segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Há tempos

Foto Sad Woman by Rob Lee

     ___Vou mudar minha vida. – ela mais murmurou para si do que disse propriamente.
     E eu a observo de esguelha, fingindo não ouvir. Desde quando ouço rumores? Os gritos no meio da noite e o bater das portas nas madrugadas denunciam que há tempos as coisas estão desajustadas em casa.
     Seu rosto é branco como cera. Branco como leite frio. Branco e denso como essa neblina matinal à frente do carro. Ela está sendo sincera, eu sei. Como sempre o fora. Mas é que as querências, algumas vezes, não caminham juntas com a determinação para suas realizações. Meus pensamentos devem tê-la atingido, pois senti um olhar fixo, rápido porém fixo, ao meu lado.
     O sinal abriu. Permaneci imóvel, mudo, o cérebro correndo à frente do veículo. Ela falava alguma coisa sobre livros de auto-ajuda e meditação. No meu ponto de vista são apenas engambelação e tiram-na do olho do furacão. É uma espécie de anestesia para suportar as dores. Ela vive mentiras – as esconde no carpete da sala, atrás das cortinas, nas frestas das portas, embaixo da cama, até entre a poeira dos móveis, demorando-se na limpeza, assim como o faz com sua própria vida. Eu sinto pena. E culpa. Culpa por sentir pena. Internamente algo me repreende por sentir isso. Porém me alucina a situação. O grito, contudo, volta para dentro, lembrado de que a vida alheia diz respeito apenas a seu dono.
     Se perguntar minha opinião vou dizer. Mas ninguém pergunta. Ela não pergunta. E fica mastigando um chiclete sem gosto, por anos, por acomodação. Massa quase quebradiça, dá para saber que tem tempo determinado e ele já está chegando ao fim. Ela, contudo, adia o funeral. Tem medo de luto. Talvez não da morte, mas da perda em si. Do desamparo inicial. Acho que ela, tão cega pelo medo, esquece que o sol brilha depois da noite. Pobre alma. Eu gostaria de poder ajudar, mas quem sou eu? Também preciso de ajuda. Meus fantasmas são tão ou mais assustadores que os dela. Me calo. Observo o caminho buscando consolo. A gente não encontra muita coisa fora de nós. E eu me resigno.
     Ela comenta sobre os filhos. Adultos, às portas do altar com seus respectivos. Pelo amor de Deus! Eu tapo a boca com a imagem da minha mão. É egoísmo, pense nisso. A filha ameaçou com distância. E eu simplesmente quero me transformar num furacão e gritar minhas verdades escondidas. Estapearia a cara branca da moça, perguntando-lhe o que sabe sobre amor e concessões.  Sinto-me como pássaro em gaiola, sem poder cantar porque não é sua vez. Sou figurante numa peça não minha, mas queria poder ter fala, assim tiraria esse bolo do estômago.
     Após uma manobra rápida, – eu noto sua astúcia no volante, ela comentara outro dia sobre isso, sentia orgulho de si mesma – deixou-me no ponto de ônibus. Caía uma chuva fina, o céu estava tão nublado e tão cinza, que eu permaneci encantado, observando-o, por milésimos de segundo. Após, vi o carro verde, ele seguia por outro caminho. E era contrário ao do trabalho dela.

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