domingo, 26 de outubro de 2014

Milagre eleitoral

Quando eu era criança, achava o feio, bonito: gostava de ver, nos dias das eleições, as ruas cheias de papéis, os santinhos dos candidatos. Chegava até a janela da minha casa e via aquele cenário, outrora tão familiar, agora salpicado de cores. Quase um carnaval e seus confetes.

Evidente que não era a sujeira o que me agradava. Era a situação em si. Para as crianças tudo que é atípico tem o frescor de uma descoberta. Aos meus olhos, dia de eleição era quando as ruas amanheciam enfeitadas.

E, curioso, eu ficava pensando: como as ruas ficavam daquele jeito? Na noite anterior à eleição, a cidade normal; amanhecia e era papel para todo lado. Quem fazia aquilo? Como era? Eu ficava imaginando - chegava meia-noite e a rua ficava lotada, candidatos com ternos e seus cabos-eleitorais com bonés e bandeiras, cuidadosamente deixando santinhos pelo chão, para convencer o eleitor descuidado que saísse de casa sem saber em quem votar.

Certa noite, já adolescente, eu voltava para casa na madrugada anterior a uma eleição. A chuva e os bares fechados por conta da Lei Seca me deixaram sóbreo o suficiente para ver o “fenômeno” acontecer. Vi carros parando em esquinas e seus ocupantes lançando a papelada para fora. Jogavam e aceleravam até a rua seguinte. Som de motor e rádio FM. Simples, direto e, o pior, sem glamour algum.

Claro, foi uma decepção, devastou as memórias imaginárias que perduravam da infância. Mas foi bom, em todo caso: aprendi que emporcalhar as vias públicas é feio, e o feio, ao menos nessa caso, não é bonito.

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