Ensaiava um ar submisso
que chegou como emboscada.

E isto ao invés de me fazer Golias,
me tecia átomo.

Ínfima!
Miseravelmente ínfima!

Quando eu sem pedir licença invadia
as luzes e seus lares
os carros e seus sonhos
os concretos e seus abstratos

Ela sedutora profissional
me flertava
me rondava
me pedia

Eu sabia de sua ausência de castidade
e de todos os seus amantes.

Meus pés fizeram-se nus
Num ímpeto,
minhas pernas se distanciaram
para tal senhora deslumbrante.

E eu amei São Paulo
com toda intensidade.


Barbara Leite

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Minha Terra!


À Majestosa cidade de minha Infância
.
.
Minha terra é feita de silêncio e pedras.
Escondida entre as montanhas
do Leste de Minas,
paisagem feita de florestas de Eucalipto
e lembranças de um teleférico
estampado na Bandeira...
.
Minha terra é assim
pequenina... Num Vale onde corre
o Rio Piracicaba
Acompanhado pela Estrada de Ferro
Vitória a Minas.
.
Minha terra é feita de silêncio e pedras,
“pedras no meio do caminho destas retinas fatigadas”,
Pedras que são silêncio e saudade...
E, o cheiro que aqui tanto me comove
é do vento que toca destas bandas.
A música que me embala
é das serestas que lá ouvi.
.
Tudo que tenho e faço
é herança do tempo que lá vivi.
Tempo de laranjeiras,
tempo de sentar na praça
a trocar um dedo de prosa
com os amigos.
Tempo de flertar,
atracar-se encostado aos muros,
lambendo as estrelas do Céu da boca.
.
Hoje, minha terra é uma quimera,
silenciosa como pedra
e a saudade se revela em imagens
nunca esquecidas!
.
Araxá – 30 de janeiro de 2007
Flávio Otávio Ferreira

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Enquanto sonhava maré acima

Não me importa o final dessa epopéia
eu gosto mesmo é de dessecar seu enredo.
Poesias são perfeitas antes de se despirem,
no papel também se desfazem fortes álibis.

Inevitavelmente me sinto amadurecido.
A rememorar passagens outrora doloridas,
mais palavras num ponto e menos mãos noutro,
aprende-se a relevar, perdoar e não sofrer.

O bom envelhecer carrega consigo certa paz.
A brisa, meu avô na rede, o tempo a passar,
oportuna chance de olhar por entre as telhas.

Acomete-me a morada em palafitas num passado,
no seu ranger, não me conforta profetizar
que a casa amarela e o amor têm seu tempo.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Caiba-me

Caiba-me, destino
Que te sinto
nas entranhas
das curvas suaves
do meu desatino

Caiba-me, Universo
Que te vejo
nas paredes pintadas
anarquizadas pelos dedos tortos
dos deuses que sopram
em todas esquinas

vão seria
meu desassossego
se a sorte ouvisse
meu gemido

e uma ânsia
palpita em meu peito
por ter o sopro do mundo
na redoma
do meu olho esquerdo

CAROLINE SCHNEIDER

sábado, 3 de janeiro de 2009

Fluído Dia

Por hoje eu vou deixar (...)

I

Sem revolucionar meu universo
nem recitar aquele uno-verso
retiro a interrogação das frases
feitas no cio da boca ansiosa
que hoje fica apenas ociosa

(Como grita Mundico...)
O que se torna passado vira eterno
E o presente é um passado mosaico inevitável
Então o futuro é senhor do nosso interno
Esperanças, anseios e tudo que for mutável

E hoje meu pensar deixa tal senhor quieto
para a alma sair da enfermaria,
a mente aproveitar mais as coisas do dia
e a sombra só ser onde a luz não ilumina
não uma lembrança do homem que já existira

II

Internas sombras e almas
tão dependentes e tão antagônicas...
sem alma a sombra é estática
alma sem sombra é corpo sem luz!

III

Nessa encomenda sem direito a pedido,
nesse caminho feito e entregue pelo Destino,
sendo-me imposto pela goela a baixo,
eu, destinatário insatisfeito,
vou onde esse remetente intrometido
nunca poderia ter previsto
e muito menos entendido!


VI (I + II + III)

(então eu é que entendi)
Para sentir o fluído do dia
preciso deixá-lo fluir em si
ou em dó, ré, mi, fá,
ou em sol de cada manhã, ou em lá
onde o destino não previu!
Fazendo suspiros sustenidos
e entrando nuns becos bemóis
numa música composta no escuro
desse senhor, o nosso futuro.

Augusto Sapienza

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Poema de Cama

Respiro teu perfume
em meus dedos de seda
Me alimento do teu gosto
em meus lábios crispados

Na fina pele
percebo teus gemidos
Na ponta da língua
me abasteço
de você

E o poema nasce assim,
órfão de sentidos
repleto de ti

Se esparrama
como sêmen
sobre a pele incauta

Ocupa o espaço
onde, antes,
nada.


Poema de Cama não integra o livro Outros Sentidos, que lancei em junho passado.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

boneca de trapo

boneca de trapo

pode-se ver
que é feita de farrapos
e recheadas de teorias
filosofias alheias
e ensaios inacabados

tem pouco tato
dedos grudados
numa só costura
sem divisão

traz olhos de vidro
que pouco ou nada veem
pensamentos embuchados
numa mente de algodão

não ouve bem
fala menos ainda
a boca é um misto
de Marylin Monroe
Edie Sedgwick

na imaginação infantil
brinquedo divertido
na verdade adulta
voraz carranca

a realidade e ficção
são uma só boneca de trapo
porta sem tranca
vista de lados opostos
por ignorantes sem visão.