caranguejo - foto rafael nolli
    XXXVII
   10/02/03
O Poema  agoniza. Repleto  de chagas , suspira  pesado um  denso  ar  tuberculoso . Tenso , o olhar  vaga  pela  gare : mas  não  vê  horizonte  sobre  o corpo  dos prédios . Legado  a vida  [sub]urbana , o Poema  intoxicou-se com  os monóxidos  de carbono  e com  o veneno  de sua  própria  entranha  cavernosa  – veneno  que  estava hibernando enquanto  o amor  ainda  era  uma possibilidade.
Dói-lhe o peito  arfante. O coração  emudecido traqueja . Onde  estão os poetas  para  revigorá-lo? Ou  os médicos  com  suas  formas  módicas de curar ?
(Os poetas  morreram carbonizados pelo  brilho  de um  século  que  anunciava, profeticamente, uma chegada  grandiosa  – no entanto  advertia de antemão : seria, antes  de mais  nada , destruidor ! Os médicos  se esquivam: o Poema  não  tem plano  particular ...) 
O Poema  geme, um  cheiro  atômico o nauseia; um  brilho  nuclear  ofusca-o... Pela  sua  mente  turva , bailam as últimas homenagens  recebidas: antologias  patéticas, seletas  escatalógicas, patologias  poéticas ... 
Tomando mão  de suas  últimas forças , o Poema  se arrasta. Parte  em  busca  de paz , em  busca  de uma distante  aurora  despetalada, longínqua . (Impossível ?)
E, no rastro  de sangue  deixado pelo  seu  mórbido  corpo  moribundo , alimenta-se um  rabugento  gato  preto  com  suculentas lambidas lascivas...
* do livro Memórias à Beira de um Estopim
2 comentários:
Bela metáfora, adequada não apenas para o papel da literatura, mas para a própria humanidade.
"o Poema não tem plano particular..."
Também ñ o tem... o Poeta!
Adoro ler sua felina palavra, Nolli.
:)
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