sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Influente

O mendigo, folheando o jornal, que lhe serviria de coberta, viu uma notícia anunciando que a obra "A fonte", de Marcel Duchamp, fora escolhida como a arte moderna mais influente da história.
Perguntou a uma mulher de óculos, sentada no ponto de ônibus, com cara de professora, o que significava "influente". Ela não soube explicar, ou não quis, mas o menino, que estava ao seu lado, retirou um enorme livro da mochila e leu em voz alta, para que ele escutasse. "Influente: que influi; que tem autoridade, prestígio; que exerce influência sobre os demais".
O mendigo voltou para o banco e, depois de muito observar a imagem do "mictório assinado", que ilustrava a reportagem, levantou-se e começou uma caminhada com passos firmes e destino certo.
Influenciado pela obra, pretendia assinar todos os mictórios e vasos sanitários do banheiro público da praça.
No caminho, já imaginava a quantos não "influenciaria" com aquele gesto simples, mas artístico, de assinar o local onde os homens urinam. Teria, desse modo, "prestígio, autoridade".
Chegando ao banheiro, notou que já havia assinaturas por todo lado: paredes, portas, chão, teto e até no espelho quebrado. De fato, não havia nenhuma assinatura nos mictórios, mas naquele momento lhe pareceu tão menor, insignificante e tolo assinar naquele lugar, que se escondeu em uma das cabines e ficou ali, cabeça baixa e em silêncio, sentindo-se envergonhado a pensar que aquele era, de fato, o lugar mais apropriado para que assinasse.
Levantando-se para sair, observou a quantidade de desenhos e frases escritas na porta. Seria aquilo arte também? Provavelmente sim. Ao menos parecia ter dado mais trabalho e ser mais artístico que a assinatura no mictório.
Questionou-se, refletiu e, depois de muito ler e observar a arte que o encarava, sentou-se e, “influenciado” pelas pornografias descritas e ilustradas na porta, masturbou-se ali mesmo.
Saiu do banheiro, voltou para a praça, jogou a página da reportagem no lixo, se cobriu com o restante do jornal e, feliz, refletiu que, de fato, ele existia apenas para ser influenciado, não para influenciar ninguém.


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