domingo, 30 de setembro de 2012

TESTAMENTOS (C)

VERTICAL III

cresço o desvario
nunca avario
a loucura

é loura
beldade nua

crua coroa de prazer

C

TESTAMENTO I, II, III

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Solução

 
 
fale com o moço de terno
aquele rapaz ali
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sonho

 
 
 
 
 
 
 
e se fôssemos assim todos
repletos de
ar
feito balão sem corda
entre as nuvens do
céu
sobre as águas do
 mar
?
flutuar
 .
 .
 .
 flutuar
 
 
              - Graça Carpes -

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Amargo como a morte


Mal tinha percebido que o dia começara, quando sua boca foi inundada pelo líquido amargo. Desceu rasgando por sua garganta, levando o incêndio para sua barriga. Estremeceu, revirou o rosto e, com um “argh”, seguiu em frente.

O chá de boldo é recomendado para problemas estomacais e no fígado. Ele o tomava por precaução. Para se preparar para o pior. Pois, independente do que seu dia aguardasse, não poderia ser pior.

Só a morte. Talvez.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Capa do livro Elefante (Editora: Coletivo Anfisbena, 2012)



Quebra-cabeça

1
Com Super Bonder®
por de pé o esqueleto da ave:
ofício repleto de ócio –
horas sobre ossos ocos
roídos por secreta mágoa

(o ar e o uso)

Silêncio do bico desgastado pelo canto
O formol roubou o brilho das penas
Largo gesto de asas, premeditado
O olho olha a parede e não vê

Mente quem diz: parece vivo


2
Palavra por palavra
para por de pé o poema:
bateia roendo o leito do rio

(o anel & o piercing
– de amores extintos –
resgatados para brilharem
   – again and again –
sobre uma luz cada vez mais fraca)

Palavra por palavra
para por de pé o poema:
broca em busca da cárie

3
Nada de novo no front
as palavras de sempre
sobre nova maquiagem

como mulher de revista pornô
: punheta para photoshop

Nada de novo no front
o poeta se gabando por
descobrir terra já cartografada –

habitada por centenas
milhares de babacas

domingo, 23 de setembro de 2012

Para sempre

foto: Snap That  

Ela pediu: Você espera por mim? Sempre?
Ele disse: Sim.
E então ela percebeu o absurdo dessa promessa.
Não há o que esperar, 
o sempre é agora.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Imagem Semelhança?



(pais e filhos)

Quando criança
Na ciranda de roda
Mamãe ralhava comigo
- Boneca não é brinquedo de homem!

Papai em seus ombros largos
Braços longos
Dedos fortes
Coxas grossas
Ventre cedido
Barriga disposta
Cabeça ereta e altivo
Nada se parecia comigo
Sequer aquela mulher furtiva

- Menino olhe para frente
Joãozinho não mostre o umbigo
Porte-se direito
Não curve as costas
Não mostre o dedo
Saliente o peito
Diminua o riso
Não perca a hora
Desfaça o joelho
Engrosse a fala
Ande com calma
Modos de mocinho

Automatizo meus atos
Inclinado a não querer
Decidindo o já disposto
Proeminente a contendas
Disritmizo o meu gozo
Automatismo dos hábitos:
- Não soo avant-garde por querer!


Poema de Túlio Henrique Pereira publicado originalmente no livro Antologia Amante das Leituras 2010 - Coimbra, coordenado por Ana Maria Gomes e Júlio A. B. Fernandes

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

minha vizinha pop star


queria ser magra, rica e famosa

tomou todo o laxante da gaveta
roubou a loja da esquina
e ficou na chuva
fazendo pose

para os raios que piscavam no céu

terça-feira, 18 de setembro de 2012

pássaro de cravo


Maggie Taylor


o que é imediato à carne pulsa
o que é eterno ao espírito atormenta

pensamento alheio a visão
sopro de sentido
escrito na mão do tempo

                 Flávia Amaro

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Atração Circense


 

Fossem malabares
dançaria faixas alternadas

grafismo menina multicor

a pipanoar pelos ares

deboche de meias listradas

faísca frufru sapatilha

Só ilha de vida no asfalto

Fosse do alto
desceria em feixes

desfiaria em panos

a apologia do deslize

e da perícia

que dissimula o esforço

e fixa a beleza fugidia

até no escorço improvável


Fosse calibrável
o senso por um fio

na trama dos olhares

que pleiteiam o mergulho

secando a linha reta

deixaria a perna bamba

de tanta corda e tanto fôlego

a desfiar a malha



Se não me falha

a percepção desgastada

existem outras modalidades

Não nomeio as peripécias todas

que mantém o espetáculo

de viver no encalço

do auge e da surpresa

 

Só tenho a certeza
de me chacoalhar

a vibração sonora

dum festival de risos

enquanto equilibro

na graça dos mímicos

meu nariz ridículo

híbrido palhaço

sobre o monociclo

a gritar com as mãos

a tragicomédia

dos amores vãos

Lábios encerados
num esgar carmim

cedem a palavra

aos movimentos táticos

que calam bem fundo

a malfadada sina de ser arlequim

quando já fomos mágicos


Iriene Borges

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Fazendo as pazes

Às vezes tenho lá meus desentendimentos com o mundo. Ficamos brigados, ambos emburrados e em silêncio. Ontem mesmo tivemos uma briga feia; O mundo pode ser bem cruel de vez em quando.

