sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Quarto-crescente


A bem da verdade, já não era sexta-feira e sim, madrugada de sábado. Fazia calor, o rio exalava um cheiro acre, e naquele bar, onde quase todos se conheciam, ele, que a poucos conhecia, tocava.
Não era bonito. Camisa em desalinho, sem gravata, calça social, sapato horrível, paletó esquecido numa cadeira qualquer. Viera de um casamento. E tocava como um deus. Um deus tropical, trôpego e lascivo, com olhos de anjo, boca e mãos de cafajeste.
À saída, beijou-a sem pedir licença. Longamente. A ela, que não o conhecia. Depois, olhou-a nos olhos e disse que tanto a esperara. Ela riu. Conversa fiada, pensou. Nada disse. Deixou que a beijasse de novo antes de partir.
Amanhecera. O calor aumentara. O hálito do rio sossegara. Os amigos se entreolhavam. Ninguém entendera nada. Nem ela. Mas os dias nunca mais foram banais como antes.



Márcia Maia


4 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

Já comentei este soberbo miniconto em teu blog.
Um enredo envolto em sensualidade e sonoridades tropicais.
Pra dar um basta em nossos dias banais...

Beijão.

Ricardo Mainieri

sacharuk disse...

uma delícia!

Anônimo disse...

Delicately woven words.. Nice piece!

AC disse...

Creio que, lá bem no fundo, todos transportamos a secreta disponibilidade para que um dia nos aconteça uma história destas. Talvez seja o prolongamento da magia dos contos de fadas...

beijo :)