quarta-feira, 7 de novembro de 2012

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Eram simples tentativas de se comunicar com o mundo. Não lhe cabiam as simbologias. Nem mesmo as linguagens. Apenas a deformidade dos acontecimentos. Algo como um terremoto interior. Os passos em que caminhava pela rua eram meio trôpegos. Torpes eram os caminhos. Não haveria lugar no mundo. Lugar aonde pudesse se refugiar do inconcebível. Jamais se resignara. Em tempo algum haveria de se curvar. Poderia quebrar-se ao meio. Poderia partir-se inteiro: não se curvaria. Não se ajoelharia diante de reis nem de deuses inoportunos. Era inquebrantável na descrença. Contudo, era esperançoso. Não se admitia mergulhado em fatalismos. Sua capacidade de crença estava direcionada à potencialidade do ser humano. Sem maniqueísmos sabia das direções e impulsos racionais que nos levam a prática do bem ou do mal. Nunca separou os semelhantes em joio e trigo por achar a parábola inconveniente. Preferia acreditar em pessoas desajustadas socialmente. Ele, por exemplo, não se alinhava ao comum das gentes. Vivia a parte. Observando os acontecimentos sem desprezar os fatos. Afinal, era preciso refletir. Antes de tudo, antenava-se nos novos ritmos da cidade que cada dia mais se tornava intransitável. Carros, desvios, gente descolada demais, tresloucados fugindo de si mesmos nas cracolandias (ou tentando se encontrar num ambiente hostil que lhes ofusca a visibilidade). A polícia e o Estado expulsando essa gente dos centros. Levando-os sabe lá para onde. E, aqueles mesmo descolados aplaudem a limpeza das praças. Que sumam com aqueles pobres chupadores de pedra. Fumar unzinho pra relaxar é coisa de bacana – é até legal – não essa loucura que está solta nas ruas; esses tresloucados analfabetos que ficam empestando a cidade: ora roubando ora na mendicância.

Não se tratava de um jovem transviado. Viver na alucinação diária é calamitoso. É corre- corre para estudar. Formar. Ser alguém direito. É a luta para se ter um emprego para a sobrevida que levamos a esmo. Se adequar é difícil. Corta o cabelo, apara a barba, camisa dentro da calça, cinto a combinar com os sapatos. Gel no cabelo. Perfume. Cheiro de gente de bem. “Que merda é essa em que estou me transformando? O retrato do vizinho imbecil do AP 804. Agora só me falta uma colocação na repartição pública. Vá se fuder – vidinha mofina.” Tenta provar pra si mesmo que é um desajustado. No fundo sabe que não é. Segue todos os padrões e ditames da moda. Seu pensamento é escasso de sobriedade. Está sempre a repetir frases alheias. Disfarçando de intelectual de boteco. Se houvesse um interlocutor a altura discutiria Nietzsche. Falaria horas inteiras de como somos produto do meio. Ou das relações do homem contemporâneo e os meios de produção. Porém, todos os seus encontros são banais e se forjam nas inúteis futilidades diárias. Qualquer encontro ou conversa é como uma avalanche de parvoíces onde os assuntos estão incrustrados da grande torpeza televisiva. E todos os homens parecem modelos saídos diretamente daqueles programas de auditório desqualificados onde toda mentira gera polêmica sob o trajo de verdade indissolúvel. Impossível ser honesto nas amizades, exprimir os pensamentos que o atormentam, compartilhar experiências. Afinal, todos estão ligados na vibe. Altas discussões sobre a validade do título inédito conquistado de forma invicta por aquele time de milhões de torcedores. Nada mal aquela jogadora de vôlei gostosa que saiu pelada na revista desse mês. E vai cerveja, vai tira gosto, mais cerveja e tira gosto. E o papo não muda a fita. Sempre a mesma falação. As lutas do Ultimate. Aqueles trogloditas a se encararem dentro de um quadrado (octógono, tá bem?) rosnando como cães raivosos. Ah, barbárie! Seja bem vinda à vida desses reles mortais. Ah, barbárie! Seja bem vinda ao cotidiano de nossas crianças. E assinam os canais de Combate. E discutem as regras do jogo, ou mesmo a falta delas. O objetivo é finalizar o adversário (ainda não estão autorizadas as mortes, mas basta César, fazer o sinal de aniquilamento e elas virão). Banalidades. A vontade de estar trancado no quarto entre os livros e discos. Ouvindo Blues, curtindo Jazz.  Lendo Bukowski e se mijando de rir com as sacadas bem humoradas: “você tem que trepar com um grande número de mulheres/ belas mulheres/ e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.” Sentado diante do notebook tentando escrever alguma coisa que preste. E que não esteja infectado das patranhas diárias. Mas ele sabe que é impossível não contaminar-se. É impossível viver sob um escudo que o deixe isento. É impossível sair ileso, não sofrer danos nas retinas, nos tímpanos ou na alma. Mesmo que feche os olhos, tape os ouvidos, em algum momento, virá a chuva de banalidades. E, não adianta livros, discos, filmes. Não adianta ser cult, cool ou anarquista. A presença da mediocridade nos assombra. E esta sombra é o que nos envolve diariamente tentando nos converter, tentando nos convencer de que somos todos iguais e que devemos continuar sendo iguais. 

Um comentário:

Lúcia Híbrida disse...

Gostei de seu jeito socado de escrever.Da mediocridade explicitada e do subterfúgio da língua.