quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sociedade anônima


I
acordou no chão frio
com a boca amarga
e com a roupa suja
de vômito seco
pensou em quanto tempo 
estava ali
mas deitou novamente
não importava 
era só mais um dia 
como qualquer outro


II
fumou o cigarro
sentado na privada
um vestígio de prazer
num dia difícil
para não desconfiarem
deu uma descarga
que levou junto
a bituca
e seus sonhos
de criança


III
aurora
juntou as latas de refrigerante
caixas de doces
garrafas de suco
embalagens de salgadinhos
amontoou no carrinho
e então fez sua primeira
e única
refeição do dia
crepúsculo


IV
penteou os cabelos
passou batom
rosa
sua cor preferida
colocou o vestido
rosa
seu preferido
e foi trocar sua infância
por dinheiro
na esquina mais próxima


V
passou o dia
na fila
gemendo 
chorando
implorando uma chance
à aquela que 
agora
dormia 
no túmulo
de sua barriga


VI
noite de chuva
encontrou um canto seco
para deitar
se cobriu com o jornal
molhado
que estampava a notícia
da morte do amigo
queimado
os olhos abertos
também choviam


VII
atento
olhava a mãe e a criança
o modo como sorriam
o carinho que lhe era estranho
ausente
num ato de coragem
se aproximou 
e levou a bolsa 
para matar a fome
que lhe acariciava as entranhas


VIII
dividia o que tinha
com os amigos
naquela 
noite
era uma lata
queimando crack
uma ponta de baseado
e um pouco de
tristeza
e abandono


IX
no semáforo
passava pelos carros
pedindo ajuda 
por ser surdo-mudo
os motoristas
em solidariedade
se faziam
de cegos
protegidos pelos vidros fechados
e pelos óculos de sol


X
na calçada
as mãos
como pétalas
se abriam para pedir a esmola
os pés
cheios de feridas
espinhavam o olhar alheio
lhe garantiam a subsistência
e não saravam
graças a Deus


Isaac Ruy





2 comentários:

Janaina Cruz disse...

Vestígios de uma semi-vida...Eu amei!!!

Glauber Vieira disse...

Uau, que épico. Muito bem conduzido, gostei bastante.