Mas ao final da tarde, uma borboleta pousou ao meu lado na rede. Chegou, me olhou e ali ficou, batendo asas como se dançasse. Aceitei as desculpas imediatamente, sem pensar duas vezes.








texto do livro Colcha de Retalhos

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Viagem sem volta


Diziam que viraria purpurina,
desacreditavam e torciam narizes,
por cantar aos quatro ventos,
que seu mundo era mágico.

Sempre retrucava dizendo,
que um dia ainda voaria
para ver o pôr-do-sol,
e achavam muito estranho.

Lhe negaram empregos,
escorraçaram de casa,
revelaram segredos
e queimaram sua tralhas.

Tentou viver escondido,
realidade da noite,
terno azul da tarde,
personagem do dia.

Melhorou a vida
dele e da família,
mas infelizmente,
continuava proibido.

Taxado, humilhado,
foi atocaiado e pego,
voltando para casa,
completamente nu.

Uma semana depois,
com o rosto desfigurado,
olhou no espelho e disse:
Adeus Alice, e pairou no ar.

Joakim Antonio



Imagem: Red shoes and Two feet by GeorgeSevendogs

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Tudo mantinha o mesmo cheiro fétido de ontem e anteontem.

uma lagarta que desistira de ser borboleta definhava no centro da sala.

vespas sugavam o chorume daquilo que já deveria ter acabado.

A casa apodrecia.

E ecoava um silêncio surdo de ausência
e o ensurdecedor barulho das correntes.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Influente

O mendigo, folheando o jornal, que lhe serviria de coberta, viu uma notícia anunciando que a obra "A fonte", de Marcel Duchamp, fora escolhida como a arte moderna mais influente da história.
Perguntou a uma mulher de óculos, sentada no ponto de ônibus, com cara de professora, o que significava "influente". Ela não soube explicar, ou não quis, mas o menino, que estava ao seu lado, retirou um enorme livro da mochila e leu em voz alta, para que ele escutasse. "Influente: que influi; que tem autoridade, prestígio; que exerce influência sobre os demais".
O mendigo voltou para o banco e, depois de muito observar a imagem do "mictório assinado", que ilustrava a reportagem, levantou-se e começou uma caminhada com passos firmes e destino certo.
Influenciado pela obra, pretendia assinar todos os mictórios e vasos sanitários do banheiro público da praça.
No caminho, já imaginava a quantos não "influenciaria" com aquele gesto simples, mas artístico, de assinar o local onde os homens urinam. Teria, desse modo, "prestígio, autoridade".
Chegando ao banheiro, notou que já havia assinaturas por todo lado: paredes, portas, chão, teto e até no espelho quebrado. De fato, não havia nenhuma assinatura nos mictórios, mas naquele momento lhe pareceu tão menor, insignificante e tolo assinar naquele lugar, que se escondeu em uma das cabines e ficou ali, cabeça baixa e em silêncio, sentindo-se envergonhado a pensar que aquele era, de fato, o lugar mais apropriado para que assinasse.
Levantando-se para sair, observou a quantidade de desenhos e frases escritas na porta. Seria aquilo arte também? Provavelmente sim. Ao menos parecia ter dado mais trabalho e ser mais artístico que a assinatura no mictório.
Questionou-se, refletiu e, depois de muito ler e observar a arte que o encarava, sentou-se e, “influenciado” pelas pornografias descritas e ilustradas na porta, masturbou-se ali mesmo.
Saiu do banheiro, voltou para a praça, jogou a página da reportagem no lixo, se cobriu com o restante do jornal e, feliz, refletiu que, de fato, ele existia apenas para ser influenciado, não para influenciar ninguém.


sábado, 1 de setembro de 2012

descrédito visionário




antes fosse cego
penetrar além da visão
descaminhar pelos banheiros públicos
sentir-se a latrina descontaminada

ser aquele que perambula
de um pólo a outro
na cegueira por excesso
ou por falta de luz

ser aquele que desarma
a alegoria dos fatos
sem decifrar criptogramas
ou desnudar o dito perfeito

antes fosse ele mesmo
um desatrelado social
que se orgulhasse apenas
de sua tagarelice infeliz.