quinta-feira, 10 de junho de 2010

Epifania

 

Caminhou. Um parque de diversões se revelou à frente. Balões coloridos. Respirou uma fumaça doce, de cigarro de menta, mas não era o seu. Não fumava.
Se aproximou. A paisagem desfocava a cada passo. As crianças que brincavam não estavam normais. Havia algo em seus rostos, pinceladas brancas transformavam suas feições. Não sorriam. Riam abertamente uma risada diabólica.
O sorveteiro vendia sonhos. Dentro do carrinho um mundo encantado tirava a atenção das pessoas a sua volta. A maioria não via o parque, não percebia as situações, caminhava como se não tivesse consciência de existir.
Balões coloridos. Balões cor de carne. Balões cor de sonhos. Alguns de pesadelo. O que se via de bom, muitas vezes não passava de maquiagem.
Sentou-se num banco. Estava tonto de enjôo. Uma garota, adolescente, passou lambendo um sorvete. A barriga à mostra. A boca muito suja. Ela ria como se isso fosse normal. Ele vomitou. Imediatamente, crianças bem vestidas se acotovelaram, agachando-se para comer o resto do que seu estômago não digeriu. Aquela cena o nauseou a tal ponto que teve de fugir. Trôpego, andou por entre as pessoas, rostos desconhecidos, alguns desfocados. Tudo parecia sonho, sonho ruim, com uma névoa de dia frio sobre as cabeças, e um brilho muito confuso sobre tudo.
Desespero. Foi o que tomou conta de si, como febre interna crescente que espora na pele a doença que come por dentro. Parecia um bêbado, perdido em meio a um tiroteio, confuso, sozinho. Era um parque, eram crianças, era um sorveteiro, era uma roda gigante e todas as coisas aparentemente boas de um sonho bom.
Seus olhos se encheram de lágrimas. Sentiu uma dor funda, dessas que assolam os corações quebrados quando o caos toma conta. Não sabia onde estava. Não sabia onde ia. Estava postado num mundo, numa sociedade, num grupo, porém não se encaixava. Era a peça estreita e chata que não cabia em lugar nenhum.
Após tudo, desmaiou.
Acordaria novamente. Tudo estaria lá, mas com menos clareza.

Foto: Back by Toni Blay

5 comentários:

Joana Masen disse...

Nossa, mal consegui respirar lendo seu texto. Que coisa louca! Também senti náuseas ao imaginar as cenas. Epifania nossa de cada dia. Bjos!

Paula Balardin disse...

Uau, menina!!!! Que texto fantástico!!! Espero que tenha continuação....fiquei intrigada... parabens!!!! bjocas

Cris disse...

@Joana: Valeu, querida! Que bom, passei meu recado...rs Bjokas
@teacher: Obrigada! Infelizmente não tem continuação, é um conto de um fôlego só! Bjos!

Flá Perez (BláBlá) disse...

primeiro pensei no Inferno à la Dante-Constantine, o inferno pessoal de cada um...
mas depois pensei: será que já não é assim aqui e nós é que não vemos?
mas depois simplifiquei cientificamente: parece a doida Margarida La Roque surtando na ilha que ela achava estar habitada por demônios.
mto bom!

bjbjbjbj

Cris disse...

Valeu, Flá!
O inferno é mesmo aqui.
Bj, linda!