sábado, 30 de julho de 2011

VIDA INTEIRA

VIDA INTEIRA

Os livros acontecem, fazem-se. Na verdade, fazem-nos, dão sentido e realidade a uma realidade, com a realidade que são. Sendo realidade, eles são o real captado pela obra. Vou comparar a uma foto, são como uma foto, registam um momento. Podem faze-lo com grande tempo de exposição, a “vida inteira” do artista se for o caso.
Este seria o prefácio a “VIDA INTEIRA”, com a particularidade do livro acabar no Prefácio. Isto torna o livro um conto micro ou mini, um nico, um mico…
Lembro-me do dia 30, faço meu 3º testamento, um testemunho de estar vivo e não ter esquecido!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

da ausência...

aqui a
palavra fora do tempo
tempo de 27 luas
na próxima lua do 27
voltarei
com a poética
prometo.
minhas desculpas e
carinho.

    • Graça Carpes

fim de caso


Abandonei a musa manca
Atolada no meu palavrório chocho
Pobre dama imortal!

Cortamos relações

Vagamos então
Fingindo não nos ver nesse charco
Ignoramos as nuvens
Mesmo quando chovem corações

Tortos
Acéfalos
Natimortos

Minha deusa manca afunda
Cria oratórios na lama
Brinca de Ofélia
Distraída e louca
Canta versos indecentes
Todos bárbaros!

Cortamos relações!

Não nos beijamos mais
Somos agora torturadas charlatãs
Comportadas santas
Mãos sobre o colo
Cruzamos as pernas bentas
Em mudas zangas

domingo, 24 de julho de 2011

A Dança das Nove

Musas dançam com Apolo (Baldassare Peruzzi)



Compreenderia se me dissessem que por ti
homens e mulheres secaram seus American Express:
que os sentimentais se internaram no Prozac,
mergulharam na cachaça
e acabaram por se identificar
com os personagens das músicas bregas,
com os suicidas frustrados
e os figurões às portas da falência.

Aceitaria como verídico se me contassem que por ti
jovens se masturbaram no banheiro do colégio,
esquecidos do medo das mãos ficarem cabeludas,
das espinhas abundarem,
do pau entortar noventa graus.

Eu creria se me dissessem que outros,
os de alma mística
(na veia correndo alguma coisa andina, ou céltica),
foram desesperados aos lupanares,
recorreram à nave central das igrejas
e terminaram encontrando um resquício de ti
na fumaça da maconha, nas mesas de oija,
nos terreiros de candomblé.

Eu relevaria se afirmassem que Balzac & Nabukov
foram visionários que a profetizaram:
quealgo seu, talvez os olhos,
talvez a alma, na arte de Botticelli;
que poetas menores a vislumbraram
mas incapazes de compreendê-la
terminaram escrevendo
Sonetos Bucólicos à Virgem

Acataria de bom grado se narrassem em poesia
a saga de homens lacerados
que por ti recorreram ao Merthiolate, à Aspirina,
e sem esperança se entregaram aos divãs,
à loucura mansa dos que cochicham com as sombras
ou se desnudam na rua.

Jamais duvidaria se me contassem
que uns fizeram de seu nome um mantra,
outros um hino e os exaltados um caminho.
Não duvidaria nunca!

Ó musa, como eu não te amo




sexta-feira, 22 de julho de 2011

Soneto da Madrugada

É madrugada,
e amanhã se avizinha
as luzes se acedem
e ela ainda está sozinha

Não tinha nada de linda
nem nada de simpática
mas após muita bebida
ele já sabia a tática

Com passos decisivos
com coragem no coração
e muita determinação

Tomou-a em seus braços
e pôs fim a seus desesperados
5 anos de solidão

terça-feira, 19 de julho de 2011

das coisas mal resolvidas

-o que você quer?
-como assim?
-cada dia você quer uma coisa diferente...
-você prometeu estar presente sempre!
-oras, como eu posso saber, se você não me fala!
-você não percebe?
-eu sou menos presente só porque perguntei?
-vc nem enxerga que eu existo.
-vai começar? chega né? cansei, já está na minha hora, preciso sair.

saí da frente do espelho e fui trabalhar.

(texto escrito a quatro patas, com Paco e Luiza Franco)

sábado, 16 de julho de 2011

Ápice da carreira

Era o ápice da carreira.

Finalmente, fora trancado em uma cela individual na penitenciária de segurança máxima.

Teria, à partir dali, o que ninguém conseguira oferecer-lhe:







Limites.









Obs: foto da Wikipédia

quarta-feira, 13 de julho de 2011

citações inventadas (3)

Montagem: J.R. Lima

"Quem não acredita no meu Deus, do meu jeito, que vá pro inferno!"


Fique esta frase atribuída (de forma propositadamente arbitrária e possivelmente injusta) a Tomás de Torquemada, inquisidor geral que ajudou (ou empurrou) mais de 2000 pessoas a deixar este mundo através de dor extrema. Talvez, por caridade, estivesse mesmo tentando fazer com que elas preferissem o inferno que, segundo ele, mereciam.


