terça-feira, 27 de novembro de 2007
O Barbeiro de Washington
À paralisia do corpo seguiu-se a queda da mandíbula inferior, o arregalamento dos olhos, o eriçamento dos pêlos, a gelidez da espinha. Aqueles três algarismos idênticos, tatuados em negro no alto da cabeça do auto-nomeado Dono do Mundo, eram a prova cabal de que o profeta mórmon estava certo: 999. Estava atrás da Besta. Estava diante da Besta. Cortava os cabelos da Besta. Sabia o que tinha de fazer, preparara-se durante anos para esse momento. Respirou fundo, ergueu a tesoura e... viu a menina! Parada à porta do salão, de vestido florido, tez muito branca, parecia um anjo, iluminada pelos raios de sol que atravessavam a clarabóia. Com as mãos no rosto, a menina chorava. Edward hesitou, abaixou o braço, largou a tesoura. O impacto do projétil em suas costas lançou seu corpo de encontro ao espaldar da cadeira. Caiu ao solo. Agonizante, sentindo o gosto acre de sangue, contemplou o rosto hediondo da menina: um demônio. Um súcubo. Edward fora enganado pelo ardil demoníaco. Antes do derradeiro suspiro, balbuciou:
- Pai, perdoa-me porque falhei.
O presidente chamou seus serviçais.
- Limpem essa sujeira. Faltam poucas horas para a Festa de Ação de Graças. Osama virá. Papai também. Vamos! Ao trabalho, cambada de inúteis!
Carlos Cruz - 27/11/2007
sábado, 24 de novembro de 2007
Considerações a respeito de um homem nu, em 1926
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Sobre Meninas
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
TROPA DA ELITE
Ingênuos que lêem Foucault
Heróis que empalam garotos
Toda ajuda é hipócrita
Tortura é a solução
Morte à alteridade
Aplausos histéricos à autoridade
Dos caminhos o mais curto,
o mais fácil.
Fácil?
Desde que não atrapalhe o trânsito
e que não manche de sangue
os nossos sapatos, calçadas e filhos.
E desde que não perturbe nossas refeições.
Não nos embrulhe os estômagos
com a desagradável visão desses
pretos,
pobres,
sujos e maus
garotos estraçalhados.
Quem somos nós?
Pretensa elite que goza o mundo
e que cheia de medo
assina cheques, contratos e penas.
Elite que, cheia de dentes, berra:
Paz!
Justiça!
Honra!
Basta!
Basta de tiros em nossos quintais,
de mendigos em nossas calçadas,
de malabaristas em nossas esquinas.
Paz
no asfalto
na escola
no shopping.
Paz, no morro, engatilhada
Cano ainda quente
sujo de saliva e medo.
Pobreza pacificada,
silenciada até o próximo carnaval.
Salve a liberdade burguesa,
a invisibilidade do outro,
os gritos que não descem o morro!
Um viva aos novos heróis da pátria
com seus uniformes negros!
Carrascos com carteiras assinadas.
Durmamos em paz
e deixemos pra eles a honrada missão
da manutenção desse nosso gozo infindável...
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Definições
- Porque são necessárias ao entendimento.
“Por que pessoas matam pessoas?”
- Porque elas não se amam.
“Por que os homens falam em amor?”
- Porque é um sentimento necessário à sobrevivência
“Por que os homens não demonstram que amam?”
- Porque entre eles não há distância suficiente.
“Por que sonhamos?”
- Porque temos a ilusão de um dia ter a resposta certa para todas as perguntas.
“Por que você está tão distante?”
- Como assim, distante?
“É que agora sinto que te amo, e disseste que só amamos quando há distância”.
- Ah... então isso não é amor, é paixão.
“Então amor é uma coisa que não existe?”
- Não. Se é uma coisa, tem que existir.
“Você conhece o amor?”
- E se eu te dissesse que essas coisas não se explicam?
“Acho que agora entendi: amor é possibilidade de existir... é tipo... como se fosse esperança...”
- Talvez, talvez...
- Você está sendo radical.
“Estou? Pensei que você tivesse dito que amor é experiência individual, que se fosse relação entre duas pessoas se chamaria paixão... me responda então, o que é amor?”
- Por que você faz tantas perguntas?
“Porque você me disse que elas são necessárias ao entendimento”.
- Entendo.
“Entende o quê?”
- As suas observações.
“Amar é como tocar estrelas?”
- É quase isso. É uma coisa que nasce em nós, se faz corpo, ultrapassa o nosso tamanho e faz a gente esquecer da gente de tão grande que a gente fica.
“Ah... acho que agora posso tocar estrelas”.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Jogos
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Eu,Salomé
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Desculpas de um escritor desconhecido para manter seu espaço na internet
Pois hoje só postei esse texto pra avisar: hoje não tem texto.
Fiz uma cirurgia na retina e, se meu médico e minha esposa descobrem que estou mexendo no computador, acabam coma retina que sobrou. No meu caso, não posso ler nem escrver, porque o movimento dos olhos prejudica o resultado da operação.
