domingo, 19 de junho de 2011

A outra que sou eu

Passei trinta anos sendo traída.
Sempre a mesma coisa, depois de.
Semanas de cabelo desgrenhado, remedinhos na estante, filmes de amor com lencinho de papel e panela de brigadeiro.
Aí ele apareceu, o casado.
Enroscamos de jeito que não solta mais.
Jeito de bicho.
Vidinha solitária, essa de ser a outra.
Não muito diferente da vida que eu tinha quando era a traída.
Afinal, eles sempre estão com outra.
Sendo assim, não importa o lado em que estou.
Interessante foi o que aconteceu comigo.
Foi como atravessar uma catraca de metrô, onde você tem que tirar a roupa, o espírito e o falso moralismo -claro- pra entrar no trem.
Entrei medrosa nesse novo estar.
Silêncios, segredos, cautela, discrição, semi-discrição na sorte de que nunca. Né.
É tenso.
Amante tem que ser confiante.
Bonitona, gentil, simpática, segura de si, sabe?
Um jeito irônico de trabalhar o amor próprio.
Traída tem olheira, lava louça, corta unha do pé.
Eu não.
Não mais, né.
Agora é lingerie, restaurante, salão, champagne.
Passeios inesquecíveis, beijos ardentes.
Ele sempre pensando que eu vou fugir.
Que eu tenho muitos outros, isso e aquilo.
Agora acho que eu sou sensual.
Brega essa palavra né?
Ufa! Até que enfim!

Um comentário:

Glauber Vieira disse...

Interessante o texto, mostra uma realidade atual, sem estereotipar a figura da amante.