Não me apeguei a nenhuma promessa, a nenhum beijo, a nenhum cheiro. Não lembro a cor dos olhos, dos cabelos, a temperatura da pele, o perfume. Me lembro do falar, como se tudo não passasse de uma tragédia cômica, e do medo de uma desobediência. Me lembro da caligrafia, da vergonha dos erros de português, do sorriso, sinal de fraqueza escondido por trás da hostilidade. Me lembro do que só eu via. Me lembro do sadismo das certezas. Da aceitação dos dogmas. Me lembro do valor dado ao dinheiro e a todas as coisas materiais. Me lembro de um amor pela arte escondido, inalcançável. Me lembro dos cutucões no cantinho do pé, da sinceridade da bebida, da violência da dúvida. Da agressão que esconde a timidez. Me lembro de todos os passados, das mortes, da dor do abandono. Me lembro do cuspe, das marcas no rosto e nos braços, do chão, das baratas, do mato, do céu infinito sem estrelas, das mãos dadas, do abraço parado no tempo. Me lembro das flores, das rosas jogadas no rio. Me lembro da perseguição, dos pontos de ônibus vazios de madrugada, do frio, do desprezo, da apatia. Me lembro do reencontro, da aproximação silenciosa, da percepção do fim. Não sinto saudades, mas me lembro de tudo; como dádiva e maldição.
3 comentários:
A saudade é o atestado da felicidade, guardado na gaveta da memória.
Bjos!
Olá, boa tarde!
Realmente: memória é dádiva e maldição.
bjOus
O grande contraste do baú que armazena tempo: a memória.
Bj
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