sexta-feira, 29 de maio de 2009

macondo


“Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra. " 

O quarto estava frio, e pela janela, vi que a chuva continuava a cair. Chovia sem parar e eu me sentia um habitante de Macondo. Podia jurar que os lençóis ao meu redor estavam mofando. Levantei e escancarei a janela, deixando que o vento úmido lavasse os cheiros, as memórias e os desejos. Devo ter ficado muito tempo ali pois quando me voltei ele estava lá me olhando com um ar preocupado e ao mesmo tempo irritado.

Fechei a janela não tanto por ele, mais pelos livros. Ele pegou um lençol e me envolveu num abraço que fez morrer todas as frases de adeus que eu tinha ensaiado. Era um daqueles gestos de carinho que faziam com que eu me enredasse cada vez mais naquela cama, naqueles braços, naquele beijo. Esses pequenos gestos me desmontavam. Logo eu que era diplomado em histórias sem futuro, diplomado em solidão assistida.

Ele me apoiou e seus olhos agora mostravam apenas carinho e preocupação. Comecei a suar, talvez fosse a febre. Passou a mão pelo meu rosto e senti minha cabeça rodar. Outro carinho desses e eu estaria perdido.

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