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Publicado originalmente  nos Minimínimos

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sinais


Dificilmente saía de casa. Além disso, nenhuma pecu­liaridade daquela tarde quente dava o mínimo sinal de que o dia seria uma exceção. Do sofá da sala de visitas, local onde costumamos receber a pequena parcela do mundo com a qual nos relacionamos, apenas observava o formato das nuvens e os diferentes tons de azul e cinza, além do branco.
— É claro!
Exclamou em voz alta, irrompendo o silêncio que ha­via tomado a sala. Sentiu o leve incômodo que nos persegue quando ainda não sabemos que ninguém é normal. Seguiu-se ao incômodo um diálogo mental no qual prometeu a si mes­mo que nunca mais falaria a sós. No final do mesmo diálogo, que por pouco não virou discussão, já duvidou que conse­guisse cumprir a promessa.
A frase que irrompeu o silêncio da sala pareceu ter acor­dado a cidade. Então o alarme de algum carro ou casa, sem cerimônias, entrou pela janela e veio sentar-se ao seu lado no sofá. O alarme tocando e o mal-estar iniciando-se. Começou a pensar que havia algo de errado, não sabia o que, mas algo o incomodava. Algo estava errado. Imaginou que devia ser dentro de seu corpo, sabia que devia se cuidar melhor, e lem­brou-se da avó dizendo que tudo que fazemos com o corpo é cobrado depois. Foi até a estante e agarrou seu livro sobre me­dicina básica, mas de nada adiantou, porque não sabia nem ao certo o que incomodava, se era dor de cabeça, no estômago, ânsia de vômito ou dor no peito, não tinha nenhuma certeza além do mal-estar. A este ponto estava difícil respirar, a testa suava frio, as mãos se cruzavam e passavam constantemente pelos cabelos, da testa até a nuca, enquanto os dentes se com­primiam como se disputassem o espaço dentro da boca.
Os primeiros ônibus e carros começaram a circular pelas ruas e o barulho emitido por eles parecia rasgar a pele daquele corpo tenso, que nesse momento encolhia-se em um canto do sofá enquanto o alarme continuava a tocar. As mãos cobriam-lhe os ouvidos, mas os visitantes indesejados gritavam rente à sua face. Buzinas, freadas, batidas, tiros, o som do vizinho de cima e a televisão do de baixo, o canto estúpido do vizinho ao lado no chuveiro enquanto os filhos dele jogam o videogame no último volume, o caminhão do lixo, o carro da polícia, a am­bulância, o profeta do apocalipse, as crianças do coral natalino.
Em meio ao caos interno, o telefone tocando. Sempre é alguém querendo vender algo, sempre querem algo em troca por simples palavras. O telefone tocou, tremeu e implorou até cansar. Mas uma hora ele parou. Já era tarde, as visitas viram que era hora de ir embora, o silêncio tomou conta novamente. O corpo, antes encolhido, estirava-se pelo sofá, respirando com alívio e sem a tensão que se imprimira pelas horas que antece­deram este momento. Agora a sós, pensou naquela tarde e, já esquecendo da promessa, disse a si mesmo:
— Esse mundo aqui dentro está muito perigoso. Amanhã eu prometo que vou passar o dia na praça.
Ninguém respondeu. Mas, mesmo assim, dava para notar no rosto a descrença com a nova promessa.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A poesia vem de dentro


Estou procurando 

A poesia vem de dentro
meia verdade
ela está lá fora
na beleza da favela
na monstruosidade da cidade
presente na água límpida
das torneiras
no rio seco e sujo
nosso leito
que nos permeia
sinto-a no olhar
terno do asilo
procuro-a e não encontro
no sorriso do vizinho
fugidia e bela
leio-a nas rugas
das lavadeiras
busco resquícios
em peles de seda
brilha e ofusca
onde menos esperam
esconde-se e chora
onde mais a quero
Poderia o mundo
viver sem poesia?
É possível
mas haveria apenas
tristeza
como estivesse a ver
um palhaço
que nunca ri

Joakim Antonio

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Espelho

Depois de chorarem juntos,
sorriu para o sorriso dela.
A cumplicidade os tornava idênticos,
ela canhota, ele destro.

Isaac Ruy

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Uma tentativa poética***

A poesia se move silenciosa
No interior das coisas
Como serpente à espreita
Espera o tempo exato
Num bote certeiro
Mordendo as palavras
Arrastadas ao ninho
Úmido e fecundo
De pensamentos indomáveis

A poesia é como o urro da fera
Na noite escura
Cerceia a presa, se impõe
Enclausura o verso
Em cadeias extensas
Devora, domina, suprime
Significados

A poesia arrasta em sua onda
O poeta –
Que anda em sonhos, em círculos,
Em sendas – perdido.

Como gato acuado
Ela salta, cai de pé,
Se equilibra nos telhados,
Sob a luz da lua
Uiva ociosa no cio.

Impúbere debutante
Em sonhos de ontem.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Aquarela

Fumei meus sonhos
E mais nada é realidade
Perdido na cidade
De concreto e pó
Mais um trago, eu proponho,
Hora do colapso nervoso
Da overdose de medo
Da síndrome vexatória
E antes que me disponha
Sejamos livres para morrer
E seguir pela estrada amarela
De uma linda aquarela
Repleta de tons
E se a morte não for o caminho
Que ainda sim tenha seu carinho
Na mesma estrada amarela
Daquela mesma aquarela
Repleta de tons.