terça-feira, 12 de julho de 2011

Sinais


Dificilmente saía de casa. Além disso, nenhuma pecu­liaridade daquela tarde quente dava o mínimo sinal de que o dia seria uma exceção. Do sofá da sala de visitas, local onde costumamos receber a pequena parcela do mundo com a qual nos relacionamos, apenas observava o formato das nuvens e os diferentes tons de azul e cinza, além do branco.
— É claro!
Exclamou em voz alta, irrompendo o silêncio que ha­via tomado a sala. Sentiu o leve incômodo que nos persegue quando ainda não sabemos que ninguém é normal. Seguiu-se ao incômodo um diálogo mental no qual prometeu a si mes­mo que nunca mais falaria a sós. No final do mesmo diálogo, que por pouco não virou discussão, já duvidou que conse­guisse cumprir a promessa.
A frase que irrompeu o silêncio da sala pareceu ter acor­dado a cidade. Então o alarme de algum carro ou casa, sem cerimônias, entrou pela janela e veio sentar-se ao seu lado no sofá. O alarme tocando e o mal-estar iniciando-se. Começou a pensar que havia algo de errado, não sabia o que, mas algo o incomodava. Algo estava errado. Imaginou que devia ser dentro de seu corpo, sabia que devia se cuidar melhor, e lem­brou-se da avó dizendo que tudo que fazemos com o corpo é cobrado depois. Foi até a estante e agarrou seu livro sobre me­dicina básica, mas de nada adiantou, porque não sabia nem ao certo o que incomodava, se era dor de cabeça, no estômago, ânsia de vômito ou dor no peito, não tinha nenhuma certeza além do mal-estar. A este ponto estava difícil respirar, a testa suava frio, as mãos se cruzavam e passavam constantemente pelos cabelos, da testa até a nuca, enquanto os dentes se com­primiam como se disputassem o espaço dentro da boca.
Os primeiros ônibus e carros começaram a circular pelas ruas e o barulho emitido por eles parecia rasgar a pele daquele corpo tenso, que nesse momento encolhia-se em um canto do sofá enquanto o alarme continuava a tocar. As mãos cobriam-lhe os ouvidos, mas os visitantes indesejados gritavam rente à sua face. Buzinas, freadas, batidas, tiros, o som do vizinho de cima e a televisão do de baixo, o canto estúpido do vizinho ao lado no chuveiro enquanto os filhos dele jogam o videogame no último volume, o caminhão do lixo, o carro da polícia, a am­bulância, o profeta do apocalipse, as crianças do coral natalino.
Em meio ao caos interno, o telefone tocando. Sempre é alguém querendo vender algo, sempre querem algo em troca por simples palavras. O telefone tocou, tremeu e implorou até cansar. Mas uma hora ele parou. Já era tarde, as visitas viram que era hora de ir embora, o silêncio tomou conta novamente. O corpo, antes encolhido, estirava-se pelo sofá, respirando com alívio e sem a tensão que se imprimira pelas horas que antece­deram este momento. Agora a sós, pensou naquela tarde e, já esquecendo da promessa, disse a si mesmo:
— Esse mundo aqui dentro está muito perigoso. Amanhã eu prometo que vou passar o dia na praça.
Ninguém respondeu. Mas, mesmo assim, dava para notar no rosto a descrença com a nova promessa.

Um comentário:

Um brasileiro disse...

ola. estive por aqui dando uma olhada. muito legal. apareça por la. abraços.