domingo, 27 de fevereiro de 2011

Cabeça e Corpo














a cabeça comanda

o

corpo

por isso

o rígido e

o

solto

que

livre dança

e

avança

o

outro um

morto

(

viva

!

)




- Graça Carpes -

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A cela

Um dia o jornal da capital publicou uma matéria
dizendo que esse lugar em que crescemos brincando,
essas grotas, esses montes enormes
eles chamaram de montanhas – eram lindos.

Nós passamos, desde então, a acreditar nisso.

E tudo no mundo passou a ser
o que os nossos olhos viam.

 


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Mundo pequeno

imagem: ssilence

Então, não precisava de muito. Descobriu-se à deriva, à toa, enfim despida de sentimentos e dores. Só almejava que mais um dia terminasse. E correu e sorriu sem saber o motivo. Quis subir e descer escadas repetidamente sem parar para respirar. Viu-se numa esquina, alguns diriam que seria um impasse, mas ela não deu nome àquilo, nem tampouco se importou em explicar o que fazia ali. Sentia-se sufocada por seus cinco sentidos que não a deixavam em paz para encontrar as respostas. Não se lembrava das perguntas, mas quem se importava com isso? O mundo era grande demais para parar ali. Sensações que transbordavam de dentro do seu peito, como um mar revolto, um mar sem fim. Com emoções tão complexas sentiu-se plena. Poderia rabiscar algo, então buscou o velho diário, há tanto abandonado, e passou a contar-lhe aquela história que brotava de seus dedos trêmulos, aparentemente sem nenhum motivo, mas que ela sabia que tinha razão de ser. E ela queria que fosse real, ela queria contar, mas em voz baixa, só para o diário ouvir, contar que a história não era inventada, nem mesmo copiada de algum livro clássico, ou de algum filme água com açúcar que estava em cartaz. Queria segurar as mãos, abraçar, tocar, envolver. Era um dia frio demais, e não encontrou saída se não escrever, para registrar o fim de tudo que a motivou a chegar até aquele momento. Sorriu timidamente para a folha amarelada do diário, que permanecia mudo e inerte em suas mãos. Ambos tão teimosos! Despediram-se tantas vezes, e sempre voltavam, sem receio de não serem aceitos. Voltavam para o lugar que lhes apaziguava a alma, aquele mesmo canto vazio e acolhedor. Ela sabia que não precisava de muito, já que o diário sabia de tudo antes mesmo que ela escrevesse. Em momentos de loucura criara seus melhores personagens. E uma vez ouvira uma especialista dizer que “os artistas são seres diferenciados, que veem o mundo por uma ótica diferente das demais pessoas”. Ela também era assim, diferente, excêntrica. Não se encaixava, e para se sentir melhor, criava. Quando ela sentia a arritmia chegando, sabia o que tinha que fazer, e pagava a caneta, qualquer pedaço de papel que tivesse à vista e voava... criava asas... não era mais ela, não estava mais ali. Onde poderia estar? Em qualquer lugar do mundo ou do universo. Bastava abrir os olhos. Sonhos só precisavam de um empurrão para ser. E ela sabia que, lançando-os nas páginas do diário, eles tomariam seu próprio rumo. Enquanto não os colocava para fora, sentia a garganta secar e o ar rarear. Era libertador tirar de dentro de sua cabeça essas vidas que não queriam mais ser suas. Queriam viver além, e viveriam, pois ela os libertaria. Bateria de porta em porta para dar a cada um a vida que mereciam ter. E após tomarem vida na ponta de sua caneta, seriam existências independentes, e ela não poderia mais acompanhá-los para sempre... seria apenas mais uma assistente, telespectadora dos personagens que um dia habitaram sua imaginação. Eram deuses e demônios, exorcizavam e legitimavam seus pesares, suas alegrias e desgostos, cansados de viver naquele aquário, naquele mundo pequeno que se tornaram as folhas do diário, que antes, em branco, representavam um mundo sem fim, e agora, limitadas pelas linhas já preenchidas, não deixavam mais espaço para inventar vidas, nem criar sonhos malucos, ou pesadelos coloridos. Criaturas que tinha seus próprios amores e suas dores. Estranhos e loucos, lindos, enormes em sua pequenez. Delicados como o movimento das asas da borboleta e absolutos como a força do vendaval. Queriam doses homeopáticas de vidas, ainda que alheias, mas queriam viver, não pediam nada, mas sabiamque seriam importantes para alguém. É o destino, enfim. São gotas do oceano, são um dia na vida de alguém, um descontentamento. Personagem que vai, não volta, ela bem sabia disso, também sabia que contar histórias é quase como contar vidas, e que a certa altura, uma se funde com a outra e não há mais como voltar atrás. Agora que já não precisava de nada, as ideias fluíam para as folhas do diário empoeirado, tão fiel, e tão calado. Quando escrevia, ficava absorta e tomada por suas ilusões, alimentando seu desejo de criar e eliminar pessoas/personagens que lhe tapassem o buraco da alma, ou histórias que amenizassem a dor na ferida que nunca sarava. Cicatrizes que a traziam de volta à realidade. Realidade da qual ela fugia constantemente, para o bem de todos, e para o seu próprio.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

É isto!


Me cansei dos poemas que falam do amor
Do amor do cantador
Do amor de quem não amou
Do amor que alguém inventou
Por isto não quero mais falar disto

Não quero mais ler
Que o amor que fulano sentia
a beltrano não satisfazia
e que tudo acabou numa tarde vazia
e fria.