Bom, Deus queira que no próximo dia 16 possa novamente postar um texto de verdade aqui.
Abração a todos.
domingo, 11 de novembro de 2007
sábado, 10 de novembro de 2007
simples
E no fim das contas eu acho que não quero morar mais em lugar ninhum
Mas se ocês quisé
A gente podia ir morar tudo num balão
Daqueles grandão que leva 80 dias pra rodá mundo
E na noite de reveillon,
Nóis pode seguir o fuso-horário
Deixando a trilha de fogos trás da gente
Só pra passar um dia inteiro
Na meia-noite.
Toda manhã depois do café,
A gente esvazia no ar as migalha de pão
Só pra mudar a rota
Da migração dos pássaro.
E em dia de tempestade e de truvão
A gente fecha as lona da cesta
Que é pra chuva num entrá
E nóis acende uma lamparina
Que é pro povo lá embaixo
Achá que nosso balão já foi
de festa junina.
Em vez de lastro d´areia
Nóis pode usá purpurina
E fazê chuvê
as chuva mais bonita…
E se num tive nada mió
Pra gente fazê lá no céu
Nóis dobra um milhão
E duzentos
Passarim de papel.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
CUENCANA
e o que batia era o corpo
enquanto o coração, parado,
longe de estar morto
não compreendia o próprio estado,
só lhe era claro o escuro.
Assim era, de tristeza e bondade,
o que se servia a meu prato,
o mais rico do mundo e já farto
de antecipada saudade.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
(...)
Acordara cedo. Entrara para o banheiro em silêncio. Um silêncio oportuno. Quando deu por si, ouvia a voz de Eleonor à porta, “Vai sair daí logo ou vai ficar esperando a morte chegar, pai?..” Permaneceu sentado na privada, com as mãos empalmadas ao rosto. Não respondeu nada. Não dera sequer um suspiro. Pensava nos anos que passaram logo. Nos filhos que cresceram e partiram. Na mulher que já fora desta para uma melhor. Seu olhar não espelhava esperança, afinal, o quê que um velho como ele quereria da vida a esta altura do campeonato? Eleonor voltou à porta e disse, “pai, vem tomar o café antes que esfrie... estou saindo para o trabalho, tem pão no pacote sobre a mesa e a manteiga já está lá... estou indo... vê se melhora esse humor!” Alberto pôde ouvir seus passos se distanciando na escada. Saiu do banheiro, pegou o vinil preferido. E, foi direto a faixa que mais gostava. O quarto se encheu de uma melodia que era capaz de tirá-lo do chão. A canção o transportava. “Cavalleria Rusticana” era sem dúvida a melhor composição que já ouvira. Uma profunda melancolia tomava conta dos acordes. Nessa profusão de instrumentos, o que mais lhe fascinava eram os gemidos do violino. Gemidos de ferir a alma. Deitou-se na poltrona. Fechou os olhos e viajava em cada compasso. O corpo estremecia numa compulsão de adolescente que conhecera o beijo. Levantou-se. Foi até a janela do apartamento e observou a cidade que se agigantava diante de seus olhos. O vai e vem dos automóveis na rua deixavam-no confuso. “Há tanta beleza aí fora...” – pensou seduzido pela música. Foi ao banheiro. Lá, ao espelho, observou os poucos fios de cabelo negros que lhe restavam. Tocou a face com a delicadeza das mãos, trêmulas. “O que era agora, senão um velho? Um ‘Sô Zé’ qualquer que ninguém imagina existir?” Talvez fosse alguém se houvesse realizado alguma façanha. Imaginou-se maestro daquela orquestra que ecoava pelo apartamento. Imaginou-se poeta, inventor de uma nova técnica estética, precursor de uma nova forma de fazer arte, mas era apenas um ‘Sô Zé’. Não tinha nenhuma noção do que era vida além dos portões da fábrica. Vivera todos os seus anos apertando botões, parafusos, arruelas e porcas. Como saberia o que é estética, poesia ou arte? O que poderia era apenas voltar à poltrona e ouvir em silêncio a canção que mais lhe aprazia. Talvez um livro acalmasse-lhe os ânimos. Diante da estante de Eleonor ficara embasbacado com o tanto de livros que não lera. Muitos nomes, títulos. Pegara o primeiro livro que sua intuição ordenara e abrira em uma página oportuna que dizia: “Quando o rapaz voltou, o velho adormecera na cadeira e o sol pusera-se já. O rapaz tirou da cama um surrado cobertor da tropa e lançou-o sobre as costas da cadeira e os ombros do velho. Eram ombros estranhos, ainda fortes apesar de muito velhos, e o pescoço era ainda forte também e as rugas não tão evidentes quando o velho dormia e a cabeça lhe pendia para frente. A camisa dele havia sido remendada tantas vezes que era como a vela, e aos remendos, o sol os desbotara matizadamente. A cabeça do velho era, porém, muito velha, e de olhos fechados, não havia vida no rosto. O jornal estava pousado nos joelhos, e o peso do braço segurava-o da brisa da tarde. Estava descalço."(1)
