quarta-feira, 25 de abril de 2012

O fim da noite







O silêncio era um fim. Um fim que passava lentamente.



E foi isso que ele pensou. Andando solto pela calçada, tremendo de frio e com fome, ele sentia a dor aumentar na medida em que a temperatura do corpo diminuía. Ele arquejava sôfrego, e sentia-se fraco demais pra dizer algumas palavras. Não tinha mais força pra pedir socorro. Seu rosto demonstrava um pouco de pânico, mas tinha uma principal expressão de carência. Caminhando sem rumo, com apenas uma bermuda rasgada, sem camisa, ele procurava algo em que pudesse se esquentar. Mas o vento aumentava seu ritmo a cada segundo. E isso o enfraquecia mais. O lugar tava ermo, um pouco vazio, mas considerando sua situação não era perigosa. Quem iria machucá-lo? Ele conhecia os poucos marginais que rondavam a região. Tornara-se amigos de todos da redondeza, porém ao escolher não seguir os modos de vida deles, não o ajudavam em nada. Também não o maltratavam, com a condição dele não atrapalhar a “área” deles. Ele estava sozinho.

O menino ao passar numa lata de lixo, instintivamente revirou as coisas, para ver se encontrava algo de comer. Mas não teve sorte. Não tinha nada que ele pudesse mastigar. Além da fome profunda, o frio estava penetrante demais. Nem os becos ajudavam. Nem um espaço sequer das avenidas tinha calor suficiente. Era inverno, a pior época pra quem morava na rua. Ele andava pelas ruas com alguma esperança. Sempre que se via nessas noites caudalosamente gélidas, ele corria contra o tempo. Ao passar na frente de uma casa, ele olhou uma família ao redor da mesa, todas juntas, antes do jantar. Talvez naquele momento eles estivessem orando. Ele viu duas crianças, uma menina, toda rosada, linda, aparentando 6 anos, e um garoto, todo sorridente, mais novo que a menina, talvez 4 anos. Eles estavam abraçando o pai. Logo abraçaram a mãe. Era uma cena linda, mas ao mesmo tempo doída para ele testemunhar. Lágrimas se projetaram pelos seus olhos cansados, cheios de olheiras. Ele mais que ninguém desejava tanto estar ali no lugar de um deles, abraçando seu pai, sua mãe. Chorou silenciosamente, desejando tanto estar num conforto de uma casa, no seio de uma família. Queria ser amado, querido. Mas não era.

Seus pés fraquejaram com a emoção, e ele sentou na beira da calçada, tentando lembrar algo em relação a seus pais. Mas nada. Ele nem sabe como foi parar na rua direito. Ele sobrevivia com muita perseverança, mas com pouca alegria. Talvez a esperança que lhe dava força seria o sonho de um dia poder morar em uma casa, e ter o conforto de uma família. Ele desejava, com muita força que a “noite” da sua vida acabasse de vez, e ele pudesse ver e sentir finalmente a luz e o calor do sol. Ao pensar nisso, ele esboçou um meio sorriso esperançoso. Passou suas mãozinhas pelo rosto, pra enxugar as lágrimas e levantou. No momento em que estava voltando a andar, ele foi percebendo a mudança na escuridão, e sentindo uma leve iluminação vinda do horizonte, pronta para clarear a cidade. Ele nem percebeu, mas tinha ficado horas ali na calçada, chorando e sonhando. Em cerca de poucos minutos, ele foi vendo magistralmente o sol surgir resplandecente no céu, tornando a noite, dia de novo, e enchendo de calor seu corpo. Ele abriu um largo sorriso, como se tivesse acabado de receber o maior presente de toda a sua vida. E era mesmo. Era sempre assim, todo dia, quando o sol nascia. É como se a tristeza e o frio da noite, não tivesse existido, e apenas a felicidade do dia, vinda da luz e calor do sol o contagiasse por completo.

Foi o fim de mais uma noite. Talvez não o fim da “noite” de sua vida, mas um pedaço dela. Por que enquanto houver um sol pra ele vislumbrar todo dia, ele jamais perderia a fé e esperança por uma vida feliz, sem dores, sem fome, sem frio, e com uma família, uma casa.

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