quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O homem que lia Voltaire


Hoje, ao amanhecer, deparei com dois cadáveres pairando sobre meu corpo. Enforcados e ruborizados. Ambos eram homens, que, de início, tive imensa dificuldade em reconhecer. Conservei-me por um longo tempo na cama, deixando o sangue precipitar-se sobre minha face. Contei as gotas. Abri a boca e busquei engolir os pingos vermelhos que desciam pela corda de aço.

Levantei-me após algumas horas. Preparei o café, mas já estava sem fome. Bocejei com vontade enquanto ouvia as vozes vociferantes que vinham da rua. Um protesto de criaturas inúteis e semicorrompidas. Humanos? Eu os vejo como cupins falantes. Tento não ficar furibundo com os diabos de homens que gritam aos meus ouvidos. Todavia, criei uma técnica: tornei-me gigante de Sírio. Ah, tudo ficou melhor e apaziguado. Mas a droga daquele cupinzeiro tanto insistiu que quase me devorou. Demoro-me sozinho em uma ruidosa gargalhada, pois sou imbatível durante o tempo em que me cultivo Micrômegas. A pequenez dos homens é realmente risível.

Varri meus dentes dourados, beijei o espelho. O nó na gravata, aprendi. Ah, meu terno, tanto me faz feliz! O livro do idiota francês permanecia sobre a escrivaninha. Importantes são os sofismas quando não se sabe interpretar um filósofo. Corri, a passos de tartaruga, para meus afazeres. Dia de cão! Duas horas sentado no banco macio do parlamento, inalando o fedor dos falaciosos emperucados. Quando saí daquele lugar, percebi que minhas axilas também fediam. Mas, pensando bem, chegou a ser um odor agradável.

Retornei exausto à minha casa. Só pensei na cama. Os homens apodreciam sobre meus aposentos. Eram eles: você e ti. Dei uma tragada no sangue de você. De ti, abri as veias, pois ainda estavam aproveitáveis. Depois me deitei e voltei a engolir o sangue, já escasso, que escorria deles.

Um comentário:

Adriana Riess Karnal disse...

psicodélico!
anndixson.blogspot.com