domingo, 7 de outubro de 2012

Ideias para um romance


Minha admiração se eleva ao fracassado. Aos homens de espírito fraco, aos desconhecidos. A inconcebível presença dos que vivem a margem do panteão. Enxadrista que não fui, valorizei em demasia a nobreza e seus artifícios. Meus desenganos aniquilaram os peões. Desprezando minha condição social, alimentei, por muitos anos, vários sonhos burgueses. Sonhos estes que vi desfeitos ao longo da vida. E, agora, em meu juízo, noto que o fracasso me rondava desde os primeiros anos. Hoje, tépido e ausente do que fui, posso olhar para mim mesmo e ver onde errei na vida. Os caminhos que escolhi e nunca cheguei aos meus desejos. Assento-me em minha poltrona empunhando um livro que leio sem entusiasmo. Ouço canções que em outros tempos me fariam flutuar; neste instante estou alheio, insensível. O único sucesso que ainda possuo é a biblioteca em que estou imerso. Pífias estantes de pouco mais de mil exemplares que fui juntando vida afora. Agora - gordo, hipertenso, grosseiro e fatigado – restam-me as horas que se arrastam ligeiras, feito serpentes. De um ensaio salto a uma poesia, percorro um romance que deixo inacabado sobre a mesa, remexo nos papeis sobre a escrivaninha. Vida inglória esta.
Nunca tive um plano, um projeto de vida. Nunca elaborei uma estratégia para os dias futuros. Embora imaginasse a dureza que seria nunca me preocupei tanto. Contudo, percebo que nada construí. Todos os sonhos que tive, foram apenas sonhos, que como nuvens se desmancharam com o vento. Ah! Se tivesse morrido aos vinte anos. Talvez tivesse a honra de ser lembrado como quem tivera todo um futuro amputado. Talvez houvesse uma nostalgia do que não fui e, todos me dedicassem honrosas homenagens – dizendo que, certamente, eu brilharia. Mas, eu não morri. Tive a chance de ser e não fui. Tive a chance de brilhar, mas escolhi escurecer-me. Sou um tipo vulgar de homem. Destes que se encontram por todas as esquinas. Aparento sabedoria por meus cabelos grisalhos, a sensatez no falar, o bom gosto no vestir, mas, como todo homem comum, sou sisudo, desconfiado. Imerso na angustiosa razão de viver. Meus referenciais ficaram adormecidos no passado. E, a cada pessoa que deixava esta vida, era a minha que se via diminuta. Uma ausência carregada de um mistério imperscrutável. Tempo que se amiudava irrecuperável nas horas inacabadas do ser.
Guardo um livro autografado em minha estante. Um poeta que me fitou a face e me chamou de irmão. Tudo como um relâmpago ficou impresso na página de rosto: “de poeta para poeta”. Foi só. O único reconhecimento de pertencer a um círculo. A partir de então, nada mais de admirável. A vida tornou-se escorregadia. A poesia foi-se pelo ralo dos dias. E, o sentimento de pertencer a algum movimento se dissipou. Na verdade, as palavras eram apenas carícias em um ego inflado. Uma autoafirmação incompreensível que me jogou de encontro ao outro, fazendo-me revelar-lhe minha condição de escritor. Ele escreveu mecanicamente, com meio sorriso nos lábios e grande cortesia. Com o tempo, outros títulos se juntaram a este com outras dedicatórias. Outros pugilistas da palavra travavam esta luta vã no caos que se instala ante seus olhos. Deixavam, assim, relatos apaixonados pela arte de dizer “inutilidades”.

Aquele sentido de pertencimento não mais surgiu. Permanecia afastado das rodas. Um exílio voluntário distava o ponto. Algo dizia: “não estás contido nesse meio.” As grandes rodas pertencem aos literatos. Discutir o mundo, suas transformações, os enfoques sócio-culturais que dividem as nações e diferenciam os povos é coisa para intelectuais. Indivíduos versados nos mais diversos assuntos geopolíticos, capazes de discutir de forma enfática os mais profundos sentimentos da contemporaneidade. Não passava de um versejador de dores de cotovelo. Ora de uns espasmos delirantes, ora de um grito no escuro. Vez ou outra escrevia uns versos. Deixava inacabado um conto que logo se esvaia na mesma velocidade que surgira.  A solidão penetrava os poros e não servia de combustível, aliás, nem as doses excessivas de conhaque intuíam as palavras. Só uma intensa ressaca a corroer a alma.

Um comentário:

Laurita Danjo disse...

Nossa!!!! Visceral de um jeito bem gostoso. Acho que gosto disso tudo aqui.
Escrever com a dor, assim, fico por aqui.

Adorei seu blog, vou passear mais por aqui.

Abraços.