O que  pode fazer  o poeta  ao cantar  o Sudão,
uma imensa  ferida  sangrando no mapa ?
Ao modo  das agências  de viagens 
teria ele  a coragem  de elevar  a sua  voz  
e dizer  que  apesar  dos seus  vinte mil  órfãos 
fugindo pelo  deserto 
a limpeza  étnica  que  chega  ao fim 
aprimorada com  a modernização da máquina 
                                                  e da indústria ,
                                                  continue viva .
os estupros , pois  não  há mais  quem  seja violado
             e alimentar  o sono  dos homens .
Haveria o poeta  de dizer  que ,
deve-se ir  conhecer  o Nilo
e suas  câmeras  eletrônicas  desinformadas? –
            e nunca  especular  sobre  o interior ,
e o líquido  que  menos  se lamenta  ao ser  derramado  
                        continue a ser  o sangue  humano .
E se o poeta  não  encontrar  metáforas  que  possibilitem
(Poderia  o poeta , sempre  um  pobre  mortal , dizer :
Ó País  Sem  Mãos 
e cometer  o sublime  erro  de crer  que  o problema 
da África possa
E se, de repente , o poeta  não  achar  a frase  certa,
e em  seu  trabalho  não  ser  citado
                         a morte  por  hemorragia 
                                   e a certeira  infecção  generalizada?
há de se perguntar 
o ritual  comum  de utilizar  a gilete  de barbear 
                                    de pequenas  meninas? 
            e os grandes  lábios 
arrancados como  pequenos  bifes ,
num mundo  anterior  ao éter  e a penicilina ,
acostumado ao uivo  adolescente
de dor  e desespero?
os espinhos  de coqueiro  usados para  costurar 
e expulsar  tudo  o que é prazer  de suas  vidas ?
a pequena  abertura  deixada para  escorrer  a urina 
                                                  e a menstruação ?
E se, esquecido de sua  honestidade ,
o poeta  se olvidar  da pergunta 
E se, desmembrado de seu  humanismo ,
ao comprarmos
trazê-los para  tornar 
                                              nas moendas  
                        do Império do Brasil! 
e sua guerra à beira das bodas de prata.
É desculpas  que  o poeta  pede 
                            ao se omitir  na estante .

2 comentários:
Belo texto, bem escrito, prende a atenção do início ao fim. A situação do Sudão lembra a de Ruanda, pela omissão e esquecimento da imprensa e dos organismos internacionais.
Mais grave do que o silêncio dos poetasé a enxurada de inverdades dos jornalistas...
Manoel Carlos
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