O Recife fede. Isso já é senso comum. É só andar na beira do canal da Agamenon Magalhães com o nariz destampado para se ter uma idéia. Apenas não sabia que a fama tinha chegado até os céus. Só sendo isso para que o Divino decidisse dar um banho completo no Recife por horas seguidas numa chuva torrencial. O resultado são as artérias da cidade entupidas numa eminência de ataque cardíaco; mas ela não morre, é eterna. Quem morre é o compromisso seguinte, importante e inadiável, no qual não se chegará, ou, se chegar, deveras atrasado. Quem se debate numa crise epilética são as células presas em seus sistemas de classe de carros e ônibus, que não podem fazer nada, senão esperar.
E esperam impacientemente contando os segundo e minutos de suas vidas que são perdidos, mas que seriam perdidos de qualquer maneira. Alguns pensam em se emancipar e seguir o restante do caminho andando, mas logo desistem da idéia, seria muito atrevimento, demasiado esforço. Melhor esperar.
Logo a cidade voltará com sua vida e irá respira o seu ar carbonizado novamente. É só esperar, afinal, todos já estão acostumados com o sistema de esperas e subesperas. É mais fácil. Ruim seria se todos vivessem sem nem ao menos aguardar uma espera: o tira-gosto do bar, um cappuccino, um comercial de TV, a Morte. Aí sim, um segundo seria uma perda irremediável e um minuto seria uma vida. Mas não, sempre é mais fácil, todos esperam.
André Espínola
4 comentários:
Excelente!
Adoro essas prosas de realidades urbanas, e você as faz magistralmente
Por falar em esperas, sempre esperei algo teu assim, em prosa, mas com este jeitão de poesia. Não foi uma espera vã, pois veio com uma visão diferente (aquela de conhecedor nato) de um lugar que gosto muito, que é o seu Recife. Aliás, poucos falam com tanta propriedade daí.
ficanapaz, irmão de copos e letras.
uma belezura! nas mãos de um bom poeta, até o feio fica lindo.
muito bom...
que bom poder contr com você, aqui no manufatura!
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