terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ode a Maiakóvski

Salvador Dali

IV

Oh, Maiakovski! Que ânimo te arrebataste
Desta vida estúpida?
Que verme atravessara-lhe a alma
A corroer todas vossas esperanças?

Ah, meu caro poeta, seus versos traduziram
O espírito de uma época...
Teu grito, tua voz ecoaram na revolução.
Mas, onde foste?
Que miserável sentimento tomara conta de ti?

Não compreendo! Lançaste sobre vós,
Sobre vosso próprio corpo, toda a ira,
Todo despropósito em viver.

Oh, meu amigo, por que puseste uma bala
Em teu próprio peito?
Que motivos, que revoltas, que amores?
Tu foste homem, foi poeta.
Decidiste com coragem seu próprio destino,
Escreveste com a pena vossa própria pena,

E eu? O que faço de minha vida?..
Não sou tão homem, nem tão poeta,
Encolho-me sob minha casaca,
Escondo-me nas multidões,
Sou mais um, enchendo o papel de palavras,
Gritando meus silêncios e mais nada.

Ah, meu irmão, meu camarada...
Se houvesse em mim uma gota de coragem
Chegaria “às vias de fato”, esmagar-me-ia, pois.
Mas, não sou grande como vós,
Nem tenho sobremaneira vossa postura,
E, meus versos são calejados, inspirados
Na insatisfação que é a vida: que vida!

Ah, se pudesses me ouvir!
Que conselho me darias, proletário poeta?
Há tempos a vida perdeu a cor e razão
E minha inspiração está no enfado, no tédio.
Não encontro sentido na revolta, na luta,
Tudo se transformou em uma névoa obtusa,
Numa escuridão infinita, que nem percebo
O brilho da vida.

Sim, terei um dia, no desconsolo de um quarto
Escuro, a hombridade de silenciar-me.
Calarei para sempre esta voz
Que insistente vos declara minha covardia;
E, quando cessar-me de ser covarde,
Não haverá tempo pra ter coragem,
Pois minhas mãos, tremendo de velhice,
Aceitarão, resignadas, a loucura que é viver
À espera da morte.

Um comentário:

Cássio Amaral disse...

fiz um haicai tempos atrás que não é pra maiakowski,mas que é o que queria dizer pra ele:

todo dia me suicido
lembrando que nunca envelheço
meu preço é ser inocente.

Bom poema camarada.

Grande abraço.