sexta-feira, 9 de março de 2012

DO ALTO

Ela era mais uma entre tantas meninas. Tinha idade e aspirações que remetiam a uma mulher bem resolvida, mas no fundo se recusava a aceitar a gravidade da visão adulta.

Começou gostando de ler as narrativas, passado o susto inicial até se divertia. Não escrevia assim, mas apreciava a acidez e o despudor. Com as descobertas, passou a concentrar sua atenção noutro gesto: sentada aos seus pés, seria capaz de ficar ouvindo aquelas aventuras por horas, sem deixar de dar palpite aqui e ali. Era uma vida muito diferente, quanto mais ouvia mais tinha certeza de que não vivera nada ainda, ou quase nada, o grande mistério era haver um foco de interesse quando tudo apontava para uma natural dispersão. O que ela tinha de mais, ele tinha de menos.

- Queria ter menos juízo, acho que tudo seria mais fácil...
-E eu queria ter mais. Se pudesse roubava um pouco do teu.

A infantilidade dela trazia o ânimo que a vida pregressa havia furtado dele.
Uma noite não dormiu, tiveram uma longa conversa, produtiva, lírica, onírica e cheia de contrastes, eram como partes dissonantes de uma dialética na qual ambos não queriam chegar ao lugar-comum.
O que teria a oferecer a um amante? Isso ela não sabia, bem como uma infinidade de outras coisas nas quais nunca parou para pensar. Só queria continuar batendo à porta dele e aguardando sua abertura para dizer: "Tenho teorizado demais a vida, estou cansada. Me tira um pouco disso tudo?".
Quando vinha, ele não costumava ser sutil. Por natureza, imprevisível. Enquanto ela ouvia a seus pés, o tom era meio magistral, como se quisesse dar ao seu muito vivido valia de ensinamento. Falava da vida, dos achados artísticos, da sedução dos vinhos e da banalidade dos sentimentos. Era um excêntrico, louco como o anjo que renega seu lugar entre os eleitos para dedicar-se a um deleite profano.


-Cogitar "por quanto tempo" é perda de tempo, meu bem. Eu vou ficar em teus braços o tempo que for.

Respondia puxando-a para si, oferecendo seu colo para depois incitar-lhe o querer beijando a boca. Ela nada dizia. Não resistia nem deixava, se entregava - nisto há uma diferença sutil. Bolinava, dominava numa habilidade que era até cruel, subverter o convencional do amor em tesão é a mais justa das formas de driblar o ócio.
Curiosidade, fingimento ou como quisesse ele chamar, não fazia muita diferença. Tudo nela era sede.

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