quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

uma lembrança para Godot



ressaca

para dois seressensíveis e machucados meias palavras não cabem, então a tarde caiuleve, nos embriagamos com Manoel de Barros e sorrimos. a noite correufalante, pouco álcool e muita poesia, para dois poetas o bastante para secompreenderem. a madrugada reservou um banho de piscina e a lembrança de tantoserros, copos vazios e almas cheias. ao amanhecer chuva forte e janelas abertas,Neruda e Pessoa molhados no chão. palavras encharcadas e inteiras.

suor

acordei mais cedo queo de costume, aliás não dormi mais que duas horas...
nessas fases de poucosono e literatura transbordando pelos poros, lembro-me de que matéria somosfeitos.
tenho amado vocênesses dias. não há porque esconder o sentimento que salta aos olhos eenriquece as palavras.



vapor

hoje senti sua faltade uma maneira que jamais senti. seu silêncio acompanha-me nos banhos matinaisque batizo com seu nome, quanta ternura posso encontrar num banho morno? sim,pois o que ferve não é a água e o que fere não é o não dito. o espelho estavaembaçado e tirei a toalha que me envolvia para me ver melhor, nunca vi meusolhos tão opacos como hoje.



insônia

não dividi meussegredos, pois repartir tira-me o sono. não direi desaguei meus engodos e queem algum momento abri meu coração. nunca achei justo sujar águas claras emfalácias pernoitadas. foi-se o tempo que dava espaço para estrangeiros, queapenas esquentam minha cama e na manhã seguinte abandonam minha morada. massaiba que me dói ainda a lembrança de vê-lo sair. foi único que partiudeixando-me suas lágrimas em meus olhos.


paramare

não farão falta asflores de plástico que deixara sobre o balcão, mas faltou a noite passada.o relógio batia insistente
a melodia que jásabemos de cor. pobre a moça que encontrá-las e enfeitar com elas ocoração. a jardineira daqui não é obstáculo, nem foi colocada ali como umadorno de janela, amado. é só um lembrete de como tudo é breve e belo,um suspiro perfumado de vida, paraísos artificiais. não arrancaria nenhumadelas para você, trazem a essência rara das horas que perco ao regá-las.tempo que não temos para o agora.


alento


as as coisas têm nosafastado, não é querido? o coração está bem, mas não consigo parar de fumar, oque é ruim. mas o que não é? estou amando, como sempre... coração vagabundo,como diz Caetano! me divirto com meus mancos, como sempre e a saudade de você éenorme! tem o dom de me reanimar! meu texto de Kerouac está aqui, crescendo ecrescendo, como um diário de bordo mal escrito e pouco reverberado. saber devocê é uma tábua de salvação, um arquipélago baldio nessa vastidão de marrevolto! pesa-me a idade e os sorrisos já estão gastos quase tanto como a pele, já não tenho o mesmo visco. ando até meio aborrecida, pois as coisas, quandoconvalescemos, se tornam mais lentas e monótonas. mas não me queixo a vida égueixa querendo se dar!



inércia

decerto a mansidão dodeserto se curve à imensidão das águas, mas enquanto não, seco. é o calo emdesalinho, forma obscura de um tempo vão. onde não há amar ou fúria, onde secala a devassidão. esse seu rosto cálido, descrito em conta de arrimo é só afuga de um querer pobre que não quer cura. decreto é a luxúria de se entregar aoutros corpos enquanto só se deseja a solidão.


desilusão

mostrou-me arealidade turva para uma manhã chuvosa, independente da transa da noitepassada, não com você, faço odes poéticas ao que vivi e se é a isso que seresume toda a histeria e febre humana: "uma boa e bela foda", queseja! e se ela vier bem acompanhada da ilusão, de bebida barata e promessasfrívolas, melhor ainda! quem já teve o corpo rasgado não só por falos, mastambém por faca afiada não se daria ao luxo do amor puro e imaculado. façocoro, é boa hora para um café amargo, meu amado!



ainda o café

acusa-me, amor! sim,admito, sou leviana, pueril e me prendo ao que seja leve e despretensioso. seuma xícara de chá esfria tão rápido e alguns depois de frios não conservam osabor e a fragrância, posso ser assim. não pedirei desculpas por meus erros, oupelo que me marca única, somos assim vãos. nada me vale mais que viver, o queme move é lembrar depois. serei uma velha chata e enquanto isso não acontece,tomo o café quente e amargo que me serviu a pouco. sua essência aindapermanecerá, pelo menos por algum tempo.


horizontes

o certo é que soualucinada, pois há tons e tons. e onde uns distinguem apenas o branco e onegro, o contraste do papel com as palavras de poeta qualquer, eu vejo cores.renega o que sente, esse rubor nas vísceras, essa paixão desesperada que nãoousa relatar e faz-se míope. deixo que furem-me os olhos mas não nego a fúria,dessa que se enxerga vermelho em manchetes de crimes passionais, amarelo emclassificados de domingo e verde no fundo de amanheceres quadrados dentro degarrafas vazias de bebida.


lamento

quando saí de suacasa, naquele domingo fatídico, as coisas desabaram sobre de mim, encobrindoparte do que sou e todos os meus passos. antes do avião alçar voo e me trazerde volta à rotina, os pulmões esvaziaram e as palavras calaram num só grito,até o fim do fôlego e com o passar dos meses desisti de chamar. tudo que viaera brisa sua vindo em minha direção e disparando os alarmes de solidão. com otempo não havia mais vento à espreita ou esperas furtivas, só há agora essesilêncio aterrador.



despeito

para que serve oamor, afinal? uns diriam que serve para resgatar almas perdidas e trazer omilagre da auto-aceitação. outros diriam que serve para inundar os corpos dehormônios, feromônios, suor, odores desagradáveis e satisfação celular. paratantos outros um amor só serve para curar outro. a partir de hoje, meentregarei ao mau gosto barato, desses vendidos pelas putas e suas meiasarrastão furadas, em becos escuros e pontas de rua, afinal nunca duvidei quenasci para as sarjetas.

2 comentários:

Graça Carpes disse...

Muito lindo... O todo e cada uma das etapas.
Bjs
;)

Francisco Coimbra disse...
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