Sentira um calafrio. Porventura pegara um livro que falava do que estava sentindo. Ao imaginar a figura adormecida na cadeira, olhou para si mesmo. Espalhava-se pela poltrona como se a despeito das coisas nada pudesse atingi-lo. A canção se perpetuava no aparelho de som. Uma constante repetição de acordes, agora sem sentido. Levantou-se. Foi ao espelho e, com uma navalha começou a fazer a barba. Pensava em um homem descalço e com frio. Um homem que poderia ser ele, nos confins de qualquer lugar bem longe daquela monotonia. Não seria monótona a vida diante do mar? Solitário, sem amigos? Mas como assim? Nada poderia ser pior que viver em uma torre de marfim, isolado do mundo, isolado da vida e das pessoas. Ouvindo apenas as rusgas de Eleonor que em dias de fúria é pior que uma megera indomável. Terminara a barba e, decidido desceu as escadas, tomou café e, saiu pela porta da cozinha com o saco do lixo nas mãos. Alguns minutos depois, de volta ao apartamento desligara a chave do gás. Subira ao quarto e, sobre a escrivaninha se debruçou. Suas mãos trêmulas se puseram a escrever. Ficara por mais de meia hora escrevendo longas linhas que não escrevera a vida inteira. Em um envelope pardo colocara as folhas, deixando-o sobre a mesa. Aumentara o volume do som. Abriu a janela da sacada, olhando os transeuntes que diminutos caminhavam apressadamente. Despediu-se de tudo. Olhou distante, o horizonte a perder de vista. Caminhou até a porta do apartamento, enquanto a orquestra executava um allegreto. Desceu as escadas, parou um táxi e decidido disse: “quero que me leve para dar uma volta pela cidade, leve-me aos pontos mais interessantes, aos parques, museus, teatros – e, antes que partamos uma ressalva, preciso voltar antes das seis – senão minha filha, a Eleonor, briga comigo – ah... outra coisa! Quero ver o mar...”
(1) trecho do livro: “O velho e o mar”, Ernest Hemingway.
terça-feira, 6 de novembro de 2007
A Sereia
Sem se sentir derrotada, resolveu contratar a assessoria de um antropofilos, na esperança de ter seu talento e realidade reconhecidos pelos humanos. E assim, o tal intelectual, deu cabo de seu “plano de medidas extremas”.
Em apenas uma semana a praia estava lotada de pescadores para ver a Sereia.
Muito curiosa, perguntou ao profissional, como havia conseguido tamanha façanha. No que ele respondeu:
- Não basta que você salte 100 vezes por dia para fazer com que o povo te reconheça, é preciso dar um bom motivo para eles.
- E que motivo foi esse? Perguntou a Sereia curiosa.
- Eu apenas disse a eles o que não fazer!
- Como assim?
- Eu coloquei uma placa dizendo: PROIBIDO PESCAR!
domingo, 4 de novembro de 2007
A solidão não é só
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Augusto Sapienza
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Lançamentos
O oco e o homem
A parte "He" da trilogia poética de Larissa Marques.
" O homem que se quer livre 'vomita Euclides da Cunha' é 'como se fosse o único a ver, a sentir, amar e perder'. Acha-se mito. E é onde se engana. Larissa é simbolista, modernista, dizem que Balzaquiana, mãe, afogada como ‘eu-poeta’ pela repetição em eco do comum das coisas - brasileira; todavia, consternada frente ao marasmo da existência, do mundo como embuste, do homem como um câncer, como máquina sensual (objeto de transcendência), prostituído, a poeta é precavida contra o ‘lirismo que não é libertação’. "
Com capa de Aline e prefácio do acadêmico Muryel de Zoppa, O oco e o homem já está à venda!
Infernos Íntimos
Parte "She" da trilogia poética de Larissa Marques.
"Eis que o fenecimento nos encontra no exato momento em que nos encontramos conosco e/ou com a nossa consciência. A incompreensão dos dias e a certeza da morte nos revelam o nada que habita dentro de nossas cabeças: um cérebro ou uma alma? Continuaremos mal compreendidos até quando? Até revelarmos o que de mais íntimo existe em nós, mesmo estando conscientes de que toda a timidez e nudez sejam por si reveladas no cerne de tudo que externa a essência humana?"
Com capa de Aline Castro e prefácio do historiador Túlio Henrique Pereira, Infernos Íntimos já está à venda.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Já tentei expressar esse absurdo cognitivo
Mas palavras parecem ambíguas, sem signo,
Por vezes levianas.
Como dizer grandes ou pequenas palavras
Se elas por si só se ferem
Por não serem livres, por não serem nada e tudo.
Alguns julgam usá-las com maestria,
Outros continuam conjuga-las em suas vertentes,
E transmutá-las em seu sentido até a exaustão,
Inutilmente.
As palavras dão margem a subjetividade,
Aos olhares múltiplos
Às verdades tênues.
Serei sempre um incompreendido,
Sábio e ignorante, por não saber, sabendo.
Julgo minhas tentativas,
Meus poemas,
Que nada mais são que coitos interrompidos
Na ânsia do gozo do entendimento.