Não quero mais saber
Do amor eternizado
de Camões, de Vinícius
ou de outro apaixonado

Não quero mais ouvir
As músicas que falam do amor idealizado
Ou do desamor recém criado

Não quero mais escrever
as tristes rimas de dor com amor
ou as alegrias de um namorado
que se declara apaixonado

Não quero aqueles versos singelos
dedicados, limpos... Tão belos.
Não quero o sorriso da morena
nem da loira, nem da minha pequena.
(Não se vierem dos poemas)

Quero apenas sentir o gosto da vida
Sem rimas ou poesias.
Quero sentir o amor,
Mas não o que alguém criou,
definiu e divulgou.

Quero o amor como coisa simples,
como café da tarde
feito com suco de limão e biscoito água e sal.
Tudo muito simples, muito natural.
Este é o amor que eu quero.
Mas quero com uma condição,
Que venha depois do Carnaval!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

"En écoutant la pluie"


1,65, ele disse. Altura é problema pra você? Não. É só uma questão de escolher sapato, do tamanho do salto, do alto dos seus 1,76, ela respondeu. Um pequeníssimo silêncio se seguiu. Ele às voltas com sua altura real. Ela a pensar que casal estranho formariam. Se bem que em tempos de Carla Bruni e Sarkozy, altura era o de menos. Nua, diante do espelho, ela riu. Então, amanhã às seis? ele perguntou. Amanhã às seis. Quando o amanhã chegou, chovia a cântaros. Às seis, tudo era enxurrada. E ela, que tanto desejara aquele encontro, esquecendo Carla Bruni e Sarkozy, ligou o computador, abriu um vinho e preferiu ficar em casa.



Márcia Maia

sábado, 19 de fevereiro de 2011

das coisas repetidas

-o que a gente faz quando percebe que a pessoa que a gente ama está nos esquecendo?
-some.
-mas aí ele me esquece de vez.
-juro. o melhor que pode fazer agora, é sumir.
-mas e o que eu sinto?
-como se você nunca tivesse sofrido por alguém, né querida. some.

e ela sumiu. e ele veio me procurar irritado, perguntando o que tinha acontecido, que só podia ter sido coisa minha.

-não querido, ela nem falou comigo, simplesmente sumiu. por que essa pergunta? você mesmo me disse que estava enjoado dela.

no que eu vi a centelha sacana da paixão brotar nos olhos do mancebo.

ai que chato, que os séculos passam e os homens continuam tão iguais.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Homem Árvore

Corpulento e magnífico
conífero
derrubado sobre mim,
pobre gramínea!

Com voz de carvalho
- grave e inclemente -
ele ordena:

- Prova-me, erva daninha,
que te orvalho!

Estranho sabor
tem seu falo:
sequóia milenar.

Gosto araucário de terra,
raiz tuberosa.

Não sei se o quero:

Sou frágil
como uma rosa!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Minimalismo



Papelão sobre tela

jornal sobre calçada


Muito pouco

sobre quase nada


A dura arte de sobreviver

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Coração de pano



Coração de pano remendado com momentos
costurado com lágrimas de arrependimento
mesmo assim aconchegante, quente, seguro
seja ele de algodão, seda ou veludo

Coração de pano costurado no escuro
nos momentos de solidão às escondidas
reforçado com linhas de novo destino
voltou a bater forte igual de menino

Coração de pano acordado a altas horas
nas redes virtuais pelo mundo afora
já é quase uma hora, e ele insone
continua bordando em seu centro

Sempre o mesmo nome!

Joakim Antonio

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Para uma cidadezinha qualquer



Pequeno mimo a perder-se ao longe
                                              [nas Gerais
Em furtivos fatos de antanho se via
A mocidade anêmica e trivial fobia
A expandir-se a sombra do horizonte
                                                   [extremo
Oh, diminuto espaço, protuberância
 se cravar nos montes – com que ânsia
Almejas alcançar os céus?
A qual sorte de ventos
Deixaste o teu triunfo crendo a vida
Imenso carrossel?
Oh, pobre menina, por que deixaste
                                               [a trança
Envolvendo-se em longos dramas
Sem exercer nenhum papel?
Coadjuvante de um filme sem regras
Suas noites são matizes de carolas
                                             [que rezam.
E tu, pequenina, dormes.
Inocente e febril em desejos recalcados
que ninguém vê.
Pobre cidadezinha distante
que agora como antes
em gemidos reprimidos segue a desfalecer.
Descanse em paz cidadezinha 
Sob os escombros da modernidade
Mergulha no caos – deserto dissonante –
Em lupanares de excentricidades.

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***não consta autor do quadro no site:  http://www.dreamaid.com/viewProductAction.do?id=937

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quem pagasse

Acontece que a vida
não pode dar prejuízo
maior que uma dor de dente

Além de agüentar tirano,
de ter que extrair o ciso,
seu amor, que te ignora,
do medo, que desde agora
frustra todo e qualquer plano,
não pode dar prejuízo!

São clamores imprecisos,
a vida vem de presente!
Se bem que em contrapartida
nos abre alguma ferida,
não pode dar prejuízo
maior que uma dor de dente!

A vida, doida varrida,
depois de tudo perdido,
sossego, grana e seu dente,
tudo insano e tudo urgente
não será, ainda, a vida,
pior que uma dor de ouvido!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

a solidão não me aflige mais

esse estágio passageiro
de quando não me basto
vasto à sangria das horas fúteis
entregue à loucura do tempo

vivi o aconchego do estrangeiro
que se entrega ao banho amoroso
de um estar novo e febril
desenhei seus olhos famintos
e deleitei-me em elogios ao profano

mas ao me perceber só diante de mim
desisti da utopia do querer
não há dor maior que o amor
que nasce, goza e morre só
nuvem torpe que cega e chove

a vida me aflige mais
tormento constante de ser
mais um derrotado e ignorante
que crê firme na vitória com luta
e devota-se à paixão insana.